terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

JK RELATA SUA MORTE

Jornal da Tarde -O estado de São Paulo- agos/1976

Um dos presidentes mais populares da história do Brasil morreu misteriosamente num acidente, quando lutava pela redemocratização do país. Dúvidas surgidas naquela tarde nunca foram esclarecidas. Poderia tratar-se não de acidente, mas de atentado?


Eis um relato virtual do ex-presidente Juscelino Kubitschk de Oliveira, sobre os acontecimentos de sua própria morte. 

No dia 22 de agosto de 1976, uma tarde de domingo, eu viajava de São Paulo para o Rio de Janeiro em companhia do meu amigo e motorista, Geraldo Ribeiro quando, no quilômetro 165 da via Dutra, fui vítima de um acidente, com uma fechada de um ônibus da empresa da Viação Cometa. Isso obrigou o Geraldo a sair da pista e colidir com uma carreta que vinha em sentido contrário. Foi um acidente fatal para mim e para o Geraldo, com morte imediata. Nada mais sei. 
Estive em São Paulo na casa da revista Manchete, a convite do meu amigo Adolfo Bloch. Foi ele um amigo até os meus últimos momentos. Faltavam 20 dias para eu completar 74 anos de idade. 
Fui exposto nas mesas de um bar para constatação geral. O corpo do motorista Geraldo foi colocado num caixão de alumínio e lacrado. Parecia já preparado. Depois, meu corpo foi transportado para o Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro. Em seguida, fui removido para o saguão do Edifício Manchete. Sarah e as nossas filhas Márcia e Maristela chegaram ao amanhecer. Os meus amigos começaram a chegar, logo após. O povo já cantava a canção “Peixe Vivo”. Ao meio-dia de 23 de agosto, o cortejo seguiu a pé até ao Aeroporto Santos-Dumont. O meu caixão estava coberto com a bandeira do Brasil. Fui transportado nos ombros do povo do Rio de Janeiro, num percurso que durou mais de uma hora. Ao chegar ao aeroporto, o povo aplaudia emocionado. 

Despedida de JK nos braços do povo - foto: arquivo CB

Finalmente, segui para Brasília! Às 16 horas o BOING PP – VLT da VARIG chegava a Brasília. O povo, emudecido, viu abrirem-se as portas do avião. Silêncio total de 30.000 pessoas que aguardavam no aeroporto.  Aguardando o corpo, estava uma “Kombi”, junto ao BOING, coberta com a bandeira do Brasil. As portas do avião se abriram e apareceu um funcionário da empresa. Fez o sinal-da-cruz.  Meu corpo foi colocado na “kombi” por Ulisses Guimarães e outros amigos diletos. O povo aplaudia sem cessar e sem saber se chorava ou se cantava o “Peixe-Vivo”, desde as 13 horas. Grupos se reuniam, informalmente, em corais emocionantes. O cortejo seguiu lento! 4.000 automóveis! Fila interminável até à Catedral Metropolitana de Brasília, a 20 km de distância! 40 jovens motociclistas, com blusões pretos portavam faixas. O esquife entrou na Catedral, carregado pelo povo. A Catedral era flores e candangos! Eles construíram e agora entraram! Por mais estranho que pareça, estavam felizes por estar perto de mim! Havia centenas e centenas de coroas! Estavam bonitas, no começo. Depois, esses amigos candangos, que não tinham dinheiro para comprar flores, foram arrancando as mais bonitas e jogando sobre o meu caixão. Os cordões de isolamento eram enormes! Uma senhora disse para um militar: “os senhores estão isolando o quê? Tem alguma coisa aqui para ser isolada? Nós viemos buscar o nosso presidente no maior respeito que ele merece! Já não chega esse isolamento de tantos esses anos? Vamos! Tirem essa corda que eu vou passar!” Os taxistas não cobravam as corridas e abaixaram os taxímetros Não cobravam de nenhum passageiro! A missa foi celebrada pelo Arcebispo dom José Newton, pelo Núncio Apostólico Dom Carmine Rocco e mais 25 padres, iniciando às 17h15. Quase não houve missa. Ela foi várias vezes, interrompida por palmas, hinos, lamentações e choro! Do lado de fora, o povo se comprimia com gritos de JK! JK! JK! Sarah pronunciou algumas palavras, recebidas entusiasticamente pelo povo. Pedia calma e prudência! O povo atendeu por alguns momentos, mas, logo depois, era revivida a situação de desespero geral. 

