quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

JK AO VIVO

 TEATRO - MONÓLOGO
Personagem: JK (Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 – 1976)
Autor: Rogério de Alvarenga
Revisão: Omar Fürst



Cenário: sala de estar. O ex-presidente recebe amigos convidados, (Pequeno coral, in off, canta suavemente, um trecho da modinha Elvira, Escuta, de José Marcelo de Andrade e Luís Cláudio: “Elvira, escuta/ os meus gemidos,/ que a teus ouvidos,/ irão chegar// Não sejas traidora/ tem dó de mim/ tem dó dest´alma/ que te sabe amar.” Segue cantando mais suavemente a modinha em boca fechada, até desaparecer.)

(Entra o ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira e, em tom coloquial, vai desenvolvendo um relacionamento afetivo com a plateia.) 
1. (A numeração dos itens da fala foi colocada para facilitar a memorização do ator e, também, para definir a sequência natural das ideias.) 
JK - Boa noite! Boa noite a todos! Impossível perder esta oportunidade de vir conversar com os meus amigos, principalmente com os amigos desta cidade que me fez para vida política.  Todos me conhecem de nome e de ação. Relatórios de minha vida? Todos conhecem. Vim por minha própria alegria de encontrar amigos. Amigos? Sempre tive dos melhores. Sempre fui fiel aos meus amigos. E os meus amigos me acompanharam até o meu final, ao final da minha vida, abraçados a mim, me conduziram ao meu descanso eterno. Tantos choraram por mim. Eu chorei por todos. Chorei copiosamente porque poderia ter feito ainda tantas coisas para o meu país e para o meu povo. Isto mesmo. Tive vergonha de morrer e deixar tantas coisas por fazer em tantos projetos arquitetados. Vim agora confirmar que meu pensamento sempre foi o caminho do progresso e tantas coisas que existem hoje em nosso país são fruto de uma disposição para o trabalho e para a realização de grandes obras. Não pensem que foi fácil romper tantas barreiras, ditas intransponíveis, para chegar ao topo, com a mesma coragem e o mesmo desprendimento que me caracterizam. Infelizmente, construí patamares nunca dantes imaginados para o povo brasileiro e recebi, em troca, por alguns, farpas inacreditáveis, denúncias, incompreensões e, finalmente, a própria morte.
2. Perdoar? Perdoar? Passei a minha vida inteira perdoando a centenas de algozes inesperados, que me atropelavam por infundadas razões, construídas por obsessão à inveja, à maldade, ao ódio ou ao medo. Agora, neste ponto final da linha da minha vida em que me encontro, que farei? Terei o mesmo senso de humildade ou de bondade para colocar o meu rancor em estado de pausa, para demonstrar o mesmo sorriso de complacência diante da arrogância, da petulância, da ousadia, da irreverência? Serei, assim, incompreendido pelos meus amigos, companheiros e até mesmo pelos meus eleitores. Se eu for arrancar palavras do fundo de um coração aviltado e coagido, não posso exprimir aquelas mesmas palavras, com sorriso de tranquilidade e segurança. Pensando melhor, neste momento, volto meus olhos para a minha vida, toda completa, de princípio, meio e fim, dizendo apenas que estou acima de todos os meus detratores, superior em filosofia de vida, em comportamento interior e soberania de princípios e ideais. Meus olhos não se convergem para as ações inferiores que habitam mentes também inferiores. Cada um pagará pelo que tenha feito. Esta lei não foi proposta por mim. É a lei do universo. O dia fatal chegará para todos, na sua grande justiça final. Com maior ou menor dose de sofrimento. Então, ironicamente, perdoo a todos, sem piedade. E não se fala mais nisso.      
3. Este comentário não está condizente com a amizade e o respeito que dedico às novas e brilhantes gerações de brasileirinhos, crescidos e desenvolvidos no respeito e na dignidade.
4. Falo para todos os que lutam para conseguir melhor qualidade de vida, segurança no trabalho e imaginar uma longínqua velhice digna. No meu caso, tantas forças da natureza colaboraram com a minha formação. Tive a sorte de nascer de família simples e digna. Meu pai, João César de Oliveira, era minerador na cidade de Diamantina, alegre, bem humorado, mas com pouca sorte na mineração. Ele faleceu jovem, deixando uma viúva de 23 anos, e dois filhos menores. Eu tinha dois anos e Naná era um pouco mais velha. Não me lembro de meu pai. Construí uma imagem dele pelas palavras amáveis e saudosas de minha mãe, professora Júlia Kubitschek. Meu pai, João César de Oliveira está sempre lembrado numa das principais avenidas da cidade de Contagem. Assim, minha mãe passou a dedicar a sua vida à educação dos seus filhos Nonô e Naná, como ela carinhosamente nos chamava. Não tínhamos nada que pudesse garantir uma vida de fartura e felicidade, se não fosse a dedicação da minha mãe e de alguns familiares mais próximos. Que estrela poderia nos oferecer uma oportunidade de brilho na sua constelação? Que futuro? Mas dona Júlia acreditava e sua fé era inabalável. Teve que vender tudo de valor que possuía, tão empenhada estava na educação dos filhos. Nada para si e tudo para os filhos. A vida da jovem Júlia estava planejada e sonhada. A sua riqueza eram essas duas crianças mais lindas do mundo, como são as palavras de todas as mães.
5. Em Diamantina, em 1906, foi criado o primeiro Grupo Escolar do Estado, pelo então governador João Pinheiro da Silva e minha mãe passou a ser remunerada pelo estado de Minas Gerais. Fui matriculado nesse grupo quando completei sete anos de idade. Terminado o curso no Grupo Escolar, que fazer? Minha mãe articulou com o diretor do seminário de Diamantina e conseguiu me matricular para o curso de padre. Correspondia ao curso ginasial ou primeiro grau. Se o aluno demonstrasse interesse de seguir a carreira eclesiástica, ele passaria para o curso mais avançado. Estudei muito, li muito, aprendi muito, mas a vocação para padre não apareceu. Fui franco com a direção do seminário e com minha mãe. Fiquei sem nova oportunidade pela frente.
6.Matriculei-me, então, num curso livre para telegrafista. Não havia outras oportunidades. Foi a minha salvação. Sem pensar em resultados imediatos, fui em frente como se a luz me aparecesse de repente. Fui firme, como todas as coisas que fiz na minha vida. Parece que sempre fui obsessivo demais. Quando pego, não largo e não entro em nenhuma atividade para perder. Por sorte, mais tarde, apareceu um concurso para telegrafista em Belo Horizonte. Fiz a minha inscrição e fui aprovado no concurso. Mesmo aprovado nesse concurso, tive que desenvolver algumas ações para ser nomeado. O meu primeiro dia de trabalho significou a minha independência financeira, estava rico. Assim, me senti mesmo rico e nem precisava de tanto. Minha mãe ficou mais aliviada. Continuei os meus estudos, trabalhava à noite inteira e, de manhã, estava firme na Escola de Medicina. Terminei o curso em 1927. Eu estava, portanto com 25 anos de idade.
