quinta-feira, 9 de agosto de 2012

TIRADENTES - ENTREVISTA VIRTUAL


“Se todos quisermos, poderemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la”
JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER - HERÓI DA LIBERDADE DO BRASIL -
PATRONO CÍVICO DA NAÇÃO BRASILEIRA


Autor: Rogério de Alvarenga
           
Apresentação
Esta entrevista virtual traz informações seguras sobre a inconfidência mineira, movimento libertário que eclodiu na região de Vila Rica do Ouro Preto, no século XVIII. O Alferes Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, foi considerado o principal réu no processo instaurado: “AUTOS DA DEVASSA”, que foi montado por juristas portugueses, contratados para esse fim. Esses Autos da Devassa estão voltados, pois, para os interesses de Portugal, na defesa do seu patrimônio na colônia. São, entretanto, documentos valiosos e devem ser estudados adequadamente.  Aqui, o próprio Alferes apresenta a sua versão dos fatos ocorridos na época, para que não fiquem dúvidas quanto a sua personalidade, seus objetivos e sua participação direta nesse movimento. Os documentos oficiais e os compêndios dos pesquisadores são necessários para aprofundamento dos assuntos aqui abordados, para a continuidade e expansão da análise dos fatos históricos.  Nesta entrevista virtual, terão a oportunidade de conhecer mais alguns aspectos sobre a Inconfidência Mineira.  É uma contribuição modesta para a divulgação da verdade dos fatos históricos.  

ENTREVISTADOR:
Senhoras e senhores! Com exclusividade nacional, vamos apresentar uma entrevista com o alferes Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, nesta cidade de Vila Rica de Ouro Preto, ex-capital do Estado de Minas Gerais, no mais alto destas montanhas libertárias, de longos e ousados horizontes. O povo brasileiro reverencia o alferes Tiradentes como, de fato e de direito, PATRONO CÍVICO DA NAÇÃO BRASILEIRA, PATRONO DA POLÍCIA MILITAR E CIVIL DO BRASIL E PROTOMÁRTIR DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL. Estamos, agora, frente a frente, com a figura majestosa do herói da liberdade desta grande e livre nação brasileira. Eis, conosco, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier! Boa noite, Alferes Joaquim José da Silva Xavier!
ALFERES TIRADENTES – Boa noite!
E - Chegando agora a Vila Rica?
T - Sim. Chegando agora.
E - Desculpe-me por fazer uma pergunta inicial muito forte, mas o senhor, Alferes, é ídolo do Brasil inteiro e o povo gosta sempre de saber detalhes sobre a vida dos ídolos. Por isso é que vou fazer algumas perguntas. O senhor foi enforcado no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1789?
T – Não propriamente. Fui enforcado nesse dia de abril, mas em 1792 – fiquei três anos preso, incomunicável, numa prisão estreita, escura e fétida na ilha das Cobras, no Rio de Janeiro.
E - Mas uma coisa me deixa curioso: por que pediu licença ao seu carrasco Jerônimo Capitania, para beijar as suas mãos e os seus pés, na hora do enforcamento?
T – Foi apenas um ato de humildade. Naquela hora, me curvei, mas não me quebrei. Isso, nunca! Foi como Jesus Cristo, lavando os pés dos apóstolos.
E – O senhor é português?
T – Filho de português. Fiquei órfão de mãe, que era paulista, aos 9 anos e de pai aos 11. Fiquei só no mundo, como estou até agora. Meus irmãos cuidaram de mim enquanto puderam. Nasci na fazenda do Pombal, hoje pertencente à Ritápolis, perto de São João Del Rey. Sou da nação brasileira de Minas Gerais.
E - Mas o alferes é também um rico minerador de ouro? Em Vila Rica, todos têm uma bateia debaixo do braço, faiscando...
T – No meu caso, não. Sou alferes da Cavalaria Paga de Vila Rica e dedico todo meu tempo ao meu trabalho.
E - Mas tem as suas economias?
T - Tenho sim, algumas economias, Porque, antes de entrar para a Cavalaria, eu trabalhei muito de mascate, de dentista e, por isso me chamam de Tiradentes. Também eu entendo de plantas medicinais e receitava para os que me procuravam.
E - Portanto, o senhor, como militar, é um fiel servidor da soberana rainha de Portugal.
T – Nada mais do que isso. Sou encarregado das mais ousadas tarefas, para garantir a segurança, a nobreza e a divindade dos reis e rainhas.
E - Divindade dos reis e rainhas? Que significa isso?
T – Como dizem. Entretanto, todos nascemos nus. A natureza não distingue um príncipe de um mendigo. Se somos iguais perante a natureza, somos iguais perante a lei. Como disse, estou alferes – nunca consegui uma promoção! Não tenho tempo para bajular. Sou sempre o escolhido para as missões mais perigosas e não para promoções. Mesmo assim, não desisto facilmente de um empreendimento.
E – O senhor está satisfeito com o seu trabalho? Pode ser claro.
T – Sou militar de carreira, como disse. Se continuo, é porque estou satisfeito.
E - E o poder divino dos reis?
T – Vivemos tempos modernos. Há mudanças na França, na América Inglesa, com o povo no poder. Os reis estão na terra como seres comuns e vêm impingindo o medo e a insegurança no povo pela teologia, há séculos, usurpando a privacidade de todos. Eles mesmos, os reis e rainhas, estão agora apavorados, atingindo as raias da loucura. Dona Maria I, rainha de Portugal, está sabendo o que vem acontecendo com a bela Maria Antonieta na França e com Luis XVI. Pode ter o fim deles também, subindo os degraus da forca.
