quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

EXPRESSÕES ORIUNDAS DO PERÍODO DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL

Mesmo as palavras mais corriqueiras possuem uma história e sua própria árvore etimológica. Naturalmente que toda e qualquer expressão popular, das mais sábias e profundas às mais simples e sem sentido, possuem uma origem, ora curiosa e interessante, ora sombria e simbólica de um passado sinistro.


TEM CAROÇO NESSE ANGU
A expressão, que significa que alguém estaria escondendo algo, tem sua origem em um truque realizado pelos escravos para melhor se alimentarem. Se muitas vezes o prato servido era composto exclusivamente de uma porção de angu de fubá, a escrava que lhes servia por vezes conseguia dar um jeito de esconder um pedaço de carne ou alguns torresmos embaixo do angu. A expressão nasceu do comentário de um ou outro escravo a respeito de certo prato que lhe parecesse suspeito.

A DAR COM PAU
“Pau” é um substantivo utilizado em algumas expressões brasileiras, e tem sua origem nos navios negreiros. Muitos negros capturados preferiam morrer a serem escravizados e, durante a travessia da África para o Brasil, faziam greve de fome. Para resolver a situação, foi criado então o “pau de comer”, uma espécie de colher que era enfiada na boca dessas pessoas aprisionadas por onde se jogava a comida (normalmente angu e sopa) até alimentá-los enfim. A população incorporou a expressão.

DISPUTAR A NEGA
Essa expressão, que significa disputar mais uma partida de qualquer jogo para desempatá-lo, possui sua origem não só na escravidão, como também na misoginia e no estupro (o que espanta que até hoje seja utilizada com tanta naturalidade). Sua história é simples e intuitiva: quase sempre, quando os senhores do passado jogavam algum esporte ou jogo, o prêmio era uma escrava negra.

NAS COXAS
A origem da expressão, que quer dizer algo mal feito, realizado sem capricho, é imprecisa, e não há consenso sobre se ela viria de fato do período da escravidão. De todo modo, há vertente mais popular afirma que a expressão viria no hábito de os escravos moldarem as telhas em suas coxas que, por possuírem tamanhos e formatos diferentes, acabavam irregulares e mal encaixadas.

ESPÍRITO DE PORCO
Ainda que a origem da expressão venha da injusta má fama associada ao animal, por uma ideia de falta de higiene, sujeira e impureza, tal má fama é oriunda de princípios religiosos. Durante o período escravocrata, os escravos se recusavam e eram obrigados a matar o animal, para que servisse de alimento. A recusa vinha porque se acreditava que o espírito do animal abatido permaneceria no corpo de quem o matasse pelo resto de sua vida e, para complementar tal crença, a incrível semelhança que o choro do porco possui com um lamento humano tornava o ritual ainda mais assustador.

PARA INGLÊS VER
Essa expressão tem sua origem na escravidão, e também no mau hábito ainda atual brasileiro de aprovar leis que não “pegam” (que ninguém cumpre e nem é punido por isso). Em 1830, a Inglaterra exigiu que o Brasil criasse um esforço para acabar com o tráfico de escravos, e impusesse enfim leis que coibissem tal prática. O Brasil acatou a exigência inglesa, mas as autoridades daqui sabiam que tal lei simplesmente não seria cumprida – eram leis existentes somente em um papel, “para inglês ver”.

BUCHO CHEIO OU ENCHER O BUCHO
Expressão mais comum em Minas, era usada tanto pelos escravos quanto por seus exploradores, evidentemente que com outra conotação da que se usa hoje. Atualmente significando estar bem alimentado, de barriga cheia, na época significavam a obrigação que os escravos que trabalhavam nas minas de ouro possuíam de preencher com ouro um buraco na parede, conhecido como “bucho”, para só então receber sua tigela de comida.

MEIA TIGELA
A partir da expressão anterior, a história segue, dando origem a expressão “meia tigela”, que significa algo sem valor, medíocre, desimportante. Quando o escravo não conseguia preencher o “bucho” da mina com ouro, ele só recebia metade de uma tigela de comida. Muitas vezes, o escravo que com frequência não conseguia alcançar essa “meta” ganhava esse apelido. Tais hábitos não eram, porém, restritos às minas, e a punição retirando-se parte da comida era comum na maioria das obrigações dos escravos.

LAVEI A ÉGUA
A expressão “lavar a égua”, que quer dizer aproveitar, se dar bem, se redimir em algo, vem também da exploração do ouro, quando os escravos mais corajosos tentavam esconder algumas pepitas debaixo da crina do animal, ou esfregavam ouro em pó em sua pele. Depois pediam para lavar o animal e, com isso, recuperar o ouro escondido para, quem sabe, comprar sua própria liberdade. Os que eram descobertos, porém, poderiam ser açoitados até a morte.