7. Simples, não? Quando volto o meu olhar para esse tempo, vejo que fui bem sucedido e que estava no caminho certo, dentro do meu objetivo. Agora, trabalhar em benefício das pessoas carentes com assistência médica. Trabalhei em consultório particular e depois, por concurso, entrei para Polícia Militar do estado de Minas Gerais, como médico urologista. Participei da Guerra Civil Brasileira de 1932 e fui promovido a Capitão Médico.
8 A minha vida pública teve início com o convite que recebi do governador Benedito Valadares para o cargo de chefe de gabinete e logo, em seguida, fui nomeado prefeito da cidade de Belo Horizonte. Os prefeitos eram nomeados no tempo da ditadura Vargas. Não havia eleições. Belo Horizonte caiu nos meus braços. Não tive tempo nem de pensar, porque havia muitas coisas a fazer. Era o meu primeiro desafio.
9. Imaginem uma cidade idealizada e inaugurada em 1897, inacabada, mas caprichosamente bem traçada, com um plano diretor a ser seguido. Já imaginaram Belo Horizonte sem a Avenida Amazonas e sem a Avenida Antônio Carlos? Tudo por fazer. Uma cidade de 40 anos, construída pelo estado. Construída em quatro anos, apenas e inaugurada no dia 12 de dezembro de 1897. Não é feriado municipal comemorativo. Todas as cidades comemoram seu dia. BH, não! Há razões várias, nenhuma verdadeira. Mas, como ia dizendo, essas avenidas radiais deveriam ter 50m de largura. O atual bairro da Barroca era realmente uma barroca, um pântano. A Avenida Amazonas tinha que passar por cima. Grande movimentação de terra ou de barro. Não havia tratores, claro! Como abrir grandes avenidas de mais de seis quilômetros de extensão cada uma? Toda a terra era trasladada em carroças. A prefeitura monopolizou mais de um mil burros. Era a movimentação intensa de carroças, de poeira, de gritos e de problemas. Uma vitória. Com essas atividades, com essa movimentação de terra, me apelidaram de “prefeito furacão.” Sempre gostei desse apelido, que me acompanhou ao longo da minha vida. Não parece verdade? Sempre fui prefeito furacão. Não quero ficar fazendo relatório desse tal de “prefeito furacão. Mas não posso deixar de falar na represa da Pampulha. Depois desse lago artificial pela barragem construída, a urbanização. Em seguida um plano arrojado. Arrojado demais para a época.
9. O conjunto arquitetônico da Pampulha! Convidei a equipe do jovem e brilhante arquiteto Oscar Niemeyer para um projeto grandioso. Assim, surgiu o Cassino da Pampulha, com a efervescência do jogo, dos shows, do dinheiro rolando fácil. E o Iate Golfe Clube, a Casa do Baile e a igrejinha de São Francisco de Assis. Todo esse conjunto arquitetônico, edificado em linhas de vanguarda modernista, foi inaugurado por mim e pelo governador do estado Benedito Valadares, na década de quarenta. Os que viram na época, não acreditavam. E a lagoa da Pampulha com 18 quilômetros de perímetro! Foi a minha primeira loucura. Vivo de sonhos! Vivo de obras grandiosas. Não nasci para obras pequenas. Meu mal? Muitos pensam que sim, e ficam com o microscópio e os termômetros dependurados no pescoço, vendo o tempo passar. Nada melhor do que vislumbrar sempre, em sonhos, em planejamento e em ação, um belo e grandioso horizonte. Horizonte, minha grande meta.
Grandes obras, grandes voos! Foi um assombro para o nosso estado e para a nossa Belo Horizonte da época e elevou a autoestima dos mineiros. Era o início das minhas grandes realizações. Este conjunto arquitetônico representava ousadia, beleza e grandiosidade pela arquitetura de plena vanguarda modernista. Sempre me orgulho de ter vivido esses momentos de grandes realizações em Belo Horizonte.   
10. Uma polêmica: O bispo, Dom Cabral condenou a igrejinha de São Francisco. Tão simples, tão moderna, tão bonita! “Nada de rezas nessa caixa do Juscelino.” Foi condenada e, por quase vinte anos foram proibidas ações religiosas e permaneceu firme em pleno ostracismo. Somente em 1959, quando eu era presidente da República, consegui a sua liberação, seu “habeas-corpus”, em negociações com Dom João de Rezende Costa.
11.Ainda a igrejinha de São Francisco, que é protetor também dos animais. O painel do grande pintor Portinari, localizado na parte interior frontal, entre as figuras místicas representadas, havia um cachorro ao lado, que, atento, observava os acontecimentos. Esse cachorro foi um dos pontos de referência para a condenação. A Cúria Metropolitana venceu e a pena foi impiedosa. Entretanto, não posso me esquecer desse fato. Depois da liberação da igrejinha para atos religiosos, promovi uma missa solene de inauguração, com autoridades civis, militares e religiosas. Um solene acontecimento. Eis senão quando, no momento mais efusivo da celebração, entra pelo hall central, um velho cão, bem vira-lata, sem jamais saber o que seja “pedigree”, e avança tranquilamente, triunfantemente, até o altar e ali permanece sem se importar com nada. Ficou bem perto de mim alguns momentos e as minhas lágrimas desceram sorrateiramente. Depois, saiu porque não tinha mais nada a fazer senão demonstrar que era também devoto de São Francisco.
12. Depois disso, fui eleito deputado federal em 1947, pelo PSD – Partido Social Democrático, já me preparando para as eleições de governador do estado, quando fui eleito Governador em 3 de outubro de 1950.
13. Sabe quem foi meu adversário nessas eleições? Meu concunhado Gabriel Passos, pela UDN – União Democrática Nacional. O estado, nessa época, tinha 300 municípios e eu fiz 168 comícios com a meta Energia e Transporte. A população brasileira era de 52 milhões de habitantes, sem estradas, sem comunicações, sem energia elétrica.
14. O estado de Minas Gerais tinha 1.330 milhões de eleitores e o país, 8.254 milhões de eleitores. Eu fui eleito com 53% dos votos. A minha posse no governo do estado ocorreu no dia 31 de janeiro de 1951.
15, Imediatamente o trabalho. Mas, antes, era preciso mudar a postura e os métodos. Nada de ficar despachando com chefes políticos em gabinetes fechados. Mudança de comportamento e de atitudes para recuperar o atraso e a sonolência que dominavam o estado por tantos anos, desde a fuga das minerações e do ouro. Abri estradas. Eram 16 estradas-troncos para cortar diametralmente o estado. Belo Horizonte a Salto da Divisa, com 902 quilômetros! Criei a CEMIG – CENTRAIS ELÉTRICAS DE MINAS GERAIS – hoje, Companhia Energética de Minas Gerais, empresa modelo. Construí barragens de FURNAS e de TRÊS MARIAS, produzindo energia elétrica. Articulei para a implantação da Companhia Siderúrgica Mannesmann, inaugurada em 1954.
16. Uma vez, quando eu era governador, meu Secretário da Agricultura me confidenciou a compra de 40.000 enxadas. Respondi-lhe imediatamente que esperava a aquisição de 40 mil tratores. Não tenho vocação para obras pequenas. Nunca tive. Estou saudosista, Me desculpem!
17. Nunca me esqueci da minha Diamantina. Era o meu lado esquerdo do coração, do sentimento mais puro e profundo. Serestas, serenatas!!! Festejava com serenatas, lembrando sempre do meu pai, João César de Oliveira. Tive os irmãos que nunca tive. César Prates, Dilermando Reis, Ataulfo Alves, Sílvio Caldas e tantos outros. Sempre foram meus irmãos, companheiros, fieis e solidários. Meu coração se abria de canto a canto. Guardo-os a sete chaves, dentro do coração.