E – O senhor lê muito. Já leu sobre as leis institucionais dos Estados Unidos e também livros franceses sobre o Iluminismo. O senhor costuma citar o filósofo Rousseau. Segue as suas teorias?
T – Liberdade, igualdade, fraternidade – tese universal!
E – Quais as suas previsões?
T – Nem posso prever! Milhares de anos de opressão dos reis sobre o povo ignorante e faminto. Um dia, vislumbro a igualdade entre os povos, mesmo que seja a longo prazo. O povo no paraíso!
E -- Mas isso é uma mudança radical! Acredita nela?
T – Os reis e a nobreza estão apreensivos, temerosos, impotentes ante as novas ideias pregadas com sangue nas ruas de Paris.
E – E essas ideias podem ser fatais ao senhor, pois são perigosas.
T – Os tronos são obstáculos odientos e usurpadores da plena felicidade do povo. E têm que ser combatidos!
E – Suas respostas me deixam também temeroso. Espero que não lhe tragam constrangimento e nem consequências desagradáveis.
T – Nunca deixei de falar o que penso em qualquer lugar e com qualquer pessoa que seja. Não tenho medo e afronto o perigo com desafio e coragem. Digo o que penso, meu ideal, meu sonho de ver este país tornando-se uma república livre e independente.
E – Daí surgiu a ideia de um levante em Vila Rica? É a famosa revolução dos poetas?
T – Não só dos poetas, mas de militares, empresários, mineradores, religiosos.
E – E os poetas?
T – Dizem a revolução dos poetas tentando desmerecer o movimento que se avoluma, que cresce a cada dia pela vontade do povo. Poetas, sim, intelectuais, arautos da liberdade a qualquer custo! Liberdade de expressão, na divulgação dos sentimentos do povo escravo.
E – Mas, poetas?
T – É a expressão da cultura dominante, uma vertente da arte da nossa metrópole Vila Rica, a mais populosa e rica cidade do mundo nessa época. Reuniam-se na Arcádia, para discussão de temas culturais, econômicos, financeiros, políticos. Antes de tudo, para divulgar os acontecimentos do mundo moderno.
E – O que vem a ser poeta?
T – Ser poeta é ter a coragem de expressar seus sentimentos mais íntimos, seu ideário de liberdade, com eloquência e destemor.
E – E os nobres e fidalgos?
T – Estão em baixa. Odeiam o povo. Repetem com frequência a expressão maldita: “o povo fede!”
E – Alferes, o senhor, nas suas conversas, sempre fala em transformar o regime do Brasil numa república. Refere-se à América Inglesa?
T – Sim! Aos Estados Unidos da América. Um triunfo completo. Um sistema republicano instaurado em 4 de julho de 1776, e com liberdade.
E – E essa liberdade que existe na república tem limites?
T – Sim, é lógico que tem, mas quem determina seu limite são as leis votadas democraticamente e a liberdade de uma pessoa termina onde começa a de outra.
E – Alferes, o senhor disse que era designado para ousadas tarefas, e acredito que uma delas era o comando da patrulha nas estradas.
T – Comandava e patrulhava o caminho novo. Estrada perigosa, cheia de assaltantes, ladrões nas emboscadas. Protegia os viajantes e tropeiros, transportando centenas de quilos de ouro. Levavam tudo para o Rio de Janeiro, centenas e centenas de quilos de ouro. Pelo tratado de METHUES, dali seguiam o caminho de Londres, império britânico, em troca de proteção a Portugal que tinha medo da Espanha. Era o quinto do ouro. A maior parte desse ouro, entretanto, tomava o rumo de São Paulo, pelas mãos dos exploradores ousados e gananciosos. Centenas de mineradores paulistas. Levaram tudo que encontravam. 
E – Mas o alferes parece um revoltado!
T – Não posso negar que não fico revoltado. Chega um novo governador e em três anos vai embora com as cargas cheias de ouro. Ele e os serviçais. Luto pela liberdade de nossa terra.
E – E com que idade o senhor foi enforcado?
T – Aos 45 anos, solteiro. Deixei uma filha e um filho. Nada mais.
E – Não tinha medo do que aconteceu com Felipe dos Santos que foi esquartejado em Mariana em 1720?
T – O destino dos idealistas é a morte, sem túmulo. A liberdade não tem preço, não conhece limites. Todos vivem aqui, hoje, em cárcere aberto! Não temo os truculentos. Falo por mim, para as gerações futuras.
E – E Joaquim Silvério dos Reis?
T – Sempre foi meu amigo e confidente. Dez anos mais moço que eu. Ele tem muitos alqueires de terra, duas centenas de escravos, mas deve 220 mil réis à Fazenda Real.
E – Ele participava do levante?
T – Claro! Ele queria ficar livre da dívida. Ambicioso demais, aquele baixinho atarracado, grosso e solteirão.
E – E os bacharéis que chegam de Coimbra?
T – Iam logo dizendo que em Minas não há homens. O Silvério é companheiro ousado. Está fazendo campanha disfarçadamente. Homem de plena confiança.
E – E o novo Brasil? Como será após a independência?