Grupo de motociclista acompanha o cortejo de JK - foto: Fernando Bizerra

Um grupo de índios xavantes de Mato Grosso conseguiu chegar até perto do caixão, colocado bem debaixo dos anjos de Ceschiatti. Um candango, de alma pura, perguntou? “Ele vai ser enterrado?” Fazia sentido essa pergunta? Eram seis horas da tarde quando o meu caixão foi retirado da Catedral. Seria colocado num carro vermelho estacionado. Aí, o povo, os candangos não permitiram e me carregaram nos ombros calejados. O caminho é longo! Vários quilômetros! Mas, em pleno transe, ninguém pensava nisso. Alucinação. Tinha o meu destino: “deitar-me para dormir em paz!” O percurso foi longo e sofrido. Finalmente, de madrugada, na hora das serestas, cheguei ao CAMPO DA ESPERANÇA. Fui sepultado ao lado do meu amigo Bernardo Sayão e a 150 metros do Candango Desconhecido, já horas altas dessa madrugada, no raiar do dia 24 de agosto, sempre carregado pelo povo que não sabia se cantava ou se chorava ou se fazia as duas coisas ao mesmo tempo. Foi isso. Foi assim que me contaram em cartas. Nada mais, penso agora. Ninguém transmitiu pela televisão essas cenas, por falta de coragem ou por imposição, dita legal. 

Aglomeração de milhares de pessoas  na Esplanada para se despedir do ex-presidente JK , o pai de Brasília-  foto: Arquivo CB

Agradeço de coração, mais uma vez, esta derradeira oportunidade de falar ao meu povo! Agora, simplesmente faço parte da história. As minhas palavras revelam muito pouco de tantos acontecimentos da fase da amargura da minha vida. As gerações futuras hão de prosseguir estudos e pesquisas para elucidar fatos que passaram encobertos. Sou grato ao meu povo. Tudo que fiz teve a marca da minha alegria e da festa de minha vida. O sofrimento foi temporário. Fica indelével a mensagem que escrevi quando visitava o planalto central pela primeira vez e impressa, depois, em placa, no Palácio da Alvorada: 

DESTE PLANALTO CENTRAL, 
DESTA SOLIDÃO QUE EM BREVE SE TRANSFORMARÁ 
NO CÉREBRO DAS ALTAS DECISÕES NACIONAIS, 
LANÇO OS OLHOS, 
MAIS UMA VEZ, 
SOBRE O AMANHÃ DO MEU PAÍS 
E ANTEVEJO ESTA ALVORADA, 
COM FÉ INQUEBRANTÁVEL 
E UMA CONFIANÇA SEM LIMITES 
NO SEU GRANDE DESTINO. (JK) 


DECRETO DE CASSAÇÃO DO MANDATO E DOS DIREITOS POLÍTICOS D SENADOR JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA 
Fonte: Diário Oficial, Seção I, Parte I, 8 de junho de 1964. 

Ministério da Justiça e Negócios Interiores 

DECRETO DE 8 DE JUNHO DE 1964 

O presidente da República, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo parágrafo único do artigo 10 do Ato Institucional de 9 de abril de 1964 e tendo em vista a indicação do Conselho de Segurança Nacional, resolve Cassar o mandato legislativo e suspender os direitos políticos por dez anos do senador Juscelino Kubitschek de Oliveira. 

Brasília, 8 de junho de 1964; 143º da Independência e 75º da República. 

H. Castello Branco 
Milton Soares Campos 



BIBLIOGRAFIA
BOJUNCA, Cláudio, O artista do imossível, Objetiva, RJ, 2001
JARDIM, Serafim, JK onde está a verdade?, ed. Vozes, Petrópolis, 2a. edição, RJ, 1999
COUTO, Ronaldo Costa, Brasília Kubitschek de Oliveira, ed. Record, RJ, 2001
KUBITSCHK, Juscelino, Por que construí Brasília, Bloch Editores, RJ, 1975
KUBITSCEK, Juscelino, Meu caminho para Brasília vol III – 50 anos em 5, Bloch Editores, , RJ, 1975
OLIVEIRA, Carlos Alberto Teixeira de, Cinqüenta anos de progresso em cinco anos de governo, ed. Mercado Comum, Belo Horizonte, 2006
NEVES, Aécio, Juscelino a oportunidade e a virtude, in Cinqüenta anos de progresso em cinco anos de governo, Mercado Comum, pág. 217-228, Belo Horizonte, 2006
BAGGIO, Marco Aurélio, Juscelino Kubitschek sua excelência, editora B, Belo Horizonte, 2005
NETO, João Pinheiro, Juscelino um caso de amor, Mauad editora, RJ, 1994
VAZ, Allisson Mascarenhas, Israel, uma vida para a história, Cia Vale do Rio Doce, RJ, 1996



sábado, 22 de fevereiro de 2020

JUSCELINO KUBITSCHEK - O ESTADISTA DO SÉCULO XX

Tornou-se incontestável pela história contemporânea o reconhecimento de que JK representa, com segurança e unanimidade, o título de cidadão do século, no Brasil.