18. (Musical. Jk relembra suas músicas – O coral entra em cena, cantando. Elvira, escuta!
LETRA DE ELVIRA, ESCUTA – José Marcelo de Andrade/Luis Cláudio
Elvira, escuta os meus gemidos/ que aos teus ouvidos irão chegar/ Não sejas traidora/ tem dó de mim/ tem dó dest´alma, que te sabe amar.
Se tu me amas/ como eu te amo/ eu te prometo/ não te desprezar/ não sejas traidora/ tem dó de mim/ tem dó dest´alma que te sabe amar/
Teu coração é um rochedo/ e este rochedo/ é o meu penar/ não sejas traidora, tem dó de mim, tem dó dest´alma que te sabe amar.
Sobe a escada bem devagar/ Elvira dorme/ pode acordar/ não sejas traidora, tem dó de mim/ tem dó dest´alma/ que te sabe amar.
Ainda como depois de morta/ a tua face irei beijar/ não sejas traidora/ tem dó de mim/ tem dó dest´alma/ que te sabe amar. 

Em seguida, o coral canta a canção folclórica: PEIXE VIVO, com movimentação e alegria.
Zum, zum, zum – lá no meio do mar – bis / é o vento que nos atrasa/ é o mar que nos atrapalha/ para no porto chegar/
 Zum, zum, zum lá no meio do mar /bis / como pode o peixe vivo viver fora d´água fria –bis/
Como poderei viver/ como poderei viver/ sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia/ bis.
Os pastores desta aldeia/ já me fazem zombaria/ bis/ Por viver assim chorando/bis - sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia O rio de São Francisco/ corre de noite e de dia/ bis Só o tempo é que não corre/bis - sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia/ Zum, zum, zum lá no meio do mar/ bis.

Logo após, entra uma grande valsa vienense, orquestrada, em off. JK dança com cada uma das personagens do coral, com elegância e distinção.
Em seguida, o coral canta para encerramento:
Oh! Minas Gerais!  Quem te conhece não esquece jamais!/ Oh! Minas Gerais...
– adaptação musical da canção italiana: Vieni sul mar

19. Não posso deixar passar uma valsa. Sempre gostei de dançar e não perdia tempo. Depois, algumas pessoas passaram a pensar que a minha obsessão pelas dançarinas era uma questão patológica. Rio demais desse diagnóstico. Realmente, aproveitava todas as oportunidades e procurava agradar sempre às mulheres. Sarah não era assim tão ciumenta. Agora vou fazer uma revelação, uma confissão: não era essa a minha obsessão. E eu tinha obsessão era mesmo pela realização de obras grandiosas. E tudo pelo trabalho e pela minha família. Tudo o mais eram lendas. E por que não gostar de dançar com as belas mulheres brasileiras?
20. E agora, a meta pela presidência da República! Não foi fácil a aprovação do meu nome como candidato pelo PSD, Partido Social Democrático, mas finalmente, o meu nome foi aprovado em 1955. O país vivia um clima de tensão. Tensão política envolvendo o presidente Getúlio Vargas e o jornalista Carlos Lacerda, brilhante orador. O presidente estava numa roda sem saída. Eu, pessoalmente, e mesmo o governo de Minas nunca tivemos problemas com o presidente Getúlio Vargas, embora ele fosse de outro partido. Relações de amizade, de consideração e de respeito.
21.Tive sempre pelo presidente Getúlio Vargas a maior consideração e respeito. Assim, mesmo nesse período de turbulência política, o estado de Minas Gerais teve a honra de recebê-lo no dia 12 de agosto de 1954, por ocasião da inauguração da Companhia Siderúrgica Mannesmann. Esta inauguração foi a sua última aparição em público.
22. Não posso me esquecer desse dia. Ficaram marcados pelas contingências que posso explicar. Após a inauguração, ofereci-lhe um almoço nos jardins do Palácio da Liberdade, ao som de melodias bem suaves. O presidente se mostrava triste, arredio, sempre procurando o isolamento. À tarde, fomos para o Palácio das Mangabeiras, no alto da serra do Curral, local acolhedor e de pleno silêncio. Visão ampla e descortinada da cidade de Belo Horizonte, ao longe. Era um local adequado ao repouso e à meditação. O jantar foi servido para 30 pessoas, em caráter íntimo, apenas alguns sindicalistas, diretores da Mannesmann e alguns deputados. Houve, após, uma pequena serenata com César Prates e Dilermando Reis, terminando por volta da meia-noite. Deixei-o a sós e desci a serra do Curral, recomendando ao mordomo que não se afastasse dele um só instante. Ele, o presidente, mais tarde, desceu até à biblioteca, pegou um livro de Eça de Queirós. No dia seguinte, notei que ele estava muito abatido. Levei-o ao aeroporto. Na despedida, abraçou-me de forma inusitada. Pude sentir, pela firmeza de seus gestos que era um abraço fraternal. Ele queria falar alguma coisa e não conseguiu. Com esse abraço, entretanto, percebi que ele manifestava um forte impulso de agradecimento e de amizade. Tentou outra vez dizer alguma palavra, mas não conseguiu. Não precisava de palavras. Ele talvez quisesse agradecer aqueles momentos de paz e de solidariedade. Eu, de minha parte, comovi-me intensamente, porque sabia do clima de hostilidade generalizada que fermentava no Rio de Janeiro, capital do país, naquela época. A imprensa e os militares! Amigos?  Quais? Sei, com certeza que, nesse momento de despedida de Belo Horizonte, ele tinha podido sentir que eu estava do seu lado, mesmo sem dizer uma só palavra.
23. Getúlio Vargas despediu-se de mim na manhã do dia 13 de agosto de 1954 e suicidou-se no dia 24.
24. Foi um ato de plena decisão. Premeditado, arquitetado por vários dias. Foi um golpe final e fatal que terminou imediatamente com a farra da UDN e dos militares.
25. A UDN – União Democrática Nacional – tinha investido todas as suas forças contra Getúlio Vargas, sempre na tentativa de sua deposição, de seu afastamento ou de sua renúncia sem retorno programado. E ele respondia: “Só saio daqui morto! Estou muito velho para ser desmoralizado e já não tenho razões para temer a morte!”
26. Getúlio Vargas resistiu o quanto pôde para evitar a sua deposição. Finalmente, nesse dia 24 de agosto de 1954, às 8h30, deu um tiro no próprio coração. E o povo brasileiro chorou e foi para as ruas, com a sua carta de despedida. Foi isso que aconteceu. Os opositores ficaram em pânico, atônitos com o povo nas ruas
27. Às 11h30 parti para o Rio de Janeiro, completamente aturdido pelos acontecimentos, pela amizade e pelo respeito que tinha pelo presidente. Estava comovido e chocado. Minha esposa, Sarah e eu acompanhamos o velório, procurando dar conforto aos familiares. Ainda mais, eu fui o único governador de estado que compareceu ao velório do presidente Vargas.
28. Depois desses acontecimentos, eu poderia pensar nas eleições para presidente, no ano seguinte? As eleições seriam realizadas no dia 3 de outubro de 1955. O ambiente político ficou conturbado. Era prudente aguardar. Esperar o momento certo. Finalmente tive a ventura de ver o PSD, meu partido, em forte aliança com o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro – partido do presidente Vargas. Tive João Goulart como companheiro de chapa. Enfrentamos a candidatura à presidência da República.  Nas eleições, obtivemos 36% de votos. Eram quatro candidatos e não obtivemos a maioria absoluta, uma nova arma secreta da UDN e dos militares, contra a minha posse.  
29. Reviravolta de 360 graus. O Marechal Henrique Teixeira Lott, em 11 de novembro de 1955 restabeleceu a ordem política, assegurando a minha posse no dia 31 de janeiro de 1956. A faixa presidencial me foi passada pelo senador, digo, presidente, Nereu Ramos.
30. Assumi a presidência com um plano de metas e uma meta síntese, a construção de Brasília, um sonho impossível.
31. Não preciso fazer relatório sobre minha ação na presidência da República, mas digo, com orgulho, tive a honra de desbravar o interior desse gigante adormecido. Tirar o país da síndrome do caranguejo, deslumbrado pelo litoral Atlântico.  A estrada Belém-Brasília foi um marco nacional. E digo mais, a transferência da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960 foi um marco histórico irreversível. Brasília, um sonho tão sonhado por tantos e concretizado por mim. Brasília foi construída no planalto central em três anos e oito meses. Inacreditável até para os meus companheiros. Meus adversários aprovaram a construção de Brasília porque tinham a certeza de que ela seria um retumbante fracasso político. Sei que paguei caro por essa ousadia, e tantos e tantos não me perdoaram. Falei antes sobre perdoar. Isso ainda retumba na minha cabeça e rompe a minha consciência. Fico aturdido com a meta do perdão que sempre usei e abusei. Agora, que fazer?
32. Brasília, uma miragem! Uma paixão desenfreada! André Malraux, ministro da Cultura da França, quando avistou esse monumento não deixou de exclamar? “Esta é a capital da esperança!”
33. Após o término do meu mandato, passei a faixa presidencial ao meu sucessor, presidente Jânio Quadros. Democraticamente eleito. E o meu amigo, menestrel Juca Chaves, me fez uma homenagem comovente na sua canção, Presidente bossa nova: “Bossa nova é mesmo ser presidente/ desta terra descoberta por Cabral/ para tanto, basta ser tão simplesmente,/ simpático, risonho, original! ...”    
(Entra um cantor com o violão e canta a canção do Juca Chaves. JK procura fazer dueto. Cumprimentos e agradecimentos)