T – Povo rico, fábricas abertas, sem mandar, obrigatoriamente, uma parte para Portugal, sem que ele pague o que qualquer outra nação vai pagar.
E – O alferes não percebeu que muitas pessoas estão se afastando do senhor por causa de suas ideias e seus discursos?
T – Algumas, sim. Outras, não. Falo abertamente de um plano ou sonho. Continuo na minha fé de ajudar a construir um país novo. Para os medrosos, todas as portas se encontram fechadas.  
E – Sabe que andam dizendo que o senhor é louco?
T – Pode ser isso. Vejo mais do que os outros. Sinto profundamente a exploração selvagem do ouro de Vila Rica. Sou uma pessoa de múltiplas funções. Já fui tropeiro, cirurgião dentista, minerador, soldado, médico e engenheiro. Vou construir um trapiche no cais do porto do Rio de Janeiro e ainda modernizar a captação de água. Conheço todo o caminho novo, de fio a pavio, e conheço demais a cidade do Rio de Janeiro.
E – O senhor é mesmo corajoso!
T – Não precisamos de governadores gananciosos. Uma voz tem que se levantar dessa multidão de cordeiros famintos que ama os lobos. Cabeça baixa, chapéu na mão. Pobres e miseráveis, endividados. E a rainha de Portugal, milionária. Que leve o diabo.
E – Fala isso em qualquer lugar?
T – Nas pensões por onde passo, com os tropeiros, com os amigos e com os inimigos, em todos os lugares onde alguém pode me escutar!
E – E o senhor já está conhecido em todos os lugares!
T – Conheço menos do que me conhecem. Até o governador me conhece e eu mesmo não o conheço. Nas ruas e nas praças, me tiram o chapéu.
E – Chamam-no de louco!
T – Louco por liberdade. Os bárbaros portugueses não poupam nada para nos fazer submissos, com receio de que possamos seguir os nossos próprios passos.
E – E o que pretende?
T – Uma república livre e independente, uma bandeira, a libertação dos escravos, uma universidade.
E – E isso não é a própria loucura?
T – Pode ser para alguns. Quem vê o horizonte, vê o caminho a seguir.
E – E se tudo fracassar?
T – Pelo menos o primeiro passo estará dado. Cumpre aos seguidores dar o segundo passo. Sem o primeiro não haverá o segundo. E não haverá o último!
E – O governador Luis da Cunha Menezes deve estar preparando alguma coisa contra o senhor!
T – Ele já está rico e vai embora. Chega o Visconde de Barbacena, para substituição. Sai um novo rico chega um novo pobre. Todos submissos à poderosa rainha de Portugal, cordeiros famintos, na busca do quinto do ouro de todos os mineradores. Com a derrama, saia de onde sair. O ouro tem que aparecer.
E – Que significa o quinto?
T – Se você extrai cem quilos de ouro, automaticamente, vinte quilos são da rainha. Sem dó, nem piedade. Quem não colhe tem que pagar do mesmo jeito. Dívidas se fazem mesmo sem pedir emprestado, simplesmente por viver em Vila Rica. Dívidas impagáveis.
E – Não havia defensores do povo?
T – O ouvidor, Tomás Antônio Gonzaga, tudo via e ouvia. Mas nada podia fazer porque era seu dever proteger o reino português.
E – O ouvidor Tomás Antônio Gonzaga era também um grande poeta?
T – Um grande poeta que se denominava Dirceu, apaixonado pela Marilia – Maria Doroteia Joaquina de Seixas. Iam se casar. Ela tinha 17 anos e ele 45.
E – Não se casaram?
T – Não se casaram porque foi preso oito dias antes do casamento.
E – Que pena não se casarem!
T – Estavam de romance há muito tempo. Os parentes dela resistiram muito. Mas, o amor é cego. Conversavam das janelas com seus lencinhos brancos. Tinham um código. Ela era uma jovem de beleza simples e natural.
E – Amavam-se à distância?
T – Isso. Ele fazia versos e mandava pra ela. Ela bordava os lencinhos brancos para ele.
E – Família importante a dela?
T - Ela era filha de um capitão, mas órfã de mãe. Gonzaga deu-lhe o nome suposto de Marília. Para ele, Dirceu. Então surgiu Marília de Dirceu.
E – Quem era esse Gonzaga?
T – Português, bacharel, jurista, figura de maior relevo na Capitania. Poeta. Escreveu Tratado do Direito Natural.
E – Ele devia ser um homem muito poderoso!
T – Elegante nas posturas e no vestir. Sabia até bordar. Na Europa os homens faziam trabalhos magníficos.
E – E Cláudio Manuel da Costa
T – Era jurista, advogado, 60 anos, solteiro. E havia o Inácio José de Alvarenga Peixoto, casado com Bárbara Heliodora. E tantos outros...Unidos pelo mesmo ideal, todos sonhando com uma pátria livre. Pobres e ricos!  Militares, religiosos, intelectuais, mineradores, fazendeiros, donos de estalagem, agrimensores, alfaiates.
E – O senhor e os outros conspiradores o que decidiram?
