sábado, 25 de agosto de 2012

FERNÃO DIAS PAIS - ENTREVISTA VIRTUAL


Bandeirantes/Bandeiras – Uma cidade em movimento! Expedições fundamentadas em decisões e incentivo de poderosos reis de Portugal que, de longe, comandavam exércitos de voluntários que, por conta própria, se embrenhavam pelas trilhas e pelo verde deserto.

Cada passada tua era um caminho aberto!
Cada passo mudado, uma nova conquista!
E, enquanto ias, sonhando o teu sonho egoísta,
Teu pé, como um deus, fecundava o deserto!
Olavo Bilac - O caçador de esmeraldas


Autor: Rogério de Alvarenga

APRESENTAÇÃO
Uma expedição exploratória pelo interior do país, no século XVII, enveredando-se por matas inóspitas, cheia de mistérios e lendas, cheias de febres, de índios e animais selvagens, de répteis das mais desconhecidas espécies, seria uma temeridade organizar. Em seguida, que se poderia encontrar? Que custo-benefício poderia prever? E o abandono da família, para sempre, talvez! O povo mineiro reverencia Fernão Dias Pais, enaltecendo o seu feito heroico de devastar nossas matas, abrindo caminhos, fundando povoados, plantando roças, iniciando a criação de animais. Por tudo isso, encontramos em Ibituruna, seu primeiro pouso, sua primeira parada técnica, também o primeiro lar da pátria mineira. Em Sumidouro, na região de Pedro Leopoldo, estado de Minas Gerais, Fernão Dias Pais começa a implantar um novo povoado. Aí permanece por cerca de sete anos. Sempre em busca das esmeraldas! Um sonho intranquilo, um sonho que poderia ser realidade, não fossem tantas dificuldades e intempéries na sua jornada. Encontrou, entretanto, a glória de ter devastado o caminho das minas de ouro que, mais tarde, iriam abastecer de riquezas o povo paulista. A mineração foi o tema do século XVIII, graças aos caminhos abertos por Fernão Dias Pais. Eis alguns momentos de sua Bandeira, relatados por ele próprio, em entrevista especial.    

ENTREVISTADOR - Bandeirante Fernão Dias Pais! Os seus dias estão distantes, mas os seus passos estão marcados nas terras do estado de Minas Gerais! Podemos abrir uma conversa franca e amiga com o senhor, sobre a sua grande expedição?
FERNÃO DIAS PAIS - Sempre estive de passagem de um lugar para outro, cumprindo o meu objetivo maior. Mesmo assim, aqui estando arranchado, posso abrir meu coração, como sempre o fiz na minha vida.
E - Com a alma aberta ao peito, com as emoções fervilhando, minha tarefa se tornará mais emocionante e mais pungente. Podemos ser mais diretos nas questões?
FD - Na minha vida atribulada, não tive tempo de pensar em desviar uma conversa. Sempre falei e falo o que tenho na cabeça, na hora, sem procurar esconder coisa alguma.
E - Melhor assim. Então, a primeira questão que me desponta à mente: o senhor não se considerava velho demais para organizar e comandar uma expedição tão grande e perigosa pelo mundo desconhecido nas matas sem fim?
FD - Jovem - sempre fui e velho – um dia serei. A minha experiência e a minha coragem foram emblemas para a minha credibilidade
E - Mas, a sua idade?
FD - Eu tinha apenas 66 anos de idade quando parti de São Paulo para revelar o que havia atrás das montanhas e montanhas, matas e matas. Parecia o infinito! Todos queriam saber o que havia atrás delas, muitos ousavam, mas quase nunca voltava­­­m.
E - Atrás das montanhas e das matas havia o mistério?
FD - Havia o mistério e as lendas. Alguns se aventuraram, em pequenos grupos organizados, subindo e descendo montanhas sem fim. Alguns voltaram, outros se perderam no emaranhado das trilhas, ou perdidos no caminho da volta. As notícias e as histórias aumentavam.
E - O senhor se compara ao descobridor da América, Colombo ou ao navegador Pedro Álvares Cabral?
FD - Por que não? Um mar de águas desconhecidas ou um mar de matas intransponíveis? Lá, os tubarões, a fúria dos ventos e das tempestades. Aqui, as feras, os índios, as chuvas e as enchentes! As tempestades, os raios e os trovões!