34. Tive a honra de ser eleito ainda Senador pelo estado de Goiás que representei com brilhantismo até o dia da cassação dos meus direitos políticos.
35. Depois de tudo isso, acontecimentos terríveis! Em 31 de março de 1964, os militares depuseram o presidente João Goulart e assumiram o poder do país.
36. Pronunciei um discurso no Senado afirmando a minha revolta. Foi o bastante. Foi o suficiente! No dia 8 de junho de 1964 foi decretada a cassação dos meus direitos políticos por dez anos, juntamente com nove deputados e 39 outros cidadãos.
37. Esse decreto teve apenas duas assinaturas: do então presidente, Marechal Castelo Branco e do Ministro da Justiça, Milton Soares Campos.
38. Todo mundo pensava que eu era um homem rico. Na verdade, fiquei praticamente indigente, sem receitas. Sem aposentadoria, sem emprego. Desesperado, sem amigos, fui para o exílio, com a ajuda financeira de amigos. Podia isso acontecer? Um político pobre, vivendo a custa de amigos? Estava na França e se voltasse, seria preso.
39. Vivi na França alguns anos. Anos de tristeza, de abatimento, de solidão. Vivi com grandes dificuldades financeiras, tanto tempo quanto pude. Não podia retornar. Neste período de exilado, faleceu a minha irmã, Naná. Minha única e amada irmã. Que fazer? Obtiveram para mim a permissão de acompanhar o velório e retornei, com todas as precauções. No aeroporto, um oficial militar me confidenciou que eu iria ser preso. Ele era grato a mim por um processo que eu tinha liberado a seu favor. Ele foi ao aeroporto somente para me proteger. Eu poderia acompanhar o velório, mas não poderia dirigir nenhuma palavra a meu povo. Foi cruel. Cheguei ao velório da minha irmã, Maria da Conceição, Naná.