T – Um levante. Tomar o palácio do Governador, sua guarda. Dominar a  Capitania em menos de uma hora. Meu plano foi discutido e aprovado por todos. Eu teria a honra de invadir o palácio do Governador, prender o Visconde de Barbacena, ou cortar a sua cabeça, se fosse preciso. Houve ideias contrárias ao corte de sua cabeça. Os religiosos acharam que não devia. Na hora, eu iria decidir. Seria o primeiro passo. Nada podia falhar. Eu sozinho iria fazer o mais importante. Uma honra pra mim. Sempre as missões mais perigosas. O governador seria surpreendido sem tropas, sem munição, libertos os escravos e o povo livre dos impostos. A pátria livre! “quereis a liberdade ou a tirania?” A capital seria São João Del Rey. Vila Rica seria a sede da universidade. Estaria instaurada a Republica do Brasil. Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa estavam elaborando as novas leis dessa república nascente e livre, aberta para o mundo.
E – Mas nada disso aconteceu?
T – Não tinha chegado o dia. Eu estava no Rio de Janeiro, licenciado da Cavalaria, para meu projeto de trapiche e captação de água potável.
E – E o que houve?
T – O Joaquim Silvério dos Reis pediu audiência ao Governador Visconde de Barbacena e contou tudo. Eu não sabia de nada. Delatou. Deu nomes, citou lugares de reuniões e a tática de execução do plano. Disse que o primeiro a ser morto seria o próprio Governador Visconde de Barbacena. E falou que eu, o alferes Tiradentes, seria incumbido de cortar o seu pescoço.
E – O governador acreditou?
T – Mesmo sem acreditar, acreditou. Mandou o Silvério escrever tudo e relatar tudo no papel. Queria um documento. Claro que ele antevia a montagem da Devassa ou formar o “corpo de delito”!
E – E Joaquim Silvério dos Reis foi o Judas?
T – Eu me encontrei com ele dois dias antes. Confabulamos firmemente. E ele escreveu tudo e entregou ao Visconde de Barbacena. Mesmo assim, continuou no convívio dos confederados.
E – E o Visconde de Barbacena?
T – Mandou chamar depois Joaquim Silvério para ser portador de carta ao Vice-Rei, no Rio de Janeiro.
E – E a capitania?
T – Estava entregue a brasileiros. A libertação estava à vista se não fosse a delação do Joaquim Silvério. Sua Majestade não tinha aqui, em Vila Rica, nem um barril de pólvora. Tinha que pedir soldados, pedir munição.
E – Que fez o Visconde de Barbacena?
T – Suspendeu a derrama. Suspendeu a cobrança de impostos. O povo aplaudiu de imediato. Nossos confederados ficaram atônitos. Alguma coisa tinha acontecido e ninguém tinha ficado sabendo. Joaquim Silvério delatou, o Visconde se protegeu, mas ninguém sabia da traição de Joaquim Silvério. Percebiam qualquer coisa no ar. Combinaram então negar tudo. Nego tudo. Nego.
E – A suspensão da derrama foi uma bomba?
T – Uma bomba de altos significados. Nosso lema: “LIBERTAS QUAE SERA TAMEN” estava suspenso no ar. Nossa bandeira em triângulos tremulava no ar, mas agora açoitada por fortes ventos ameaçadores.
E – Mas o senhor estava no Rio de Janeiro, não estava?
T – Sim... eu estava trabalhando no meu projeto. Não estava sabendo de nada. Falava com todas as pessoas divulgando os planos de uma república nova e independente. Falei com os cariocas e achei-os fracos – por isso sofriam tanto. Disse que queira vê-los açoitados como negros.
E – Estando no Rio de Janeiro, não notou nada estranho?
T – Percebi que estava sendo seguido. Todos tinham medo de falar comigo. Medo de serem envolvidos em alguma coisa. Sempre covardes e fracos.
E – Estava sendo seguido?
T – Seguido e procurado por onde fosse. Precisava de meu passaporte, meu salvo-conduto para regressar a Vila Rica e não conseguia. Estava sem autorização para viajar. Precisava viajar e não podia.
E – Que providências tomou para voltar?
T – Procurei o Vice-Rei, Luís de Vasconcelos. Sabia que não conseguiria esse passaporte, pelas atitudes de todos.  Sabia também que o levante não teria êxito sem mim em Vila Rica. Sabia que o fracasso seria a morte, a prisão, o esquartejamento, o sofrimento, a tortura nas prisões ou o desterro, a perda dos bens, a destruição das famílias de todos os companheiros. Minha angústia foi total. E eu não sabia de nada sobre a delação do Joaquim Silvério.
E – Em que dia o alferes foi preso?
T – No dia 10 de maio de 1789, uma segunda-feira. Fui conduzido para uma prisão estreita, escura, nos porões da fortaleza da ilha das Cobras no Rio de Janeiro. Incomunicável. Sem saber por quê. Imaginava que teria havido algum acontecimento desagradável em Vila Rica.
E – Aí começaram as prisões?
T – Claro! Todos os confederados foram presos. Alguns trazidos para o Rio de Janeiro, acorrentados. Prisão até para os próprios denunciantes para averiguações. Quem denunciou fora do tempo, fora do prazo, foi preso imediatamente por cumplicidade. Hoje temos a carta denúncia de Joaquim Silvério dos Reis transmitida livremente pela internet. Mas, naquele momento, eu nada sabia.
E – E os interrogatórios.
T – Cada dia um dos confederados era preso, acorrentado e seus bens vendidos em hasta pública. Suas famílias ficavam na miséria imediata, ou socorridos nas casas dos parentes que não tinham medo de ser envolvidos.
E – E o Visconde?