E - E de quem eram essas matas intransponíveis?
FD - Em princípio, de ninguém, ou de quem chegasse primeiro. Depois, da Coroa Portuguesa, a quem se prestava obediência imediata.
E - Podia explicar melhor?
FD - Expedições podiam ser organizadas e autorizadas. Muitas partiam sem ordem, sem autorização legal. Mas, com o tempo, foram-se organizando grupos bem estruturados, com registro e autorização oficial do rei de Portugal. Formavam-se as Bandeiras, num estilo quase militar, incentivadas, estimuladas pela Coroa Portuguesa, na busca de riquezas.
E - Que riquezas?
FD - Ora! Ora! Sempre havia lendas e lendas de que o ouro jorrava, de que as pedras preciosas iluminavam os caminhos com o seu brilho e seu esplendor.  Só faltavam homens capazes de buscá-las onde elas estivessem dormindo. O ideário do povo na época era encontrar uma civilização milenar e rica, bem estruturada, com os templos cobertos de ouro e pedras preciosas. Riquezas e mais riquezas!
E - Pode-se comparar com o sonho tecnológico de se chegar à Lua, de se chegar até Marte? Desvendar a crença de que há vida nos planetas?
FD - Quase isso! Mas tudo aqui estava a nosso alcance, em nossas mãos ou na continuidade dos nossos pés, nos limites das terras exploradas, na continuidade das propriedades cultivadas. Além do horizonte estava o desconhecido. Por que não ir até lá? Quanto tempo ainda essas terras iriam permanecer desconhecidas?
E - Faltavam recursos técnicos e por assim dizer, faltavam homens de coragem?
FD - Mais ou menos isso mesmo. Faltavam empreendedores maiores. Por isso, fui chamado. Não pense que a minha Bandeira tenha sido um ajuntamento de pessoas com um objetivo incerto. Nada disso.
E - Bandeira? Uma Bandeira?
FD - Sim! Uma Bandeira! Uma expedição devidamente organizada, nos moldes militares, princípios rígidos e objetivos determinados.
E - O senhor mesmo organizou essa expedição de exploração do interior do país?
FD - Sim! Eu mesmo! Era pessoa de posses e de experiência militar, no comando de vários empreendimentos oficiais. Tive confiança de investir nessa aventura. Tinha feito meu nome, tinha conceito público e credibilidade.
E - O senhor sempre gostou de aventuras?
FD - Sempre fui um homem de labor insano. Desconhecia o medo e estava sempre pronto para desafios. Além disso, sempre fui curioso em desvendar os mistérios das matas e das distâncias. Meu braço forte e meu espírito de ousadia frente ao desconhecido!
E - Daí o seu desejo de dessas aventuras?
FD - Recebi carta do Governador Geral, de Salvador, com convite formalizado para a organização da expedição, datada de 18 de maio 1671. Em 20 de outubro respondi, aceitando. Obtive, então, autorização com empenho do Rei Afonso VI de Portugal.
E - Mas o senhor partiu de São Paulo no dia 21 de julho de 1674, não é verdade? Consequentemente, gastou três anos em preparação?
FD - Não se pode imaginar, hoje, as dificuldades da época. Uma Bandeira, uma responsabilidade imensa! Uma Bandeira era uma cidade em movimento. Os seres humanos são frágeis diante da natureza e precisam de alimentos, remédios, agasalhos. Armas, equipamentos! Animais de carga e de montaria. Os integrantes das expedições precisavam ter em mente, ainda, os objetivos da missão. Precisavam ter uma decisão pessoal para embarcar rumo ao desconhecido, sem previsão de regresso fácil e imediato. A única certeza de que se podia dar aos acompanhantes eram as dificuldades, as privações, o desconforto, o perigo.
E - Mas os integrantes das bandeiras deviam ter compensações, pelo menos uma visão de resultados pessoais?
FD - Se não houvesse uma visão de benefícios pessoais não haveria nenhuma inscrição voluntária. A população crescia e já não havia mais atividade profissional disponível. A oportunidade de se conseguir riqueza fácil era a ideia fixa da época na capitania de São Vicente Havia, ainda, a lenda de ITABERABUÇU - SABARABUÇU, as lendas do ELDORADO, da famosa lagoa de VAPABUÇU!
