terça-feira, 28 de abril de 2015

A CEGUEIRA



Cegueira não é brincadeira. Cegueira não é metáfora, não é Saramago, (1922 – 2010)? É uma forma cruel de brincar com os cegos. Decreto dos deuses.

As luzes se apagam, desce a cortina da noite, da escuridão. Dizer adeus às luzes. Que alegria, que justificativa pode um ser humano encontrar ainda nesta vida? Ninguém neste mundo pode avaliar a mágoa de Andrea Bocelli, cego, cantando com os olhos fechados e um sorriso forçado e triste, a cabeça levemente inclinada para baixo. Ou avaliar a mágoa de Geraldo Magela, cego, ator comediante. Impossível dar as mãos à felicidade. Impossível justificar, compreender, aceitar. A neurose vem junto e com ela a tristeza, o abatimento, a revolta. “Ceguinho é a mãe”, ironicamente Geraldo Magela faz humor, despistando outros sentimentos. Ri dele mesmo e o público chora, em vez de somente rir com ele ou dele. Cegueira não é metáfora, Espinosa, (1632 – 1677).  
Tudo que vai ao cérebro, passa pelos órgãos dos sentidos: visão, audição, gustação, olfação, cinestesia.
Quem precisa de óculos é deficiente visual, quem não enxerga é cego. Impossível pensar nas relações sociais sem o sentido da visão. O sofrimento é incomensurável, embora seja íntimo e intransferível. A cegueira estável, definitiva, passa a ser “invisível” para os familiares, para os amigos, para o público. O mundo continua, a vida rola. Vale a pena? Muitas pessoas não suportam sobreviver e se definem de imediato. Outras vão encontrando recursos psicológicos alternativos, recebem ajuda, carinho, conforto. Nada verdadeiro para quem sofre. Predomina a humildade a submissão aos desígnios da natureza. Limites que prenunciam a lenta chegada da morte, enfim, parte por parte.
No treinamento da técnica de Programação Neurolinguística, há uma sessão pedagógica em que a metade dos participantes permanece o dia inteiro com os olhos totalmente vedados, e cada um é acompanhado por colega determinado. Um dia inteiro. No dia seguinte, trocam-se os papéis. Todas as atividades do curso decorrem normalmente. Depois, no terceiro dia, vêm o debate e o relatório verbal de cada um. O sentimento verbalizado por todos é que o limite ou a limitação da visão na vida ativa cai mais de 50%, inclusive cognitivamente. As dificuldades estão presentes em todos os momentos. A alimentação a higienização, as barreiras. A angústia, o sofrimento. Passar por uma experiência sem luz faz compreender um pouco dessa tragédia, mesmo sabendo que tudo seja um treinamento, um teatro.   
A vida funciona na base do prazer de viver. Não há outra razão. O prazer é o primeiro dos bens. A ausência de dor no corpo e a ausência de inquietação da alma. Epicuro (341 - 271 a.C)
Sem êxtase, viver não é preciso. 

sábado, 18 de abril de 2015

A TECNOLOGIA NA TERCEIRA IDADE


A terceira idade vem agarrada na cauda das ondas violentas da tecnologia e se arrasta como pode. Dominar é preciso.

Nós é que somos felizes porque vivemos nesses tempos modernos – Virgílio (70 – 19 a.C.)
Entrar nessa carruagem tem um custo muito alto. Tem que pagar em sacrifícios dia e noite. Passar na frente é a meta, mas a rabeira é garantida, mesmo que seja no arrastão. Fazer o quê? Quando acaba de dominar uma técnica, ela já foi superada. É descartada, ou melhor, é jogada fora, esquecida. Há coisas mais novas. Recomeçar agora mesmo. Ainda vai dar tempo? As luzes estão apagando, a musculatura se afrouxa, a vontade definha. Tombar no meio da estrada? E a turba passa. O passado fica na memória. O tempo passou pela tela. Time is gone. Take over!!!

