segunda-feira, 24 de abril de 2017

OS MAIS BELOS RELAMPEJOS DA POESIA DO BRASIL

 Poesia está em alta, local de onde nunca saiu. Nasceu no meio da nobreza, dos salões dos reis, nos altares religiosos, nos cantos populares e, por que não dizer, andou solene nas guerras, nos campos de batalha,  nas epopeias.



Nasceu antes da escrita, em cantos apenas memorizados . Gathas Avestas de Zoroastro, Gilgamesh, terceiro milênio a.C – hinos litúrgicos e salmos Suméria(Mesopotâmia/Iraque), os Vedas – hinos e preces do Hinduismo, - culto à vaca leiteira -Mabharata – principal  épico da civilização indiana (saqueadores), Baghavad Gita – canção do divino mestre... até Homero com a Ilíada e Odisséia, os trágicos gregos Sófocles, Eurípedes ou Aristófanes para desaguar em Bob Dylan na Academia  da Suécia, recebendo o prêmio Nobel de Literatura em 2017. Pura poesia!!! Eis uma de suas estrofes de Soprando ao vento:
“Quantas estradas um homem deve percorrer/para poder ser chamado de homem?/Quantos oceanos uma pomba branca deve navegar/Pra poder dormir na areia?/Sim e quantas vezes as balas de canhão devem voar/Antes de serem banidas pra sempre?/A resposta, meu amigo, está soprando no vento/A resposta está soprando no vento.”

Tantos poetas brasileiros!!! Numa visão de relampejo, encontra-se:


CASTRO ALVES
 No Brasil, em 1868, Castro Alves (1847 – 1871) se reveste de África negra e lança o seu grito ao Deus clemente. Uma bandeira escravagista, 20 antes da abolição da escravatura, que ele não chegou a presenciar. Um poema ousado, em pleno desafio aos poderes superiores, aos astros e às tempestades. Um longo poema! 

Vozes da África:

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? /Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes/ Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito,/ Que embalde desde então corre o infinito... /Onde estás, Senhor Deus/” ...
A África prossegue gritando em desespero:
 “Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada/ Em meio das areias esgarrada,/ Perdida marcho em vão! /Se choro... bebe o pranto a areia ardente; /talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente! /Não descubras no chão...”
Na desesperança, ela, a África negra,  desabafa em desafio:
 “Basta, Senhor! De teu potente braço /Role através dos astros e do espaço /Perdão p'ra os crimes meus! /Há dois mil anos eu soluço um grito... /escuta o brado meu lá no infinito, /Meu Deus! Senhor, meu Deus!!./”
E, em outro longo poema, Navio Negreiro, descreve a viagem dos futuros escravos pelos mares,  sem conforto, sem perspectiva de sobrevivência. Seus versos finais são arrasadores:
“Senhor Deus dos desgraçados! /Dizei-me vós, Senhor Deus,/Se eu deliro... ou se é verdade/ Tanto horror perante os céus?!... /Ó mar, por que não apagas /Co'a esponja de tuas vagas /Do teu manto este borrão? /Astros! noites! tempestades! /Rolai das imensidades! /Varrei os mares, tufão! ..”
Castro Alves morreu com 24 anos. Uma perda irreparável. O poeta dos escravos. O dia dedicado à poesia é o dia do seu nascimento.

MANUEL BANDEIRA
Manuel Bandeira (1886 – 1968) -  Outro poeta inesquecível que honra a cultura poética do Brasil. Não foi um Castro Alves, mas deixou sua marca contra o racismo neste poema, tão singelo como dignificante:
 Irene no céu:
Irene preta / Irene boa/ Irene sempre de bom humor.  /Imagino Irene entrando no céu: /- Licença, meu branco! /E São Pedro bonachão:  /- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.Mas, neste relampejo dos belos poetas brasileiros, ainda existe tantas outras composições poéticas de destaque, mas não se pode esquecer da Estrela da Manhã:“Eu quero a estrela da manhã /Onde está a estrela da manhã? /Meus amigos meus inimigos/Procurem a estrela da manhã /Ela desapareceu ia nua/Desapareceu com quem?/Procurem por toda à parte.
E continua no texto franco e decidido:
“Te esperarei com mafuás, novenas, cavalhadas
/comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples/Que tu desfalecerás”
E finaliza, enfático:
“Procurem por toda à parte /Pura ou degradada até a última baixeza /Eu quero a estrela da manhã.


DRUMMOND

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). O poeta que se imortalizou pelas suas teses do cotidiano, de consumo diário, desde a sua “Tinha uma pedra no meio do caminho”. Um obstáculo intransponível, impossível de ser detonado. Assim continuou, num tom amargo e pessimista. Irônico e humorista. Observador e pesquisador do comportamento humano. Por ele;

Mundo Grande:

“Nao, meu coração não é maior que o mundo. Ê muito menor./Nele não cabem nem as minhas dores. /Por isso gosto tanto de me contar./Por isso me dispo./Por isso me grito.”
E o poeta do mundo, não se desliga de sua terra natal , Itabira, MG. “Itabira é apenas uma fotografia na parede, mas como dói.”
Vagando pelo espinhal da vida, vive o mundo em desespero:
“Meu Deus, por que me abandonaste/ se sabias que eu não era Deus/ se sabias que eu era fraco./Mundo mundo vasto mundo,/se eu me chamasse Raimundo/seria uma rima, não seria uma solução./Mundo mundo vasto mundo,/mais vasto é meu coração.”