E - E o povo acreditava nessas lendas?
FD- Todos acreditavam. Eu mesmo sempre via, à minha frente, uma montanha de esmeraldas, resplandecente e verde, luzindo cores e riquezas. O meu sonho compulsivo eram as esmeraldas. Itaberabuçu significa mesmo montanha grande que resplandece.
E - É SABARABUÇU?
FD - Era a mesma Itaberabuçu, a terra encantada! Rica em ouro e prata! Civilização milenar! Riquezas espalhadas pelos regatos, pelas matas, pelas encostas e pelos vales. Terra em forma de paraíso.
E - E VUPUBAÇU?
FD - Ou Vapubuçu! Uma lagoa imensa, com as margens de prata e pedras preciosas. Uma das maravilhas ocultas da humanidade. Pisar ao seu redor seria um bem da natureza. Quem não teria construído no seu ideário uma fantasia de enfrentar o desconhecido para alcançar um paraíso, aqui mesmo nesta terra?
E - E as inscrições de voluntários foram aparecendo?
FD - Os capitães e os chefes de grupos eram convidados. Os voluntários brancos dispunham dos seus bens, das suas posses, armazenando condições para a longa viagem. Os índios eram obrigados a se incorporarem às expedições. E havia ainda os negros escravos para os serviços braçais.
E - Os índios eram obrigados a se incorporarem às expedições?
FD - Os índios aprisionados eram mantidos para serviços de patrulhamento e de guias. Prestavam bons serviços, conheciam caminhos e trilhas, sabiam enfrentar animais selvagens, répteis e, além disso, sabiam caçar. Por isso, aprisionados, domesticados, eram bons companheiros.
E - Índios aprisionados?
FD - Sim! Havia o aprisionamento de índios! Uma das missões das bandeiras era o aprisionamento de índios para trabalhos usuais. Tornavam-se escravos brancos, por assim dizer. Eram imprescindíveis nas patrulhas. Eram os guias. Quase sempre nômades, conheciam as matas e sabiam lidar com elas. Conheciam  frutas e raízes. Podiam estabelecer contato com outras tribos, conheciam a flora medicinal e podiam se livrar dos animais selvagens com mais coragem.
E - O senhor sabe que esse objetivo de prear os habitantes da terra, os donos da terra, é considerado um ato repulsivo?
FD - Vivíamos o ciclo de prear índios!
E - Tudo são águas passadas, mas as Américas, cada uma a seu jeito, têm muito que lamentar por isso, não é verdade?
FD - Seria infantilidade pretender ocultar que o bandeirantismo não se incorpora ao panorama de violência que caracterizou o apossamento das Américas pelos europeus, pode dizer um historiador de época futura.
E - O crime foi do tempo e não dos europeus, poderia dizer hoje, em irônica justificativa.
FD - Talvez tenha razão, embora eu não ter percebido isso na minha época.
E - Sabe-se nos dias avançados que “o ciclo do aprisionamento do índio é uma das mais cruéis manchas da história brasileira e para a qual não há nenhuma desculpa”, como mais tarde disse alguém.
FD - Nunca permiti uma ação corretiva. Sei que centenas morreram por doença, fome, cansaço nessas expedições. Nenhum índio na minha companhia foi maltratado.
E - Peço me desculpar por esse desvio de rota na nossa conversa. Como disse, são águas passadas. Entretanto, o senhor teve que prestar juramento para assumir o comando da Bandeira?
FD - Sim. Tive que prestar juramento perante o Capitão-mor da capitania de São Vicente, na saída de São Paulo, no dia 21 de julho de 1674.
E - Todos os seus auxiliares imediatos estavam presentes?
FD - Todos eles. Matias Cardoso era meu imediato. Meu filho Garcia Rodrigues Pais, meu genro Borba Gato, Francisco Dias, meu sobrinho, demais capitães e frades acompanhantes. Além deles, meu filho bastardo José Dias. Quarenta brancos e centenas de tupis. Não posso informar o número certo.
E - Uma grande responsabilidade embrenhar-se nas matas com tão grande número de pessoas.