Sócrates, na Grécia antiga, e d.Pedro I, no Brasil, viveram em condições semelhantes, nada mudava. Séculos e séculos. A maior velocidade da comunicação era feita com a ajuda do cavalo. Poder escravo. Não tinham água encanada e nem os benefícios da eletricidade. E as condições sanitárias? E a saúde? A alimentação? E o lazer? Mesmo assim, Virgílio, poeta romano da época anterior a Cristo, estava feliz... “nós é que somos felizes porque vivemos nestes tempos modernos.” Nada mudava.
Infelizmente não se pode repetir essa locução, porque sabe-se da precariedade das mágicas da tecnologia que chegam a toda hora. Ela é uma deusa maravilhosamente bela e alvissareira, mas é também uma deusa sádica, impetuosa, ousada e impertinente. É adorada, venerada, inconsequente veloz e, sobretudo, temida.
A humanidade vivia tranquila, até quando o alemão, Gutemberg, (1398 – 1469) em 1439, botou uma prensa nas mãos do povo. Editou uma Bíblia. Essas bíblias sempre foram manuscritas, copiadas pelos monges. Um monge demorava mais de um ano, trabalhando em tempo integral, para copiar um exemplar. Existiam nessa época por volta de 18 a 20 exemplares, rodando pelo mundo. Com o uso frequente, vinha o desgaste e perdiam-se páginas ou se desgatavam ou se derretiam. Agora, uma Bíblia pode ser impressa sem erros, um curto espaço de tempo. E o povo teve conhecimento completo desse livro sagrado. Para Bill Gates, a prensa de Gutemberg representou, para a época, uma impressora a laser de alta definição. Logo após, o mundo mudou, ainda mais, com a impressão das enciclopédias. O povo estava agora sabendo de tudo que era preservado aos reis e aos deuses. Daí para frente, tudo foi mudando muito rapidamente.
A seguir, a locomotiva ganhou em velocidade e em força do cavalo, por volta de 1830. O telégrafo e o telefone...A eletricidade deslumbrou a humanidade, considerada responsável pelas aplicações desenfreadas. Transmitia-se a voz pelas ondas magnéticas, pelo ar. A aviação tornou o mundo pequeno. A comunicação pela televisão. A informática escancarou as janelas e as portas do conhecimento. O mistério que ronda dentro do ar, da atmosfera, invisível e carregada de eletricidade é devassado. Nunca mais pode-se repetir Virgílio. Ninguém poderá repetir. Mudanças atrás de mudanças. Umas sobrepondo-se a outras. E a informática envolveu todas as atividades humanas. Chegou de repente, sem fazer barulho e dominou o mundo com os seus tentáculos, invadindo a vida dos seres humanos. Foi longe ou melhor, está indo longe demais. Um fato é hoje verdadeiro, e pode não ser amanhã. Se uma pessoa continua fazendo uma coisa qualquer como sempre fazia, estará, provavelmente, fazendo por um processo ultrapassado. A tecnologia não tem piedade, não tem hora nem lugar. Ela chega, ocupa seu espaço, e destrói tudo que estiver por perto. E o ser humano fica atônito, endoidecido, atordoado. Como viver ou sobreviver dentro dessas mudanças inesperadas que chegam em vendaval, desaparecem e ressurgem logo em seguida com outras roupagens mais modernosas. Uma empurrando a outra. Não fica pedra sobre pedra.
A década de 1960 é considerada um marco na história das tecnologias avassaladoras. Dia a dia, hora a hora, há uma mudança que aparece no ar. Pesquisadores estão em ação, criando novos paradigmas, novas soluções para os velhos problemas, com objetividade espantosa. O impossível deixa de ser impossível. Impossível é, para um ser humano acompanhar essas mudanças de forma integral. Os que nasceram depois da década de sessenta estão se adaptando às novas condições tecnológicas. E as pessoas mais idosas? Alguns seguem correndo atrás, arrastados com energia debilitada. Outros sentam-se à beira do caminho e a tecnologia passa em disparada. Os mais jovens, quanto mais jovens, embarcam nas modernidades tecnológicas e sugam o quanto podem. As crianças nascem apertando botões. Acreditam que o que estão aprendendo não é para sempre. Será descartado logo a seguir. Os antigos odeiam mudanças, como perfil do século 21.