T – Com a documentação em mãos, abriu uma devassa, um inquérito policial com documentos e declarações por mais contraditórios que fossem. Estava aberta a DEVASSA – fulminante e implacável.
E – E o Vice-Rei?
T – Abriu outro inquérito no Rio de Janeiro. Uma devassa a mais, aberta no dia 7 de maio de 1789.
E – E na capitania de Minas Gerais, que aconteceu?
T – Chega a notícia de duas devassas abertas. Todos os implicados se diziam inocentes. Nem se dignavam  ter ouvido as palavras desse tal alferes falastrão, louco, inconsequente. O Visconde nunca viu tanto fingimento. Tantos súditos fiéis à sua Majestade. Todos delatavam. Até o próprio Gonzaga... mas as nuvens da desgraça cobriam a todos.
E – Mas, e Gonzaga? Que aconteceu com ele?
T – Foi preso em 21 de maio, mesmo ainda na cama. Era o primeiro detido em Minas. Foi levado para o Rio de Janeiro em escolta. Em Vila Rica já não havia prisão para tanta gente. Presos incomunicáveis, sem ver a luz do sol.
E – E Alvarenga Peixoto?
T – Foi preso em São João Del Rey. Réus aos montões, perseguidos por patrulhas. Alguns tentaram fugir. Tudo em vão. Os bens foram imediatamente colocados em hasta pública, sem julgamento, sem análise de culpa. Até um estrangeiro, Nicolau Jorge foi preso.
E – E o povo?
T – Povo é povo mesmo. Só aparecia para delatar e procurar ser confidente do governador. O medo era generalizado. O povo procura se proteger denunciando a torto e direito.
E – Todos culpados?
T – Nem uma palavra de contestação. Silêncio sobre as brumas. Ninguém ousava protestar.
E – Afinal abriram-se duas devassas?
T – Sim. Duas devassas, uma no Rio de Janeiro pelo Vice-Rei,  Luis de Vasconcelos e Souza, e outra em Vila Rica, pelo Visconde de Barbacena. E as duas se digladiavam, procurando envolver o maior número de culpados.
E – E havia culpados?
T – Nunca houve culpados e nem foi executada nenhuma ação do pretendido levante. Ninguém tinha nada para se culpar ou de sentir-se culpado. Apenas, os representantes da Coroa portuguesa queriam mostrar fidelidade e produção. Prendiam, envolviam famílias no processo, causando a miséria e a desgraça. Nada mais.
E – Ambas as devassas tinham o mesmo objetivo?
T – Com o mesmo objetivo de eliminar e massacrar um possível desejo despertado na Colônia em ver-se livre do jugo português. Ambas, conflitantes e mentirosas.
E – Então os réus eram inocentes?
T – As devassas se prolongavam com sacrifício e sofrimento extraordinários dos possíveis réus. Aprisionados! Prisões fétidas. E, além de tudo, sem saber o motivo pelo qual estavam presos. Simplesmente porque falaram uma palavra a mais, ou ouviram uma palavra mais eloquente?
E – E os bens das pessoas acusadas e presas?
T – Todos os bens confiscados imediatamente à prisão. Vendidos para financiar as despesas da devassa. As famílias se arrastavam na miséria total e imediata.
E – E o Joaquim Silvério dos Reis?
T – Foi preso na masmorra da ilha das Cobras, nas mesmas condições de todos os demais acusados. Sofreu as mesmas iniquidades, para verificação, para constatação de suas denúncias. Ainda corria o risco de as denúncias estarem fora dos prazos e envolvido no processo.
E – Você foi interrogado quantas vezes?
T – Apenas quatro vezes, com acareações diversas. Um dia, um desembargador me inquiriu: “disseste que os cariocas eram patifes, vis, e que teria sido bem feito que levassem um bacalhau?” Respondi que eles são dormentes e insensíveis ao sofrimento do povo. Disse ainda que o povo é grande e que eu não estaria em condições de riqueza e poder para arrastá-lo à conquista de uma quimera.
E – Houve alguma acareação com Silvério?
T – Sim...eu fui arrastando as minhas corrente. Queria cumprimentá-lo como amigo, pois não sabia de sua delação. Depois, senti a amargura da acusação frontal. Pesou-me mais do que as próprias correntes que eu transportava.
E – Outras acareações e interrogatórios?
T – Voltaram a me perguntar sobre o que tinha dito dos cariocas. Depois, qual a verdade sobre a sublevação de Minas? Nunca dei um nome sequer, nunca falei a palavra “levante”. Nunca dei uma palavra sequer. Não seria confissão porque não tinha nada a confessar a ninguém. Principalmente a esses estrangeiros!
E – Soube que seu amigo Alvarenga Peixoto tinha sido preso também?
T – Tinha uma vaga ideia, mas sem confirmação. Somente depois fiquei sabendo. Pobre Alvarenga, pobre Bárbara Heliodora.
E – Encontrou-se ainda com Alvarenga Peixoto.
T – Numa acareação em 1791, me parece.
E – E Gonzaga? Que crime cometeu?
T – Ninguém cometeu crime algum. O pensamento é livre e voa pelo espaço sem comprometimento. Querem acusar as pessoas pelo simples fato de desejarem uma república para esse novo e grandioso país? Nas horas vagas, Gonzaga versejava para a sua amada, na sua casa, no outro lado da rua. Pobre Gonzaga. Nunca teve amizade por mim. Ia fazer as leis da república. Apenas isso. Crime algum. Um jurista apaixonado, intelectual.