FD - A história há de julgar o meu destemor. A minha equipe de capitães, os peões, os meus bravos soldados acompanhantes, formavam um só corpo militar, imbuído de princípios e regulamento quase sempre verbais, prontos para enfrentar situações adversas com a natureza e mesmo na aplicação de normas internas disciplinares para o bom relacionamento.    
E - E que rumo tomaram?
FD - Como disse, partimos de São Paulo no dia 21 de julho de 1674, em direção a Taubaté, depois a Guaratinguetá e, na Mantiqueira, enfrentamos a garganta do Embaú. Era dia após dia, sem descanso e, como disse, a nossa expedição era uma cidade em movimento. Depois, atingimos Passa Quatro, Pouso Alto, Caxambu, Baependi, Ingaí para, finalmente, chegar a Ibituruna, onde permanecemos durante o período das águas.
E - Esse roteiro não foi planejado, não é verdade?
FD - Sim, não sabíamos o que iríamos encontrar no trajeto diário. Há pessoas que julgam que fizemos outro itinerário para chegar a Ibituruna. Mas, para esclarecer melhor esse ponto, pode realmente ter havido pequenas alterações, mas não havia essas localidades ainda. Nossa Bandeira foi plantando roças, povoados. Os nomes foram surgindo e não havia placas demarcadoras dessas localidades por onde nós passávamos. Apenas as trilhas ficavam.
E - Quanto tempo deve ter gastado nessa primeira etapa da viagem?
FD - Chegamos a esse local, que chamamos Ibituruna ou Ibitiruna, uma serra negra, na segunda metade do mês de setembro de 1674. Gastamos, pois, dois meses de viagens continuadas.
E - Esse primeiro arranchamento tornou-se histórico?
FD - Sim! Uma paisagem maravilhosa, com a natureza se abrindo em flores com a chegada da primavera. Aí, nesse local, Ibituruna, é considerado O MAIS ANTIGO LAR DA PÁTRIA MINEIRA.
E - Hoje, informo ao senhor que o ex-Governador do Estado de Minas Gerais, no ano de 1974, Rondon Pacheco, prestou-lhe uma homenagem muito carinhosa. Fixou uma placa e um monumento especialmente erigidos com os dizeres:

1674 – 1974 – I B I T U R U N A - PRIMEIRO POVOADO MINEIRO FUNDADO PELA BANDEIRA DE FERNÃO DIAS PAIS – HOMENAGEM DO ESTADO DE MINAS GERAIS NAS COMEMORAÇÕES DO TRI-CENTENÁRIO DE SUA FUNDAÇÃO – GOVERNO RONDON PACHECO.

FD - Retorno meu olhar a esse passado distante, quando ainda estava cheio de entusiasmo pela minha ousada jornada pelo interior do território do atual estado de Minas Gerais. Relembro Ibituruna, a serra negra, no meu primeiro pouso, na minha primeira parada para plantação de roças e construir benfeitorias. 
E - Permaneceu em Ibituruna algum tempo?
FD - Permanecemos em Ibituruna possivelmente seis meses, até que o período de chuvas passasse e as águas dos rios baixassem um pouco. Aí ficou o corpo da Bandeira, fazendo benfeitorias e plantando roças. Aí ficaram alguns peões, dando continuidade às benfeitorias e roças plantadas. Estávamos já a quinhentos quilômetros de São Paulo. Ainda tínhamos um bom caminho pela frente.
E - Que destino tomou?
FD - Em março de 1675, deixando Ibituruna, transpusemos o divisor de águas do rio Grande e São Francisco, chegando ao vale do Paraopeba, - água barrenta – água rasa – descendo até São Pedro do Paraopeba, hoje Belo Vale.
E - E depois?
FD – Finalmente, nesse período, chegamos a um lugar que chamamos Sumidouro, hoje, região de Pedro Leopoldo. Nesse local, procuramos nos estabelecer para pesquisar as redondezas, nas nossas buscas minerais.
E - No Sumidouro – Pedro Leopoldo – permaneceu algum tempo mais.
FD - Sim. Aí arranchamos. Aí ficamos por quase sete, isto é, até por volta de 1680, nas proximidades do rio das Velhas – Usimií – com tempo para pesquisar a região, atingindo até Ribeirão do Carmo, com a descoberta dos primeiros sinais de ouro disponível.