Aprende-se hoje, descarta-se até hoje mesmo. Como? Não pode ser. Já mudou isso outra vez? Minha máquina está ultrapassada? Paguei uma nota por ela. Quanto ela vale hoje? Nada? Ninguém quer comprar um aparelho ultrapassado. Há coisas novas e melhores no mercado. E cada vez mais baratas. Santo Deus!!! Comprar outra máquina? Reaprender tudo outra vez? Descartar tudo? E os jovens dominadores investem tudo para acompanhar com interesse, essas tantas novidades tecnológicas. Que há de novo? É a grande preocupação das novas gerações. Nada do velho ou do obsoleto. Os jovens aguardam ansiosos as novidades da técnica em suas janelas e querem se incorporar a elas o mais rápido possível.
Eis a questão para os idosos! Ou joga-se tudo fora ou passa-se a ser uma pessoa superada tecnicamente. E os conceitos arraigados? Corta essa, cara!... Isso é do tempo antigo. Ninguém mais acredita em fantasmas, em assombração. E os conceitos de saúde, alimentação, lazer? Tudo mudou. Ou melhor, está mudando. Algumas atividades profissionais desaparecem. Outras surgem e se desenvolvem, crescem a cada dia. O celular é uma mágica que o povo assimilou, e não sobrevive sem ela. Qualquer pessoa é localizada num segundo, onde estiver. E as fotos? E a gravação da voz num apertar de botões. Ninguém mais pode se esconder. Uma pessoa pode estar pescando no Araguaia e jogando na bolsa de valores de New York. Tudo virou brincadeira.
Troisième âge – Na França planejaram uma atividade didática para as pessoas idosas, com essa denominação. E essa denominação, TERCEIRA IDADE, colou para designar pessoas com mais de 65 anos de idade. Depois, surgiram eufemismos, abrandamento de termos: melhor idade, feliz idade, etc.
A terceira idade, fruto da própria ação das tecnologias, pelo aumento da qualidade de vida, pela sobrevivência, pela longevidade, tenta agrupar-se, ajustar-se, sobreviver dentro das mudanças que surgem a cada dia. As pessoas idosas desejam aprender uma técnica e sobreviver com ela para sempre.
E a população brasileira da terceira idade vem subindo no cenário demográfico. Segundo IBGE, relatório de 2010, é de 7,4% da população. Em 1991, era de 4,8%. Passou para 5,9% em 2000. No ano de 2010 eram, pois, 14.8 milhões de pessoas. E o perfil dessas pessoas mudou rapidamente, com o uso de telefones celulares, computadores, notebooks, smartphones, tablets e a própria internet. Tais mudanças não se deram por vontade própria, mas impulsionadas pela necessidade de aceitar a invasão tecnológica. Ou adaptar ou ficar alijado da vida em sociedade. Claro está que não concorrem com a turma jovem ou com as crianças que nascem apertando botões. 
Entretanto, essas pessoas têm experiência acumulada, sabedoria adquirida na vida do trabalho em vantagem imediata sobre os mais jovens. Sentem dificuldade nos caixas eletrônicos dos bancos, mas perdem a timidez e pedem auxílio. Sobrevivem no mundo novo, como se fossem bibliotecas livres de histórias de experiências de vida. Mesmo assim, sofrem profundamente no processo de adaptação, eliminando o medo da máquina..
Cumpre a essa mesma tecnologia valorizar e aproveitar as experiências humanas que ela mesma produziu. Valorizar postos de trabalho para idosos. Essa população não pode ser alijada do mercado de trabalho e ficar no mundo apenas “cumprindo tabela.” A previsão é de que, em 2040, essa população possa atingir a 15,4% da humanidade. Que fazer?
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