40       Em Belo Horizonte, por onde passava, o povo me aplaudia e gritava meu nome. Eu não podia ouvir nem ver essas manifestações. Segui calado e triste. Nem cumprimentar o meu povo. Sempre estive de cabeça baixa. Finalmente, cheguei a frente ao corpo da minha irmã. Chorei copiosamente. Queria interromper meus soluços e não conseguia. Depois, percebendo que nada estancava meu pranto, passei a chorar sem repressão. Tinha que desabafar tanta dor incontida. Nem sei como derramei tantas lágrimas. Não me continha. Decidi deixar extravasar todos os meus ressentimentos. Ela compreenderia isso. Do lado de fora, aplausos. Que fazer? Foi uma cena patética. Nem gosto de me lembrar. O povo aplaudindo e eu chorando copiosamente. Tudo isso me fazia mais convulsivo. Era o dia 4 de junho de 1966.    
41. Indiquei Israel Pinheiro para governador do estado de Minas Gerais, nas vésperas da eleição, contrariando a expectativa dos políticos militares. Ele venceu e pôde se sentar na mesma cadeira onde seu pai, João Pinheiro assentou, em 1906 e morreu, em 1908, como governador do estado.         
42. E continuaram as perseguições à minha pessoa de todas as formas.   Tinha decidido voltar para o Brasil, disposto a enfrentar qualquer situação. Fui convocado a depor em várias oportunidades e recebia ameaças diariamente, até que surgiu a notícia da minha morte, anunciada por um jornal irresponsável. Ainda não era verdade. Mesmo assim, nunca me tocaram fisicamente.
43. Queriam, agora o sei, a minha morte, sem ressurreição. Sei, agora, que sempre fui um fantasma aterrador para eles. Sei, agora, que sempre me temeram, que temeram a minha sombra que passava por eles como qualquer fresta de luz. Temiam. Eu era o inimigo e eles vivem durante toda a vida profissional à procura do inimigo. E eu estava onde? Na memória do povo e nas minhas obras. Em tudo que tocavam a minha imagem fantasmagórica estava preservada. Eu tinha retornado definitivamente ao meu país e iria viver aqui, do jeito que pudesse. “Agora, só saio morto!”
44. Fui convidado para uma serenata em Diamantina e encontrei poucos amigos. “Parece que tenho uma doença contagiosa”. Mesmo assim, eu passava por cima dessas humilhações.
45. Sei que se me fosse permitido, eu seria eleito presidente, novamente. Minha meta principal: “Cinco anos de agricultura para cinquenta de fartura.”     
46. O boato da minha morte foi apenas um aviso. Na ocasião, eu me diverti muito com jornalistas e amigos na minha fazenda em Luziânia. Era a morte anunciada.
47. Candidatei-me a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Uma grande frustração. Fui vendido pelo presidente da casa, Austregésilo de Athayde, por um saco de cimento. Perdi a eleição, mas compareci à posse do meu concorrente para cumprimentá-lo.
48. Logo após, Vivaldi Moreira, presidente da Academia Mineira de Letras, inscreveu meu nome como candidato a uma vaga. Fui eleito por unanimidade. Tomei posse no dia 3 de maio de 1975. Das oportunidades, a mais honesta e mais significativa para mim.
49. Como é natural, a morte encerra todas as histórias. Numa tarde de domingo, dia 22 de agosto de 1976, vindo de carro de São Paulo, com o meu motorista e amigo, Geraldo Ribeiro, fui vítima de um acidente, provocado por uma “fechada” de um ônibus da Viação Cometa, no quilômetro 165 da via Dutra. Tal fato obrigou o motorista a desviar para a outra pista e colidiu com uma carreta que vinha em sentido contrário. Não tivemos salvação. Nada mais sei. Morte imediata. Faltavam 20 dias para eu completar 74 anos de idade. Meu corpo foi exposto numa mesa de bar da rodovia, sem nenhuma marca de perfuração por arma de fogo. Entretanto, o corpo de Geraldo Ribeiro foi imediatamente colocado num caixão de alumínio, trancado hermeticamente.
50. Fui transportado para o Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro e, em seguida, fui removido para o saguão do Edifício Manchete. Meu amigo Adolfo Bloch chorava convulsivamente. Sarah e as nossas filhas Márcia e Maristela chegaram ao amanhecer. Os meus amigos também começaram a chegar logo após. O povo, ousada e agressivamente, cantava a canção do “Peixe Vivo”. Ao meio-dia de 23 de agosto, o cortejo seguiu a pé até o aeroporto Santos-Dumont. O meu caixão estava coberto com a bandeira do Brasil. Fui transportado, como sempre, nos ombros do meu povo, num percurso que durou mais de uma hora. Ao chegar ao aeroporto, o povo aglomerado, me aplaudia emocionado. Brasília, meu destino! Às 16h chegava à minha nova morada. O povo, emudecido, viu abrirem-se as portas do avião. Silêncio total. Mais de 30 mil pessoas aguardavam a minha chegada. Meu novo itinerário: a Catedral. Uma “kombi”, coberta com a bandeira do Brasil, chegou-se ao avião, As portas se abriram e apareceu um funcionário da empresa. Fez o sinal-da-cruz. Fui transportado por uma Kombi! Tantos amigos corajosos ali presentes. Não posso citar nomes. Amigos ousados e corajosos. O povo aplaudia sem cessar. Sem cessar cantavam a canção do Peixe Vivo, desde a parte da manhã, quando começaram a se aglomerar no aeroporto, aguardando a minha chegada. Grupos informais se formavam, cantavam e choravam em movimentos de desespero. Corais emocionantes.
(O coral, em surdina, entoa a canção do Peixe Vivo. O ex-presidente aguarda um pouco e depois, continua.)
O cortejo seguiu com quatro mil automóveis em carreata. Fila interminável até a Catedral, distante 20 quilômetros. Quarenta jovens motociclistas, com blusões pretos, portavam faixas. O esquife entrou na Catedral, carregado pelo povo. A Catedral estava cheia de candangos. Eles construíram e agora, entraram. Por mais estranho que pareça, estavam felizes perto de mim. Havia centenas e centenas de coroas. Flores e flores chegavam. Depois, os candangos, que não tinham dinheiro para comprar flores, foram arrancando das coroas as flores mais bonitas e jogando-as sobre o meu caixão. Os cordões de isolamento eram enormes. Uma senhora disse para um militar:“Os senhores estão isolando o quê? Tem alguma coisa aqui para ser isolada? Nós viemos buscar o nosso presidente no maior respeito que ele merece! Já não chega esse isolamento de tantos anos? Vamos! Tirem essa corda que eu vou passar!” Os taxistas não cobravam as corridas e baixaram os taxímetros. Não cobravam de nenhum passageiro. A missa foi celebrada pelo Arcebispo dom José Newton, pelo Núncio apostólico, dom Cármine Rocco e mais 25 padres, tendo iniciado às 17h15. Quase não houve missa. Ela foi interrompida várias vezes por palmas, hinos, lamentações e choro. O celebrante acolhia essas manifestações, aguardava um momento para continuar a missa. Novamente, outra manifestação de desespero e dor profunda. Nada impedia manifestações. Nunca se viu uma interferência tão perturbadora numa missa como essa. Participação e integração nos atos religiosos. Do lado de fora, o povo se comprimia com os gritos de JK! JK! JK! Sarah, com voz trêmula, conseguiu pedir calma ao povo amigo. Todos se calaram, imediatamente. O povo atendeu por alguns instantes. O silêncio era cruel demais. Impossível suportá-lo. Logo depois, o desespero retornou em brados e lamentações. Um grupo de índios xavantes de Mato Grosso conseguiu chegar perto do meu caixão, colocado bem em baixo dos anjos de Ceschiatti. Uma oração na língua primitiva e pura ecoou na catedral. De mãos dadas, em coro, lançaram seus gritos tribais. Levantavam e desciam os braços, por várias vezes, com as mãos fechadas. Um candango, de alma pura, perguntou: “Ele vai ser enterrado?” Fazia sentido essa pergunta? Um ser sobrenatural? Eram seis horas da tarde quando o meu caixão foi retirado da Catedral. Seria colocado num carro vermelho do Corpo de Bombeiros, estacionado em frente. Aí, o povo, os candangos não permitiram e me carregariam nos ombros calejados, para onde quer que fosse. O caminho é longo. Vários quilômetros até o Campo da Esperança que me aguardava. Mas ninguém pensava nisso. Tinha o meu destino: “deitar-me para dormir em paz.” O percurso foi longo e sofrido. Era um cortejo fúnebre, mas apareciam corais improvisados que me saudavam a cada momento. Finalmente, já de madrugada do dia 24 de agosto, fui sepultado perto do meu amigo Bernardo Sayão e a alguns metros do Candango Desconhecido. O povo, com as mão vazias, retornavam às suas casas, para recuperar o grande esforço pela caminhada. Alma lavada! Foi isso. Foi assim. Assim me contaram por cartas. Nada mais penso, agora. Nenhuma emissora de televisão registrou esses acontecimentos, por falta de coragem ou por imposição política, dita legal e, se foram registrados, continuam mofando nos arquivos esquecidos. Finalmente, depois de alguns anos, por iniciativa de Sarah, com a participação de Sílvio Caldas e do presidente João Batista Figueiredo, foi edificado o Memorial JK, na minha cidade, em monumento projetado pelo mesmo arquiteto, Oscar Niemeyer. Simplesmente, faço parte da história. Sou grato ao meu povo que me compreendeu e me incentivou. Sei que as gerações futuras hão de prosseguir estudos e pesquisas para elucidar fatos que passaram encobertos.

(Grandes e continuadas reverências de agradecimento)
(No final, Hino Nacional em surdina, com o texto com locutor em off):                          
 “DESTE PLANALTO CENTRAL/ DESTA SOLIDÃO QUE EM BREVE SE TRANSFORMARÁ/ NO CÉREBRO DAS ALTAS DECISÕES NACIONAIS,/ LANÇO OS OLHOS,/ MAIS UMA VEZ,/ SOBRE O AMANHÃ DO MEU PAÍS/ E ANTEVEJO ESTA ALVORADA/ COM FÉ INQUEBRANTÁVEL E UMA CONFIANÇA SEM LIMITES/ NO SEU GRANDE DESTINO.
(O coral se apresenta com entusiasmo, cantando a canção Peixe Vivo, incentivando a participação da platéia.)

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

ENGENHEIRO ANTÔNIO PIMENTA

Esse seu último gesto retrata e dignifica ainda mais
a sua vida e a sua memória.


O engenheiro Antonio Pimenta constituiu sua empresa em Belo Horizonte, logo depois de graduado e depois de estágio com pequena experiência profissional. Não se previa o seu sucesso tão imediato, pois era uma pessoa simples e, pelo seu porte e por suas atitudes, nunca demonstrava ambição. Seu amigo e colega de faculdade, Alberto Morethzon, era sócio e amigo de todas as horas, em alta confiabilidade.
Numa ocasião, no desenrolar das atividades empresariais, decidiram participar de uma concorrência de uma obra no estado de Goiás. Contrataram um avião para uma viagem de verificação “in locum” da área para o projeto em licitação. Para tanto, uma equipe estava formada, sob o comando do próprio diretor, doutor Antonio Pimenta, mais um engenheiro responsável pelo projeto, o sócio, engenheiro Morethzon, e um fotógrafo.
O avião bimotor decolou da Pampulha no horário da manhã. No momento do embarque, todos estavam aparentemente tranquilos, mas havia risos inseguros, muita conversa fora de tom ou fora de hora, Medo? Nada disso. Ansiedade, angústia, fobia. Muito medo e pouca coragem de confessar. Pássaro perdido no espaço, sem rumo, sem rota. Apenas um destino. Céu aberto. Depois, o silêncio. Apenas o ronco dos motores e a paisagem que passava voando pelo avião, que mais parecia parado no ar. Um jornal, uma revistinha pra dar sono. Parecia que os quatro passageiros preferiam mesmo dormir que contemplar a paisagem distante. Uma hora de viagem. Duas horas. Monotonia. Sono perdido.
Manhã clara de sol. Mas, de repente, o tempo foi mudando. Nuvens foram chegando diferentes, mudando de tom. Como seria isso possível? Estava tudo tão bem. Um vento forte bateu no aparelho e ele perdeu altura violentamente. Tudo rápido. Não era um sonho. Era realidade. Um pesadelo? Tudo ficou escuro de um momento para o outro. Sem muita conversa, sem cortesias, sem cerimônia, o avião dançou, requebrou, estremeceu e “despinguelou” de vez. Onde foi parar? O piloto conseguiu realizar as manobras de algibeira, dominou o aparelho. Cair em cima de árvores? Na mata? Seria morte para todos. Podia não morrer na queda, mas depois não haveria salvação. Tirou um par ou impar e, num relance, decidiu aceitar a descida num vasto rio barrento, que apareceu à sua frente. Mais de duzentos metros de largura. Nenhuma ilha. Nenhuma praia como nos velhos filmes dos sonhos perdidos na memória. Qual a melhor alternativa, piloto? Sem consultar quadros e tabelas, eis a solução imediata.