E - Foi um longo período. Foi a segunda pátria da cultura mineira? E as esmeraldas?
FD - Até então não vimos esmeraldas, a não ser no meu sonho e nos meus propósitos. Trabalhamos muito no Sumidouro, uma bela região fértil. Achei que podíamos ficar mais tempo nesse local. Foi um período de observação e de grandes expectativas. Passamos por belos momentos e, depois, porque não dizer, por trágicos momentos que gostaria de apagar da minha memória. 
E - Sim?
FD – Estávamos sem resultados e em situação de perda total. Decidimos rumar para o norte, com os recursos recebidos da minha mulher, vendendo suas últimas propriedades, ouro e prata de suas filhas. Em desespero, levantamos acampamento. Com sacrifícios redobrados atingimos Itamarandiba – pedregal miúdo – e, Serro Frio. Finalmente, Itacambira – pedra ramificada, bifurcada.
E - A Bandeira já não estava completa nessa ocasião!
FD - É verdade. Matias Cardoso me comunicou que estava de retorno a São Paulo. Que fazer? Velho amigo, companheiro, meu ajudante mais próximo. Tive que concordar. Com ele voltaram os frades. Que posso fazer? Meus argumentos foram em vão. Posso levar um cavalo ao rio, mas não posso obrigá-lo a beber. É o destino. Estávamos, nessa ocasião, a dois mil quilômetros de São Paulo, de acordo com a minha previsão.
E- Em Itacambira houve acontecimentos relevantes?
FD - Passamos por momentos de indecisão. Estávamos arranchados, pesquisando minerais pelas cercanias, fazendo benfeitorias e plantando roças. Surgiram dificuldades pela incompreensão, pela monotonia, pelo cansaço, pelo desconforto, pela fome. Mataram-se até os cachorros. Fome generalizada. Nada disso seria surpresa para nós. Mas um grupo resolveu protestar. Protestar, decidindo retornar para São Paulo, imediatamente, querendo também levar mantimentos e armas que, para nós, já eram reduzidas.
E - E a rebelião?
FD - No nosso vocabulário não existe a palavra rebelião. Desistir? Nunca. Em frente, na busca do nosso objetivo: as esmeraldas. E sabe o que esse grupo de rebeldes decidiu? Assassinar o chefe da Bandeira, para não haver impedimentos.
E - Como o senhor ficou sabendo?
FD - Logo, vieram me contar. Decidi, naquele mesmo momento, que o chefe dessa rebelião seria condenado à morte. E sabe quem era o chefe da rebelião? O meu próprio filho José Dias Pais. Era filho bastardo e muito amado. Tive que cumprir o juramento que fiz. Foi a minha decisão.
E - E depois? Foi uma decisão ou uma condenação?
FD - Quando saí de São Paulo não imaginava perder nem uma das batalhas. Infelizmente, não posso deixar de confessar que uma dor profunda e uma tristeza sem fim tomou conta de mim, tomou conta do meu corpo, do meu coração, dos meus sentimentos mais profundos. Entretanto, perdi batalhas, mas não saí para perder a guerra. Foi uma decisão irrevogável de um chefe de uma expedição em desespero. Sei que os companheiros ficaram estarrecidos, mas cumpri e ordenei o enforcamento.
E - Lamento ter feito o senhor retornar o pensamento para momentos tão conturbados. Sinto muito!
FD - Todos nós sentimos demais. A minha mão no cumprimento da decisão foi muito pesada e sentida por todos. O silêncio pairou como nuvem ameaçadora e ninguém teve mais palavras nesse dia.
E - Compreendo.
FD - Continuamos as nossas pesquisas minerais pela redondeza. Que fazer? Temos que encontrar novamente a rotina do trabalho.
E - Mas foram premiados com as primeiras esmeraldas?
FD - Alguns dias depois, encontramos um veio de pedras verdes maravilhosas. Não resisti e dei um grito para os companheiros. Borba Gato deu dois tiros para o alto. Minhas mãos se encheram de pedras verdes. Um momento de êxtase. Eu sabia! Eu sabia!
E - Que providências?