E – Foi assim, até o final?
T – Planos, delações, depoimentos, acusações infundadas. Estou rodeado de zombarias, insultos, mofa. Uma coroa de espinhos. Um louco! Gênio ardente! Homem sem nenhum conceito! Rústico, atroado.
E – Louco?
T – Como eu poderia ser louco se atrás de mim vinham padres, mineradores, empresários, juristas, poetas, militares e até o meu próprio comandante?
E – E a “Inconfidência” estava concluída?
T – Claro e totalmente concluída, documentada pelas mãos dos meus juízes inquiridores que a arremataram como quiseram. Essa “Devassa” foi construída pelos próprios juízes e desembargadores estrangeiros. Eles construíram essa “Devassa” que aí está. Forjaram, mentiram, torturaram até conseguir as formas e os conteúdos desejados. Fiquei só. Fiquei só, como sempre estive na vida. Ninguém por mim. Mas, perante o tribunal ainda respondi: “não!”
E – Mas, finalmente teve que confessar!
T – Não fale essa palavra confessar! Nada tinha a confessar. Poderia relatar as ocorrências, mas nunca em forma de confissão policial. Não cometi um deslize sequer que acusasse a minha consciência, o meu foro íntimo. Tudo em plena convicção em louvor à minha pátria. Mas o tribunal me pressionou mais uma vez. “Você é o cabeça do motim da capitania de Minas Gerais! Você é o louco da sedição! Você convocou e convenceu até estrangeiros! Você é um covarde, alferes traidor de sua Majestade! Todos os seus companheiros, padres, juristas, militares, mineradores, empresários são unânimes em confirmar que suas palavras inflamadas levaram todos à desgraça, ao infortúnio, ao sofrimento sem limites! Confesse, traidor!” Prosseguiram mais acusando do que perguntando. Na minha vez, respondi: “projetei, sim, o levante para criar uma pátria livre e rica! Sempre neguei, mas não foi por covardia. Não queria implicar meus amigos e companheiros justamente para preservar a integridade de cada um deles. Todos me ouviam, me incentivavam e me acompanhavam. Tudo neguei por eles! Pelos meus amigos! Digo, agora, diante destas circunstâncias, com a clareza das minhas convicções – sim, é verdade que eu premeditava esse levante. É minha a ideia. Planejei tudo sozinho! Tenho a fronte erguida para os meus ideais de uma pátria livre e independente do jugo português! E queiram os senhores juízes deste tribunal ou não, mais hoje, mais amanhã as sementes germinarão e o Brasil será uma das maiores nações livres do mundo! Livre do jugo de quem quer que seja! Esta é a minha convicção inabalável. Nunca uma confissão! Não ocultarei a mais leve coisa da verdade. Faltar a ela seria me desculpar, o que não o faço e nunca farei!” 
E – Ficou sabendo o nome dos seus juízes no tribunal?
T – Não perco tempo de saber o nome deles. Sei de cor, mas nem ouso repetir, por asco. Falsificadores, corruptos e fiéis escudeiros da rainha louca de Portugal. Mas um nome eu fiz questão de saber. É do desembargador Machado Coelho Torres, que ouviu as minhas declarações finais. Ele ditou para o escrivão: “confessou livre de ferros e em liberdade!” Um ridículo conflito de ideias e de palavras. Em plena ironia! Não tive como não rir no meu íntimo mais profundo e amargurado. – Livre de ferros e em liberdade!
E – Quais os seus bens que foram sequestrados?
T – Duas canastras de couro com objetos de uso pessoal, uma sesmaria, três escravos e a minha cabeça cheia de ideais de república e de liberdade. Livros, uma rede de algodão.
E – E que fim levou Joaquim Silvério dos Reis?
T – Esteve aprisionado durante nove meses, também incomunicável. Nesse período, seus duzentos escravos se debandaram, suas terras foram invadidas. Sua moral arrasada. Foi a zero e nenhum morador da região ousava dirigir-lhe a palavra, quando foi solto. Um gelo total. Foi premiado por pensão vitalícia de 400$000 anuais. A vida foi cruel para ele também. Viveu bastante para ouvir o grito de independência e nunca mais pôde voltar a ver as montanhas.
E – Mas e o final, a conclusão dessas devassas paralelas?
T – Os dois processos se entrecruzavam, divergiam. Houve substituição de juízes e o próprio Vice-Rei foi substituído por Dom José Luís de Castro, o conde de Resende. Mudanças nos interrogatórios, dúvidas, incompetências, corrupção, chegando-se a desentendimento entre os próprios juízes. Ciúmes de bajuladores, forjando depoimentos, desentendimento e complicação feitos pela ignorância de portugueses e seus descendentes.         
E – E a sentença?
T – Os interrogatórios terminaram. Sai a relação dos condenados e suas sentenças em 18 de abril 1792 – Eram trinta e quatro réus, sendo que três deles faleceram durante o julgamento, inclusive o jurista Cláudio Manuel da Costa, supostamente por suicídio. Esses réus tiveram direito à defesa. Foi determinado um advogado para estudar o processo e emitir a defesa. Ele analisou os supostos crimes de cada um dos réus. Reconhece a culpa de alguns e a inocência de muitos e pede à sua Majestade, humildemente, o perdão de suas loucuras e insânias. Muito bem, advogado de defesa!