O avião acocorou-se próximo à margem esquerda do rio, nadando como se fosse um peru. Dez metros? Talvez vinte? Meio sonho, meia realidade, meio pesadelo. Ninguém podia dizer. Tudo rápido, rápido demais. Quando assustaram, estavam todos em cima das asas do avião. E o avião flutuando e acompanhando a mansa correnteza do rio. Todos se salvaram. Felicidade demais. E o piloto justificou que aquela seria mesmo a melhor alternativa. Mas o avião, agora uma canoa, descia lentamente. Providências, já! Nem tudo era perfeito. Alcançar a terra firme, agora ou nunca. Cada um nadando de uma vez. Quem seria o primeiro? Será o diretor da empresa, Não. O diretor faz a escala. Primeiro, o Morethzon. Ele pulou na água barrenta e, num átimo, estava a salvo, com um grito de campeão de natação do Minas Tênis Clube. Agora, o engenheiro do projeto. Mais um sucesso. Agora, o fotógrafo. Mais um sucesso. E os três, salvos, na margem do rio, dançam em ciranda desesperada, enlameados e despidos. Agora, o piloto. Ele reagiu. O comandante será o último a deixar a embarcação. Nada disso. Quem decide é o diretor da empresa. Nada de discussão, nessa hora. O piloto resiste. O diretor decide com a autoridade que lhe pertence. O piloto salta e chega à margem e todos comemoram mais esse feito heróico. Nova ciranda de comemoração. Resta um. Resta o diretor da empresa, o engenheiro Antônio Pimenta. Agora, você. Vem logo. Salta! Salta! E o diretor contemplava o grupo salvo nas margens do rio como se estivesse contemplando o infinito. Salta! Gritos enlouquecidos. Não pode ficar esperando! A canoa está acabando de afundar! Salta logo! Você não pode ficar fazendo loucuras! Brincando com a gente? Logo, logo! Gritavam em coro. E as vozes se perdiam na imensidão do rio, silencioso e traiçoeiro. Faminto. O diretor da empresa não pode ficar brincando com os amigos! Salta logo! E o diretor da empresa, engenheiro Antônio Pimenta, impassível, olhando o infinito, via os amigos reunidos em plena alegria. Despedia-se dos amigos, dos parentes, dos entes queridos em orações finais, e, em voz abafada pelo barulho das águas, emitiu um ultimato: Não posso! Não sei nadar! Na margem, enlouquecidos os companheiros se olharam e não podiam acreditar no que ouviam. Era a realidade. Que fazer?  Corriam de um lado para outro, gesticulando, gritando, chorando. Nem se lembravam de que estavam de cueca, sujos e enlameados. Antes que houvesse um consenso e uma decisão, o colega Morethzon já tinha saltado no rio, em busca do amigo. Deu-lhe a mão e tentou desesperadamente alcançar a margem do rio. Não foi possível e foram tragados para o fundo do rio. Não foi possível, Morethzon!                   
Luta inglória. Campeão de piscina, seus recordes, suas medalhas, seus troféus. Piscina é água parada, domada. O rio é um cavalo solto no campo, irreverente e indomável. Surdo aos apelos, violento e irredutível nas suas decisões. 

O rio Araguaia não iria perder a oportunidade de guardar em suas profundezas vidas selecionadas para o seu acervo de glórias. O diretor, o engenheiro Antonio Pimenta reservou para si o último lugar da fila.


quinta-feira, 31 de outubro de 2013

VANDALISMO E TERRORISMO – SEMIÓTICA VIII

São ações que falam por si – e falam alto – utilizando formas agressivas de expressão.

Vandalismo e terrorismo são formas de expressão e estão enfileiradas no poderio da comunicação, no domínio da Semiótica. Por que não acolhê-las e incluí-las no rol de suas formas e maneiras violentas de expressão?
Os vândalos andam livremente soltos pela sociedade afora. Identificá-los todos? Seria jogar combustível no fogo.
Por outro lado, esses vagabundos que não trabalham, não produzem e nem querem se educar estão também livres pela sociedade afora. Há de se questionar as fontes do vandalismo implícito. Cada povo analisa as pressões inculcadas na sociedade e procura se manifestar. O povo quer ir ao paraíso e procura saber de tudo. Os tempos mudaram, os tempos são outros. Esse povo, hoje, pela mídia, fica por dentro de tudo que se passa, mesmo nas altas esferas. E reage. Cada pessoa tem o poder de julgar e até mesmo de condenar, ações das próprias autoridades constituídas. “Não julgueis para não serdes julgados!” – Expressão perdida no tempo e no espaço pela sua inconsistência psicológica diante do poder do ser humano. Julgam-se, hora a hora, qualquer pessoa pelo seu modo de andar, pelo penteado, pelas suas expressões faciais, pelo olhar, pelo sorriso, pelos gestos das mãos e, principalmente, pelas ações, num átimo. Surgem aplausos, surgem reações nos protestos.
Essas expressões violentas de protesto são criminosas, sob o ponto de vista do Estado, guardião dos interesses do povo.
Cuidado com o erro de diagnóstico na interpretação dessas ações porque elas são de revide. As reações em cascata podem ser mais violentas ainda, em pleno vandalismo explícito e consciente.
Ah! Vandalismo explícito? Ele não tem pudor por não esconder a sua cara. Torna-se, também, elemento provocador, como adversário em times opostos, jogando o mesmo jogo. De um lado, pedras, pau, estilingue, martelo, quebra-quebra, bolas de gude e a turba insana. Do outro, cassetetes, tiros com balas de borracha, de efeito moral e mesmo, tiros reais e mortíferos. Contendores em desigualdade de condições. Sim! Mas qual é o elemento provocador? O Estado ausente, a corrupção, a desonestidade, a disparidade de salários de máximo e mínimo, a dura legislação em cima do povo, os impostos, as multas. Ah! As multas! Nem Jesus Cristo aguentou e reagiu.
Essas interpretações e esse julgamento ficam arquivados e se escondem no inconsciente de cada um, para brotar, repentinamente, em situações e lugares impensáveis, nas mais diversas formas de expressão.
Essa memória reservada não tem forma definida, daí, a imprevisibilidade da sua manifestação. São forças acumuladas que podem despencar como cachoeiras indomáveis. E cachoeira que não faz barulho não é notada. Daí, a violência como forma de expressão imediata. Transgredir é a meta. Derrubar, arrastar, quebrar, destruir. Transferência objetal! Eis o nome: transferência objetal. O time perdeu, quebra-se o rádio, quebra-se o televisor. Destruir uma coisa por outra, para pagar o pato. Surge a violência teatral, o verdadeiro vandalismo. Abaixo a tirania, para isso deve-se incendiar um carro qualquer. Resolveu o problema da ausência do Estado ou apenas teve uma satisfação íntima do dever cumprido na manifestação do seu sentimento? Encontrou o seu verdadeiro inimigo? Conseguiu derrubá-lo? O vândalo e o terrorista são permanentemente frustrados em suas metas, por não atingir diretamente os seus inimigos, pois são  inatingíveis. Continuam procurando, na sua luta de cobrança. Assim, são.
E cada um desses vândalos ou desses terroristas pensa de forma diversa e se expressa, não com palavras, mas com ações de violência, porque é o recurso que dispõe. Entretanto, existem outras tantas maneiras de protestar e de se comunicar.     