FD - Catar pedras verdes e colocá-las com carinho nos nossos embornais. Pedras grandes, brilhantes e pedras pequenas mais coradas. Tudo tem valor para a nossa glória. Como descrever esse momento? Cumpria pesquisar mais as cercanias e estender nossas vistas pelo caminho de volta. Agora sim! Podíamos retornar!
E - E mais? Alegria incontida?
FD - Realmente. Aí encontramos pedras verdes em boa quantidade. Finalmente enchi minhas mãos com as benditas esmeraldas, razão da minha expedição e coroamento de tudo quanto imaginei de sucesso. Borba Gato, meu genro, deu mais tiros ao alto e nos abraçamos em plena comemoração dessa ocorrência tão aguardada.
E - Mas era o momento das comemorações!
FD - Claro que sim. Ajuntamos o que pudemos em sacos especiais. Pedras grandes e pequenas. Dois ou três sacos bem dispostos nas cargas, em regresso.
E - Finalmente em regresso a São Paulo?
FD - E, no regresso ao lar, os passos são sempre mais largos. Tínhamos que passar pelo Sumidouro e, dali, seguir nosso caminho para São Paulo.
E - Foi na chegada à Quinta do Sumidouro que a febre o pegou?
FD - Era a febre maleita. A “carneirada” como diziam. Garcia, meu filho muito amado, preparou as beberagens. Nada aliviava a minha tremedeira e finalmente, não resisti, justamente à vista da minha Quinta do Sumidouro.
E - Que providências foram tomadas?
FD - Daí pra frente, não posso dizer mais nada com a precisão das minhas palavras, sempre corretas. Falaram-me em embalsamamento do meu corpo, à maneira dos índios. Colocado meu corpo em cova rasa e fogueira por cima. Depois, meu corpo teria sido colocado numa caixa. Não posso confirmar. Entretanto, ao atravessar o rio das Velhas, a canoa que me transportava não resistiu ao peso e naufragou. Minhas pedras estavam juntas em grande peso. Perdemos tudo!  Garcia se pôs em desespero e permaneceu no local por vários dias. Encontrou o saco das pedras, mas meu corpo, só foi encontrado em local muito abaixo do rio, vários dias depois, a grande distância.
E - Nesses dias, já no Sumidouro, chega o fidalgo castelhano. Mas pode dizer alguma coisa sobre esse fidalgo, D. Rodrigo Castel Blanco?
FD - Não é mais do meu tempo. Chegou junto a nós, entretanto, esse fidalgo que portava carta da Coroa Portuguesa, designando-o governador de todas as minas encontradas e por encontrar. Eu teria me assustado com essa carta. Era um petulante dominador, sei bem. Depois de todo nosso trabalho e de todo nosso sofrimento!
E - Ficou sabendo dos acontecimentos?
FD - Sei que Garcia Rodrigues entregou-lhe todas as pedras verdes que trouxemos de Itacambira, lavrando e transferindo termo de posse. Sei que também Borba Gato, de temperamento mais agressivo, não teve a tranquilidade para suportar a petulância desse nobre fidalgo castelhano.
E - E essas pedras verdes chegaram a São Paulo e a Portugal?
FD - Tenho a certeza de que sim.  Não poderia imaginar que tal fato não ocorresse como coroamento de tanto sacrifício e tanta obstinação.
E - E a qualidade dessas pedras?
FD - Sempre foram pedras lindas, verdes, reluzentes. Não fiquei sabendo o destino delas.
E - Eram esmeraldas?
FD - Para mim, sempre foram esmeraldas da melhor qualidade e pureza, pelo seu brilho e pelo seu esplendor. Aos meus olhos sempre foram esmeraldas e ainda as vejo luzindo, ofuscando meus olhos.
E - Esmeraldas ou turmalinas?
FD - Todas verdes e maravilhosas, ostentando a beleza escondida no seio da terra brasileira, no mais recôndito do seu ser. Para mim, sempre foram esmeraldas!  
E - Que sejam esmeraldas ou turmalinas, não importa. E Borba Gato se desentendeu com D. Rodrigo? Ficou sabendo?
FD - Fiquei, sim, dias depois. Não o culpo por isso. Talvez eu mesmo teria feito a mesma coisa que ele fez. Em luta corporal, D. Rodrigo levou a pior. Borba Gato matou-o, pois, em meu nome. São acontecimentos ocorridos sem a minha presença, infelizmente.