A confirmação foi feita pela revista, Isto é, de dezembro de 1999, mediante opinião de 30 personalidades da vida pública brasileira, tendo sido editada no número 1574, em separado. O júri indicou 30 nomes e foram classificados 20 deles. Jk foi escolhido como o primeiro e maior estadista do século. Não há especificação da metodologia utilizada, mas ficaram também classificados, por ordem de escolha, Getúlio Vargas, em segundo lugar, Ulisses Guimarães, em terceiro e Tancredo Neves em quarto. Seguem-se, por ordem de escolha, as seguintes personalidades: Luiz Carlos Prestes, Betinho, Marechal Cândido Rondon, Barão do Rio Branco, Jânio Quadros, João Goulart, Fernando Henrique Cardoso, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Castelo Branco, Teotônio Vilela, Brig. Eduardo Gomes, Luiz Inácio Lula da Silva, Oswaldo Aranha, Campos Sales e Rodrigues Alves.
Juscelino foi, sem dúvida, uma personalidade de alto nível de habilidade no tratamento interpessoal e desenvolvimentista por natureza. Disse ele, uma vez, que “não tenho vocação para obras pequenas”. Um episódio, muito simples, pode confirmar esta característica do estadista. Quando era governador do estado de Minas Gerais, foi convidado pelo secretário de Estado da Agricultura para um evento onde se distribuiriam 40 mil enxadas. JK, ao fazer um comentário, disse ao secretário: “Pensei que fossem distribuir 40 mil tratores”.
E quando era prefeito de Belo Horizonte, na década de 40, contratou mais de mil carroceiros, com seus respectivos burros, para abrir as avenidas Amazonas e Antônio Carlos. Projetou essas avenidas com 50m de largura. Agora, 50 anos depois, num grande esforço, o governo estadual conseguiu o alargamento da av. Antônio Carlos para 25m de largura. Eis a visão de futuro.


Av. Amazonas com destaque da Praça Raul Soares- BH anos 40. fonte curraldelrei.blogspot

JK sabia ouvir. E ouviu o jovem Tuniquinho, em Jataí, no estado de Goiás, quando fazia um discurso político em 1955. Tuniquinho perguntou: “É possível seguir a Constituição do país, transferindo a Capital da República para o planalto central? O senhor prometeria fazer isso?” JK tomou um susto e num átimo de decisão, não teve alternativa e prometeu e cumpriu. Para a inauguração de Brasília, Tuniquinho não foi esquecido.
Juscelino conhecia os operários, construtores de Brasília, os candangos, pelo nome. Conversava e aplaudia cada um deles.
Juscelino chorou a morte do engenheiro Bernardo Sayao, bravo sertanista, fiel pioneiro, ex-vice-governador do estado de Goiás, encarregado da construção da estrada Belém/Brasília, tolhido por ocasião da derrubada de uma árvore.
Mais tarde, JK teve a permissão de comparecer ao velório de sua irmã, Naná, única e amada irmã, quando estava em exílio político e não poderia voltar ao país, sem ser preso. Chegou, o mais camuflado possível, para que ninguém o reconhecesse. Era impossível. Por onde passava, recebia abraços e cumprimentos de tantos que o admiravam. Com dificuldade, chegou ao lado da irmã, falecida. Meditou e conseguiu um minuto de silêncio. Houve um momento de silêncio total, de respeito ao ambiente. JK meditou a sua vida, seu sofrimento, sua amargura. Pensou na sua vida de criança pobre ao lado da irmã e não suportou. Teve uma primeira lágrima caída. Depois outra. Enfim, não suportou e teve um choro convulsivo que não terminava. Por fim, chorou mesmo tudo que tinha que chorar. Foi um desabafo.
Cumpria a sua missão de vida. Fazia a sua parte. Nunca teve como meta o reconhecimento de sua obra. Sua vida foi uma missão. Cumpriu-a. Era um ser humano que sentia e respirava o respeito e a amizade, acima de tudo.



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