E – Mas o senhor ainda não falou na sentença.
T – A sentença foi longa e triste. Foram trazidos todos os réus para a sala do Oratório da cadeia. Quando se reuniram quase não mais se reconheceram. Barbados, grisalhos, olhos deslumbrados pela luz, vestidos em panos de algodão, aproximaram-se uns dos outros. E as pesadas correntes tiniam ao tentarem se abraçar. E falavam incontrolavelmente como se estivessem sedentos de conversa.
E – Mas e a sentença?
T – Levaram dezoito horas lavrando a sentença, terminando às duas horas da madrugada. O próprio Vice-Rei, Conde de Resende, fez questão de acompanhar o desfecho, sem arredar o pé. Onze religiosos do convento Santo Antônio foram imediatamente chamados, pois nenhum condenado à morte podia ouvir a sentença sem estar assistido por um religioso. Assim, receberia os últimos suspiros do infeliz, conduzindo à vida eterna, até alcançar o novo julgamento por Deus, Nosso Senhor.
E – E a sentença continua demorando a sair!
T – Imagine a ansiedade de todos esses supostos réus! Pois bem! Às duas horas da madrugada do dia 19 de abril de 1792, entrou na cadeia um séquito de oficiais da justiça, alguns juízes, onze religiosos e, com a entrada do escrivão, todos se calaram. Foi um instante supremo e decisivo. Então, com aparente calma, o desembargador Luís Alves da Rocha, desdobrando o maço de laudas escritas, dava a entender que uma fria decisão, intencionalmente meditada, iria brotar dos seus lábios. Eu mesmo estava com meu colar de correntes de ferro ao pescoço, aguardando o desfecho num dos cantos da sala. O desembargador leu o preâmbulo e fez considerações gerais sobre o movimento como o mais horroroso dos crimes. Ergui a cabeça quando ele leu o meu nome: “mostra-se que entre os chefes e cabeça da conjuração, o primeiro que suscitou as ideias de república foi o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, da Cavalaria Paga da Capitania de Minas Gerais e que concebeu o abominável intento de conduzir os povos daquela capitania a uma rebelião.” Naquele momento, tive consciência do crime de que eu era acusado. Até então, não sabia por que motivo tinha sido encarcerado, tinha sofrido tantos interrogatórios e acareações.
E – E saiu, finalmente, a sentença?
T – Finalmente, sim. “Fica condenado o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, a ser conduzido com baraço e pregão pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra de morte natural para sempre e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica onde, em lugar mais público, seja pregada em um poste alto até que o tempo a consuma. Ainda, seu corpo deverá ser dividido em quartos e pregados em postes pelo caminho de Minas. Declaram o réu infame e seus filhos e netos, tendo-os e os seus bens aplicam para o fisco e Câmara Real. A casa que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e, não sendo própria, será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e, no mesmo chão, levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu.” Neste momento, eu tinha o olhar perdido no espaço.
E – E os demais réus?
T – Todos condenados ao enforcamento. Menos cinco que seriam deportados para a África. E Cláudio Manuel da Costa, que morreu na prisão, teria a memória infamada, assim como filhos e netos e os bens confiscados.
E – Desespero geral?
T – Sim... Desespero geral. O dia amanhecia com jatos de luz penetrando pelas frestas das pesadas portas e pelas grades do presídio. Deitamos nas camas que foram preparadas para os condenados, carregando os pesados colares de correntes de ferro. O mundo desabou. A tênue esperança, se existiu um dia, desapareceu para sempre. Todos condenados à forca. Nada mais.
E – E o advogado de defesa?
T – Advogado de defesa? Que fazer? Pediu que a pena fosse comutada em cárcere perpétuo, inclusive a de Tiradentes. Mas o desânimo havia turvado o espírito. A sentença parecia ter vindo sem perspectiva de mais defesa alguma.
E – Que fazer?
T – Aproximava-se velozmente o instante supremo. Os onze condenados à forca eram assistidos por onze frades que os confessavam e os animavam. Como se despertassem de um pesadelo, entreolharam-se aqueles olhos vermelhos de angústia e de pranto. Mas, alguns ainda tinham esperança de comutação da pena. Foram momentos de muita ansiedade. Recursos do advogado de defesa. A forca armada na praça pública aguardava apenas a sentença final. A praça totalmente cercada. O público estava realmente triste com o espetáculo que iria assistir.
E – Degredo perpétuo?
T -- Os juízes estavam inflexíveis. Degredo perpétuo? Menos mal. Os condenados gemiam pelas paredes, agonizando lentamente, sempre fazendo tinir os ferros das correntes. Por toda parte, havia sentinelas com as armas apontadas.
E – Finalmente, a comutação da pena?
T – Quando tudo estava perdido, quando os espíritos pareciam conformados com o próprio terror, entra novamente o escrivão. Os recursos tinham sido rejeitados, um a um. E, no entanto, o desembargador que, de maneira velada, tinha compactuado da ansiedade geral, trazia um ar feliz. Abriu os autos e, lentamente, leu: “em observância à carta da dita Senhora, mandam que execute inteiramente a pena da sentença no infame réu Joaquim José da Silva Xavier por ser o único que na forma da carta se faz indigno da Real Piedade da dita Senhora rainha de Portugal. Quanto aos demais réus, a quem deve aproveitar a clemência real hão por comutada a pena de morte na de degredo perpétuo”.