sábado, 12 de outubro de 2013

O MAGO - COMENTÁRIO SOBRE O LIVRO

DE FERNANDO MORAIS E DE PAULO COELHO

 

Paulo Coelho tornou-se o autor vivo mais traduzido do planeta, pondo a salvo a literatura brasileira, cujos autores não vão além das quatro linhas, apesar dos ministérios, das medalhas, dos fardões e dos chás das cinco. Muita ornamentação, muita esnobação, pouca produção, nenhuma repercussão.

 

O MAGO – MORAIS, Fernando. Editora Planeta do Brasil: São Paulo, 2008 – Além de editado no Brasil, está sendo publicado em 30 países. São 630 páginas, 30 capítulos, 101 entrevistas, com guia onomástico de 846 referências pessoais. 
Não é a primeira vez que Fernando Morais enfrenta uma pedreira dessa natureza. Esse livro foi iniciado em fevereiro de 2005 e concluído em fevereiro de 2008.

Não é, pois, a primeira vez que Fernando Morais, membro da Academia Marianense de Letras (MG), ocupando a cadeira número 13, antes ocupada por Tancredo Neves, enfrenta uma barreira dessa magnitude, tendo pela frente a figura controvertida do escritor Paulo Coelho. Controvertida mas que, nas duas últimas décadas, tornou-se fenômeno literário da humanidade. Paulo Coelho, místico, misterioso, fabulista, persignado, cheio de mandalas e crenças, rodando pelo mundo afora, ergue sua aura aos deuses e pede proteção. Agora, Paulo Coelho, autor de 22 livros, com vendagem mundial de mais de cem milhões de cópias, com 455 traduções publicadas em 66 idiomas e 160 países, excluídas as edições piratas. Paulo Coelho, o autor vivo mais traduzido do planeta.

Fernando Morais vem contribuindo decisivamente para fundar a biografia como modelo literário no Brasil, tendo já obras traduzidas em 19 países. Esta é a sua oitava investida no campo dos grandes desafios.

Desta vez, Paulo Coelho foi dissecado nos mais recônditos esconderijos de seu íntimo, sem dó nem piedade. Assim, pode-se dizer que um dos grandes méritos da obra seria a honestidade intelectual demonstrada com o biografado. Não escondeu, não inventou eufemismos, não mistificou e não crucificou. Nem o biografado nem o leitor.  Quando se disseca uma biografia, a primeira impressão que ressalta é a de que o biografado vai ser enaltecido até as raias das inverdades. Principalmente quando ele ainda vive. Neste caso, não. Apresentou um trabalho de fôlego, árduo, longo, pesado e de grande responsabilidade, principalmente porque o biografado está vivo e depois de publicada a biografia, pode estar cara a cara com ele.

É, antes de tudo, à primeira vista, um trabalho braçal – apesar de intelectual. O bastidor tinha que trabalhar como uma oficina industrial, com equipe montada para estabelecer contatos, selecionar textos e fotografias, discutir os rumos da obra, contestar, digitar, contabilizar despesas, disponibilizar recursos para viagens e entrevistas, bem como outros procedimentos assemelhados. Para tanto, relacionou em primeiro lugar o seu amigo Wagner Homem, craque da informática. Depois, seus dois irmãos, Ricardo Setti e o outro,  Reinaldo Morais, em disponibilidade de tempo integral.

Resta uma pergunta que fica no ar, mas que vale a pena emitir: Quem é o fenômeno nesta obra? Paulo Coelho ou Fernando Morais? O autor sempre aproveita um pouco da fama ou do prestígio do biografado, contaminando-se em suas glórias e vitorias. Juntos, de agora em diante, estarão constituídos numa dupla Coelho e Morais, enfrentando as falanges dos dragões. Não há barreiras para eles, alcançando horizontes cada vez mais largos. Paulo Coelho continua em ação, rodando o mundo, pesquisando, enveredando-se no misticismo e alardeando mistérios insondáveis. Fernando Morais continua com a oficina aberta, dando vazão a biografias de vultos memoriais e contribuindo para fixar o modelo de biografias como formato literário sempre ao paladar dos leitores.  (Agosto 2008)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

ONDE SE ESCONDEM OS ESCRITORES?

Goethe não se suicida em Werther. Guimarães Rosa não é Riobaldo, Castro Alves não é África, em Vozes da África. Machado de Assis não é Braz Cubas defunto.

Quem lê pode logo ficar pensando em identificar o lugar onde os escritores se escondem, onde eles se posicionam para conseguir relatar acontecimentos, reunindo palavras, formando um conteúdo, constituindo uma história, um romance, uma crônica, um conto, uma reportagem, relatório, um poema.
Pois bem! Os autores devem estar em algum lugar estratégico, vendo e ouvindo tudo para poder narrar os acontecimentos, dando-lhes vida e ação.
Em princípio, os autores escolhem posições confortáveis, para poder narrar com fidelidade e coerência. Estão mesmo escondidos, entrincheirados. Somente depois disso é que definem os formatos e escolhem os estilos narrativos.
Nada melhor do que surpreendê-los em pleno trabalho. Pode-se descobrir quatro esconderijos principais. Vamos surpreendê-los? Eles estão sempre disfarçados, mascarados e ficam na espreita com olho vivo. Alguns saem despreparados e podem ser descobertos e flechados. Assim, pode-se descobri-los em flagrantes nesses principais esconderijos:

1ª. Posição: o escritor está em cena num palco imaginário, relatando as suas próprias experiências e emoções, seus sentimentos, sua vida espontaneamente. É claro que é uma narrativa subjetiva, introspectivamente declarada e assumida integralmente. Tal é o caso de Gonçalves Dias, em Canção do exílio:
“Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá. As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas/ nossas várzeas tem mais flores/ nosso campo tem mais vida/ nossa vida mais amores. De cismar sozinho à noite/ mais prazer encontro eu lá/ minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá.”...
Verifica-se, pois, a predominância dos sentimentos do autor-narrador. Vive ele em constante relacionamento íntimo na exaltação dos seus sentimentos, das suas mágoas, das suas dores. São os poetas os grandes usuários deste modelo. Também os cronistas se apresentam em suas crônicas com as referências e vivências. Narrar é preciso. Delatar, denunciar, testemunhar. Dá a impressão de que as personagens escrevem mesmo com o próprio punho.
No romance e no conto também surgem autores escrevendo na 1ª. pessoa do singular. Recentemente, surgiu “O tigre branco” de Aravinda Adiga, indiano de Madras, vencedor do Man Booker  Prize 2008, publicado nesse formato. Contou uma grande história como se ele fosse a personagem principal. O autor-ator.Essa posição pressupõe que o autor estivesse num palco de um teatro, representando um texto de sua própria autoria.    