E - O senhor deve ter falecido com 73 anos de idade, no ano de 1681, pois nasceu em 1608?  
FD - É verdade. Com todas as dificuldades da vida rústica e precária, tive uma vida de trabalho durante setenta e três anos.
E - Sinto muito por esses acontecimentos. Consta, entretanto, que seus restos mortais estão depositados no mosteiro de São Bento, em São Paulo?
FD - Nada posso confirmar. Seria bom que a lápide conjugada com minha esposa Maria Garcia Rodrigues Betim estivesse junto a mim e disponível para a recordação dos meus feitos e da minha disposição para novas descobertas minerais. Por sete anos vivemos distantes um do outro. Talvez seja apenas um gesto de carinho dos meus conterrâneos paulistas, colocando-nos juntos no descanso eterno.
E - Finalmente, agradecendo a franqueza e a sinceridade de suas palavras, que mensagem gostaria de transmitir a seus conterrâneos paulistas?
FD - Para eles, uma pequena palavra bastaria: honrei  as tradições do meu povo pela bravura e pela obstinação! Deixo uma palavra de agradecimento por terem acreditado em mim para uma expedição memorável pelas matas, pelas montanhas e pelos rios do sertão desconhecido, que durou sete anos. Agradeço as providências do meu irmão Padre João Leite, intercedendo junto às autoridades a favor da minha esposa Maria Rodrigues Garcia Betim, empobrecida pela minha coragem e ousadia desvairada. Não posso deixar de abençoar a estrada BR Fernão Dias, assim denominada em minha homenagem, pelo meu primeiro percurso. Meus olhos se voltam para o seu grande destino, facilitando os viajantes, os bandeirantes da modernidade.
E - E para os povoados, vilas e cidades fundadas pela sua Bandeira? São agrupamentos de seres humanos que têm a sua paternidade!
FD - Sei que meu filho Garcia Rodrigues foi sempre prestigiado pelos mineiros. E ele prestou serviços ao estado de Minas Gerais traçando os rumos do CAMINHO NOVO, constituindo hoje a Estrada Real. Sei que achou ouro e teve prosperidade e consideração especial na região de Pitangui. Sei que Borba Gato sempre foi estimado e considerado em Sabará. Sei que achou muito ouro e teve vida próspera. Lanço o meu olhar com um leve sorriso de aprovação. Vejo-os em abraço fraterno, vigilantes seguros dos destinos dos velhos povoados, hoje tão prósperos e hospitaleiros. Tenho as maiores recordações da minha Quinta do Sumidouro. Finalmente, tenho a certeza hoje de que o nosso sacrifício não foi em vão! As esmeraldas verdes transformam em campos floridos de grupamentos humanos!
E – Agradecemos as suas palavras e esses ensinamentos para reflexão.Expressamos os sentimentos mais puros em reconhecimento pela participação no desbravamento do sertão brasileiro. Nas terras de Minas Gerais seu nome está ligado a esmeraldas e esmeraldas, a Fernão Dias Pais.





Bibliografia
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ARANHA, Patrícia. Minas nasce do sonho da montanha preciosa. Belo Horizonte: Estado de Minas, 1º.de outubro, 2000.
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Roteiro da bandeira de Fernão Dias Pais. Belo Horizonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. XVII, 143-164, 1977
FERNANDES, Raymundo Nonato. Nas origens de Minas Gerais. Belo Horizonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. XXIII, 101 – 113, 2000
LEITE, Mário. Paulistas e mineiros, plantadores de cidades. São Paulo: EDART, 1961
NUNES, Ismaília de Moura. Fernão Dias, plantador de cidades. Belo Horizonte: Suplemento especial da Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1982
PÉRET, Luciano Amedée. Ibituruna, primeiro povoado mineiro. Belo Horizonte: Suplemento especial da Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1982
TAUNAY, Afonso de E. História geral das bandeiras paulistas. São Paulo: Imprensa Oficial, 1945
VASCONCELOS, Diogo. História antiga de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974
VASCONCELOS, Salomão. O fim de Fernão Dias e as dúvidas sobre o seu jazigo. Belo Horizonte: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. IX, 156 – 166, 1962.

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