EXPRESSÕES RACISTAS
De todos os seus vícios errantes, existe um que o Brasil se acostumou a repeti-lo sem se questionar. Mesmo com todo histórico de escravidão vivido pelo país. Estas expressões listadas,que colocam o negro como o oposto de positivo. 
  • Serviço de preto ou baianada
Não é preciso explicar que na Bahia a maior parte da população é negra. Essa expressão é usada quando um serviço é mal feito. Outro reflexo do período da escravização onde os negros faziam os trabalhos sob chibatadas, sol quente e com pouca alimentação. Desqualificar determinado esforço e/ou trabalho, ou seja, fazer “serviço de preto” é igual a ser desleixado. O negro sempre é associado a algo ruim. 
  • A coisa tá preta 
Esta expressão fala por si só: se a coisa está preta, é porque ela não está agradável, ou seja, uma situação desconfortável. 
  • Mercado negro 
É aquele que promove ações ilegais, e mais uma vez é a palavra negro sendo usada com conotação desfavorável. O negro, na expressão, significa ilícito. 
  • Denegrir 
Esta palavra é recorrente quando acreditamos que estamos sendo difamados, é uma palavra vista como pejorativa, porém seu real significado é “tornar negro”. Se tornar algo negro é maldoso. 
  • Inveja branca 
Como sendo a inveja boa, “positiva”. 
  • Da cor do pecado 
Outra expressão que faz a mesma associação de que negro = negativo, só que de forma mais subliminar, não recorrendo a termos como negro ou preto. Geralmente essa expressão é usada como elogio, porém vivemos em uma sociedade pautada na religião, onde pecar não é nada positivo, ser pecador é errado, e ter a sua pele associada ao pecado significa que ela é ruim. 
  • Morena/mulata de tipo exportação 
No Brasil, os melhores produtos são geralmente exportados. A expressão morena tipo exportação tem uma conotação sexual , usado para descrever mulheres negras com corpos exuberantes. Esse elogio resgata o tratamento dispensado à mulher negra no seio da senzala, da casa grande. O pensamento que a reduz em brinquedos sexuais. Dizer que uma mulher negra é uma “mulata tipo exportação” transforma a mulher negra em “peça” que alcançará boa cotação no mercado onde a carne mais barata é a nossa. O nome desse mercado é exotificação. 
  • Negra(o) de beleza exótica ou com traços finos 
Quando se imagina que ser uma mulher negra bonita é ser “tipo exportação”, ter “traços finos” e assim poder ser a dona de uma “beleza exótica”. Ser negro e poder ser considerado bonito está relacionado a não ter traços negros, mas sim aqueles próximos ao que a branquitude pauta como belo, que é o padrão de beleza europeu. Sim, isso é racismo, e dos mais comuns que a gente vê por ai, está hiper sexualizando e exotificando quando usam essas expressões. 
  • Não sou tuas negas 
Facilmente explicável se lembrarmos de que quando se tratava do comportamento para com as mulheres negras escravizadas, assédios e estupros eram recorrentes. A frase deixa explícita que com as negras pode tudo, e com as demais não se pode fazer o mesmo, e no tudo está incluso desfazer, assediar, mal tratar, etc, etc. 
  • Ovelha negra da família 
É uma expressão popular utilizada para representar a peculiaridade de uma pessoa que é diferente das outras, ou seja, que está fora dos padrões considerados normais pelo seu grupo social. 
  • Cabelo ruim, Cabelo de Bombril, Cabelo duro e, a mais desnecessária, Quando não está preso está armado 
A questão da negação da estética negra é sempre comum quando vão se referir aos cabelo Afro. São falas racistas usadas, principalmente na fase da infância, pelos colegas, porém se perpetuam . 
  • Nasceu com um pé na cozinha 
Expressão que faz associação com as origens, “ter o pé na cozinha” é literalmente ter origens negras. A mulher negra é sempre associada aos serviços domésticos, já que as escravas podiam ficar dentro das casas grandes na parte da cozinha, onde, inclusive, dormiam no chão (sua presença dentro da casa grande facilitava o assédio e estupro por parte dos senhores. 
  • Barriga suja 
Outro termo que faz relação à origem, usado quando a mulher tem um filho negro. Se ela teve um filho negro, algo impuro. 
  • Seu macaco 
Esta expressão associa à cor da pele negra a um animal próximo na escala evolutiva, porém intelectualmente inferior. Significa dizer que a raça negra é menos gente do que os caucasianos. 
  • Amanhã é dia de branco 
Durante a escravização os negros eram forçados a trabalhar e ainda assim eram chamados de “vagabundos”, “preguiçosos”. O trabalho era dos brancos em fazer os negros produzirem alguma coisa, já que eram considerados como animais. Dia de branco era o dia de produzir para o branco. Não confundam preguiça com resistência a escravização.

É claro que existem inúmeras outras expressões que apontam claramente o racismo no cotidiano, e, infelizmente, inúmeras pessoas, mesmo sabendo dos fatos e tendo acesso às explicações, vão dizer que tudo é pura banalidade e, provavelmente, continuar usando essas palavras e expressões.