2ª. Posição: o autor entra em cena, participa da narrativa, tenta conversar com as suas personagens e até mesmo com o próprio leitor. Torna-se caso frequente em Machado de Assis e constante em W.Sommerset Maughan, como em “O fio da navalha”. Imagina-se, nesta segunda posição, que um autor estivesse no palco de um teatro, acompanhando o desenrolar do espetáculo e interferindo em algumas cenas, tentando melhorar ou explicar o texto.

3ª. Posição: o autor se coloca em cima do muro ou numa janela aberta, ou no buraco da fechadura de uma porta, visualizando todos os acontecimentos e narrando-os a seu modo, a seu gosto, a seu estilo. É sabedor do pensamento das suas personagens e faz delas o que bem entende. O autor dirige e narra. Não entra nas brigas, não recebe farpas ou saraivadas. É um criador, um deus, senhor de tudo. Faz chover e até pode matar sem piedade. Fica no seu posto de observador imparcial. Imparcial? Nem sempre. A maioria dos autores assume essa posição. É a mais confortável e, assim, torna-se dono da história. Assim, também, se coloca a maioria dos autores de romances e contos. Veja Jorge Amado, José de Alencar e Khaled Hosseine, em “A cidade do sol”. Os autores têm o poder de tudo ver e de tudo fazer acontecer. Assim, o autor se coloca numa plateia, assistindo ao espetáculo, dinamizado como ele estabeleceu ou determinou.

4ª. Posição: O autor faz de conta que é a personagem e narra como se fosse ele quem estivesse vivendo os acontecimentos. Usa uma técnica mais apurada, sofisticada, para narrar e produzir emoções que supostamente parecem ser do próprio autor.”Memórias póstumas de Braz Cubas” de Machado de Assis. Ou “Vozes da África” de Castro Alves, “Grande sertão e veredas” de Guimarães Rosa, “Werther” de Goethe. Machado de Assis não é Braz Cubas, um autor-defunto, nem Castro Alves é a África, mas se coloca na figura da África, (há dois mil anos te mandei meu grito!...), nem Guimarães Rosa é Riobaldo e nem Goethe suicidou-se em Werther. O autor coloca-se na pele da sua personagem. Assim, nesta posição, o autor está no alto da cabine de um teatro, administrando o espetáculo. Supostamente, seu texto está na 1ª.pessoa. Isto é verdade, mas por uma técnica especialmente em suposição. Envolve o leitor a acreditar que ele, autor, está sendo o ator principal.  

Não há outros esconderijos ou outras posições estratégicas, onde possam os escritores se esconder. Esta devastação não representa uma grande teoria literária, pois abandona os procedimentos acadêmicos, mas é fundamental na análise de qualquer obra literária. Assim, os leitores terão um dispositivo elucidado para flechar qualquer escritor que se apresente à sua frente. E pode analisar e descobrir a posição estratégica que ele tenha assumido na obra.  Como tudo na vida pode ser alterado, muitos escritores conseguem misturar seus formatos literários, colocando-se em diversas posições na mesma obra. Mesmo assim, estes são os seus esconderijos. 

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

INDÍCIOS – SEMIÓTICA VII

O mito das provas. Elas representam indícios e podem ser construídas para aprovar ou reprovar. Em jogo a intencionalidade.



Semiótica envolve o estudo dos signos. Os signos envolvem símbolos, ícones e indícios.

Os indícios estão disponíveis à decodificação ou à interpretação de qualquer pessoa. Cada qual interpreta como pode, de acordo com seu nível cultural. Ou como lhe convém? Dependem, entretanto da acuidade perceptiva de cada ser humano. Assim, a visão, a audição, o olfato, a gustação e, finalmente, a cinestesia (peso, textura, etc.) ficam alertas. Cada qual no seu posto de observação e de vigilância. 
Uma nuvem que se torna escura e um relâmpago são indícios de chuva por perto. Pode não chover. Entretanto, os indícios estavam disponíveis e podiam prever chuva por perto. Houve indícios.
Uma febre que surge inesperadamente não é uma doença em si. É um aviso de que há alguma coisa que não está indo bem no corpo humano. É um indício. 
Onde há fumaça há fogo. É uma crença. Entretanto, pode não ser verdadeira, mas é um indício.

Uma radiografia e uma análise clínica revelam em seus resultados uma possibilidade, um indício. O diagnóstico médico torna-se evidente. Centenas e centenas de vezes esses métodos de análises clínicas foram feitos, repetidos, analisadas, testados e comprovados para depois poderem chegar a uma conclusão num formato ideal, que traga segurança na tomada de decisão, partindo de um indício, de uma suposição, de uma hipótese. Assim, qualquer medicamento ao ser colocado em uso passou por esse crivo, sendo cientificamente testado, experimentado e comprovado, a partir de um indício. O próprio diagnóstico é um parecer passível de comprovação e torna-se um indício.
As provas pedagógicas ou provas de seleção apresentam indícios de conhecimento, inteligência, capacidade profissional ou personalidade. Usam-se instrumentos indiretos que proporcionam alguma fidedignidade. Não deixam de serem indícios. Seus resultados, entretanto, tornam-se passíveis de interpretações diferenciadas. A fidedignidade será fruto de aplicações repetidas, a público assemelhado e delimitado, e em condições idênticas, para padronização e garantia de credibilidade nos seus resultados, como são feitos os testes psicológicos.
Em continuidade, também o olfato revela outro mundo de sensação e de percepções. Transportam indícios de fácil tradução, vindos pelo vento, pela natureza, pelos perfumes e por tantos outros odores, catalogados internamente. O olfato entrou em decadência quando o ser humano foi se transformando em bípede. Entretanto, forte ainda, é capaz de provocar as mais divergentes reações. O despertar do sexo, da volúpia, da libido. Ou da náusea e da rejeição. Representam indícios seguros para interpretação imediata.
E o paladar, pelo poder gustativo, representa outros poderosos indícios? A percepção de sal, de doce, de azedo, de amargo traz sensações agradáveis ou repulsivas. Há a sensação de alerta pela porta de entrada, a boca e a língua. Traz um indício poderoso, um vigilante atento e incorruptível, responsável que é pela administração e pelo bem-estar do corpo. Um descuido pode ser fatal. Cumpre examinar constantemente os indícios representados pelos variados sabores e aprovar ou reprovar sem piedade e sem cumplicidade. 
Em continuidade, ainda, há os futurólogos que são capazes de fazerem previsões. São pessoas cultas e estudiosas que estão analisando e prevendo acontecimentos, até mesmo o destino da humanidade. Suas teorias são indícios.
Há os meteorologistas que interpretam dados para o clima em qualquer parte do mundo.
Há os astrônomos que utilizam equipamentos sofisticados para alcançar as grandes distâncias do espaço e calcularem os fenômenos da natureza, a vida dos astros. Embora haja equipamentos que calculam com precisão, suas teses podem ser consideradas, algumas vezes, como indícios. 
A grafologia e a quiromancia especulam traços de personalidade, comportamento e previsões.

Horóscopo, cartas, tarôs, búzios? E os videntes? E as cartas jamais mentem? Seriam indícios? Tudo isso fala alguma coisa para alguém. Comunica e influencia.
Não há argumentos contra os indícios. Se houver um indício, existe uma possibilidade. Por outras vezes, mesmo sem indícios, as coisas acontecem. Entretanto, os indícios são inumeráveis e não catalogáveis.

Ah! E os sonhos? Trazem algum indício? Freud foi também um explicador de sonhos.
Assim, os indícios estão disponíveis. Cada qual tira as suas conclusões, dentro das possíveis controvérsias. E a discussão reforça as teses. 
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