E – E o ouvidor Tomás Antônio Gonzaga?
T – Foi condenado ao degredo perpétuo.
E – O senhor foi o único condenado à morte. Que houve então?
T – Uns e outros se abraçaram e uma Salve Rainha foi rezada com muito fervor, entrecortada por explosões súbitas de choro. Na realidade, tudo estava previsto e os juízes apenas fizeram um drama particular, em suspense, aterrorizando os réus. Prepararam uma cena para um sofrimento indizível dos réus.
E – E o alferes Tiradentes ficou novamente só, diante da morte?
T – Enquanto todos festejavam aos gritos de euforia, eu estava a um canto, realmente só. Nenhum abraço, nenhuma palavra. Assim permaneci calado, até que pudesse felicitar um a um pela graça que tinham conseguido. Virei-me para o padre confessor e disse-lhe: “felizmente, não levo ninguém comigo! Dez vidas eu daria se as tivesse, para salvar as deles! Eu sou a causa da perdição desses homens, mas felizmente não levarei ninguém comigo”.
E – Finalmente o dia 21 de abril de 1792!
T – Após o enforcamento em praça pública, meu carrasco foi autorizado a decepar a minha cabeça a machado, no próprio local do enforcamento. Em quatro partes subdividiram meu corpo. Após salgar fartamente cada parte do meu corpo, elas deveriam ser hasteadas em postes altos para a mais escandalosa temeridade contra a Real Soberania. 
E – E a sua cabeça foi hasteada em Vila Rica, em local de grande movimento, em solenidade cívica, sendo convocadas as autoridades e o povo para a comemoração?
T – Assim foi feito. Mas, conforme determinação da sentença, minha cabeça deveria permanecer por tempo suficiente para se deteriorar no mastro desse poste. Entretanto, alguém, na calada da noite, afrontou as autoridades da Capitania e levou-a consigo para um jazigo eterno. Não desdenho a minha sorte. Meu salvador morreu também assim, nu, por meus pecados.
E – Impossível é para nós brasileiros livres, agora, neste momento, deixar de sentir um forte impulso de admiração e respeito pela sua ousadia e pelo seu destemor. Agradecemos a sua presença para esta entrevista, Alferes Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes. Gostaríamos, ainda, de ouvir as suas palavras finais.
T – Foi uma oportunidade feliz poder retornar e sentir a minha pátria e meu povo  livres. Dez vidas eu daria, em mil pedaços poderiam subdividir meu corpo para plantar a semente da liberdade e para vê-la germinar vigorosamente em meu país, com uma república livre e independente, com os escravos libertados e uma universidade criada em Vila Rica. Nunca me arrependi do falei ou do que fiz. Este louco e falastrão nunca teve um crime a confessar e nunca se curvou diante dos portugueses estrangeiros. Ele teve apenas a ousadia de responder simplesmente “NÃO!”
E – Uma lembrança finalmente trazemos para o senhor, neste nosso encontro. Uma de suas velhas canastras.
(O alferes abre a canastra e retira a bandeira de Minas Gerais. Sacode-a e coloca-a no ombro esquerdo. Depois, tira a bandeira do Brasil, sacode-a no ar e coloca-a no ombro direito. Em seguida, abre os braços, como se quebrasse algemas, permanecendo nessa posição, com a cabeça erguida. Ouve-se o hino da independência, cantado por uma só voz. Depois, um coro de multidão).

Bibliografia
ABRITTA, Luís Carlos. Joaquim Silvério dos Reis Montenegro Leiria Guiltes: Judas redivivo. Belo Horizonte: Revista Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol.XXIII, pag. 273, 2000
BARBOSA, Waldemar de Almeida. A decadência das minas e a fuga da mineração. Belo Horizonte: UFMG, 1971
CARNEIRO, David. Tiradentes na prisão e as sentenças. Belo Horizonte: Revista Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. V, pag. 95
FERNANDES, Raymundo Nonato. A Inconfidência. Belo Horizonte: Revista Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. XXIII,  pag. 297, 2000
JARDIM, Márcio José da Cunha. A Inconfidência Mineira e a formação da nacionalidade. Belo Horizonte: Revista Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol. XXIII,  pag. 217, 2000
JARDIM, Márcio José da Cunha. A devassa da Inconfidência Mineira. Belo Horizonte: Tribunal de Alçada, 1995
MAXWEL, Kenneth. A devassa das devassas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974   
TORRES, Luiz Wanderley. Tiradentes a áspera estrada para a liberdade. São Paulo: Atheniense, 1991
LUCAS, Fábio.  Mineiranças. Belo Horizonte:  Oficina de Livros, 1991
SOUZA, Washington  Peluso  Albino de.  Ensaios sobre o ciclo do ouro.  Belo Horizonte: UFMG, 1978
MENEZES,  Adalberto Guimarães. Parque Histórico Nacional Tiradentes. Belo Horizonte: Gráfica e Editora Del Rey, 2011

6 comentários:

  1. grande ícone da historia do Brasil e de \Minas, infelizmente esquecido pela maioria.
    Antônio.

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  2. Nossa, muito bom mesmo! Estava precisando de uma entrevista dessa.

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  3. Muito legal.. usei no meu trabalho de escola, a prof pedir algo diferente,

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  4. montamos uma apresentação tip esquete ficou muito legal

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