O que o inocente ‘TCHAU’ tem a ver com escravidão ?
Quem não sabe que a interjeição de despedida mais usada no português brasileiro, tchau, veio do italiano ciao – uma palavra ambivalente que, em sua língua original, pode ser empregada tanto com o sentido de “olá” quanto com o de “adeus”? Consta que essa importação se deu no início do século 20, com possível influência da forma chau usada no espanhol sul-americano: a grafia aportuguesada “tchau” data de algum momento em torno de 1925, segundo o Houaiss – que curiosamente, contrariando seus padrões, não fornece a fonte dessa informação.
Se é famoso o parentesco de tchau com ciao, muito menos conhecida – na verdade, praticamente secreta – é a relação direta que existe no italiano entre as palavras ciao e schiavo, isto é, tchau e escravo. Ciao vem a ser uma variação dialetal de schiavo surgida no Norte da Itália.
A palavra schiavo não é mais nem menos semanticamente pesada do que o português escravo e o inglês slave, entre outros termos da mesma família que se espalharam pelas línguas ocidentais. Todos derivam, naquilo que uma sensibilidade contemporânea classificaria como o mais alto grau da incorreção política, do latim medieval slavus, sclavus. Trata-se da mesma origem do termo eslavo, nome genérico dos habitantes da Europa central e oriental que os povos germânicos escravizaram maciçamente na Idade Média.
Sendo assim, como foi que o termo schiavo, com suas conotações sombrias, veio a se tornar uma saudação jovial e despreocupada em italiano? O que à primeira vista não faz o menor sentido é na verdade de solução simples: ciao é o produto final de uma série de abreviações efetuadas na expressão de cortesia sono suo schiavo (“sou seu escravo”), equivalente à nossa formula “sou seu criado”.

Referências
http://www.ceert.org.br/
http://www.zumbidospalmares.edu.br/
http:/linguarudomaldito.blogspot.com.br 
http://veja.abril.com.br/

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

CRIME PEDAGÓGICO ?



Causar voluntariamente a morte do sonho de uma jovem estudante!!!. O imaginário da maldade humana acompanha tantas obras beneméritas. Cada qual com a sua verdade, condenando os outros, pensando ser um termômetro social, um parâmetro para julgar a humanidade.



Uma adolescente, 15 anos, gestante solteira, foi expulsa do colégio, sem mais nem menos. Aconteceu na década de setenta, numa cidade do interior do estado de Minas Gerais, em pleno século XX, apesar da Lei 6.202 de 17 de abril de 1975, da Lei 6.503 de 13 de dezembro de 1977 e da Lei 7.692 de 20 de dezembro de 1988 que tratam da proteção à gestante. Mináglia, nome fictício do município do norte do estado de Minas Gerais, mantém um grande colégio normal de freiras franciscanas, holandesas, em prédio doado pelo estado, desde 1926. Era o único estabelecimento de ensino ginasial e normal de vasta região. A irmã superiora, diretora do estabelecimento, julgou ser uma temeridade social manter uma gestante adolescente como aluna, num estabelecimento de jovens de sexo feminino, mesmo em final de curso. Expulsou a aluna, sem dó nem piedade. Que poderia haver de mal? Disseminar exemplos? Talvez a ousadia e irreverência da aluna, transmitindo exemplo para outras colegas de mesma idade? Não se pode saber exatamente o que passou na cabeça da irmã diretora. Preservação da moral das famílias da região? 
A aluna foi convidada a comparecer ao gabinete dessa diretora e escutou uma possível decisão do colegiado. Um comunicado verbal, cujas palavras devem ter ferido a sensibilidade da aluna. Uma comunicação escrita foi encaminhada aos pais. A vergonha e a humilhação! Como continuar os estudos? Onde? Tudo isso não foi apenas um dos desastres para a família. A cidade inteira comentou o fato, ou melhor, os fatos. Tanto da gravidez indesejada como da expulsão do colégio. Muitas famílias consideraram uma atitude correta do colégio e aplaudiram a irmã diretora. As colegas de sala choraram. Choraram e lamentaram. Ensaiaram greves, greves de silêncio e abstinência de reação diante de provas e trabalhos escolares. Cruzaram os braços. Do silêncio nascem providências tantas, sem nenhum resultado. Não houve greve, houve manifestação de desagrado. Tantas outras reações foram investidas no colégio. Tudo em vão.
O desespero da família da gestante foi motivo de comentários violentos na cidade. Um advogado da família entrou com habeas corpus. A liminar foi negada pelo juiz. Outros advogados associados entraram em queixa-crime contra a decisão da diretora. Tudo encaminhado ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. O tempo passa. Esperar. A gestante perdeu em todas as estâncias. O processo foi arquivado e faz parte, hoje, do acervo do museu do Tribunal, disponível para visitação pública.
O que foi feito da aluna gestante? Vítimas não têm vez, permanecem no anonimato e cada personagem chora no seu canto. Foi condenada a permanecer no meio rural e dedicar-se ao trabalho doméstico, pelo resto de sua vida. 
Esta história parece uma pequena fábula, mas não é uma ficção. Serve entretanto para alertar os profissionais da educação sobre a nobre responsabilidade profissional. A ação dos mestres é, antes de tudo, de solidariedade e apoio a jovens em crise de qualquer natureza.

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