AUGUSTO DOS ANJOS
Neste relampejo, cabe não esquecer Augusto dos Anjos (1884 – 1914), poeta que ficou marcado na história da poesia brasileira com apenas uma obra editada,   "Eu e outras poesias" — um livro que sobrevive, antes de tudo, pelo rigor da forma. Com o tempo, Augusto dos Anjos tornou-se um dos poetas mais lidos do país, sobrevivendo às mutações da cultura e a seus diversos modismos como um fenômeno incomum de aceitação popular. Veja apenas alguns versos para sentir o seu pulsar febril no soneto;

Versos Íntimos:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável/ Enterro de tua última quimera./ Somente a Ingratidão - esta pantera /Foi tua companheira inseparável!

Em continuidade:
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,/ A mão que afaga é a mesma que apedreja./ Se a alguém causa inda pena a tua chaga,/ Apedreja essa mão vil que te afaga,/ Escarra nessa boca que te beija!

terça-feira, 11 de abril de 2017

ENTREVISTA COM NICÁCIO GÖEBEL


Entrevista realizada com o jovem Nicácio Göebel, personagem do romance ficção “EM NOME DO FILHO”, 3i editora, Belo Horizonte, 2014.



Ele, um amparado em família, mas que, independentemente dessa condição, não deixou de ser um adotado. Sente-se um intruso no leito familiar. Aceito compulsoriamente por parentes, mas sempre lhe deram o título de adotado. Isso mesmo. O adotado é um vaso de porcelana. Belo e frágil. Nunca sujeito a intempéries.

Vejamos a sua percepção do seu mundo!!!



Entrevistador - Tudo bem, Nicácio? Podemos conversar um pouco hoje?
Nicácio - Claro que sim. Nesta noite de sábado, sempre estou só mesmo.
Ent - Você me disse que é adotado. Quem são seus pais biológicos? Chegou a conhecê-los? 
Nic – Nunca vi a cara do meu pai e nem tenho nenhuma lembrança da minha mãe. Nem fotografia dela eu já vi. Nem nunca me interessei em ver. Não me importo com eles. Nenhuma afeição me despertam.
Ent – Não faz diferença para você?
Nic – Pode parecer uma história perversa para quem não tem o sentimento à flor da pele. Eu penso demais e me martirizo por isso, a cada dia que envelheço. Não posso negar. Hoje estou mais maduro e ainda mais revoltado. Nem sei se fico me queixando dessas grosserias da vida.
Ent – Algum acontecimento que magoa?
Nic – Tantos acontecimentos decorrentes que me marcaram a ferro e fogo. Para começar, sou gêmeo univitelino. Meu irmão foi meu amigo e companheiro por algum tempo. Tempo suficiente para deixar um vazio insuportável no meu coração.
Ent – Que aconteceu?
Nic – Minha mãe biológica colocou os dois filhos num balaio e deixou na porta de uma irmã. Depois, sumiu no mundo. Falo assim em sentido figurado porque não posso me lembrar quando nem como isso aconteceu. Soube mais tarde que ela arranjou um marido alemão se sumiu com ele.
Ent – Nessa época você não poderia reconhecer a sua mãe. 
Nic – Não conheci a minha mãe biológica, posso dizer isso com certeza absoluta, porque esses dias não ficaram marcados na minha memória. Como isso poderia ter acontecido? Não sei e nunca procurei saber. Nunca me fez falta. Não sei como era a cara dela. Não me lembro de ter ouvido a sua voz. Não me lembro de um afago, de um beijo sequer. Nem uma fotografia. Se chegasse às minhas mãos, eu a rasgaria em mil pedaços. Não sei se o meu irmão tem alguma coisa dela. Eu nunca quis ver a cara dela. As cartas que ela me mandava eu rasgava na hora da chegada. Nem abria. Num impulso de violência, destruía na hora. Ódio? Isso e mais um tanto de ingredientes que fervilhavam na minha mente e que me fizeram perder tantas noites de sono. Azedavam o meu humor. Sentia-me rejeitado. Rejeitado é pouco na expressão natural. Fomos jogados fora. Encontramos um novo lar com a minha tia, cheia de filhos, que nos acolheu.
Ent – Encontrou pais adotivos? Foram adotados?
Nic – Fui crescendo sem saber de nada, mas um sentido extra me impulsionava para a desconfiança, para a incerteza, para a dúvida. Passei a não acreditar em ninguém e a perceber que me olhavam de maneira diferente.
Ent – Nenhuma lembrança da sua mãe biológica?
Nic – Devo ter tido alguns dias de convivência com ela, de ter podido sentir seu cheiro, seu carinho, sua afeição. Ela desapareceu e isso foi um desastre para mim e que atingiu a estrutura da minha personalidade, mesmo sem ter consciência disso. Devo ter chorado demais. Como posso reviver essa separação? Faço um esforço de memória, querendo ir ao fundo do meu inconsciente, ao grande porão das lembranças rejeitadas e adormecidas e não consigo vislumbrar nada. Escuro total.
Ent – Percebo que sua mãe vive em você.
Nic – Minha mãe, minha vida. Não vê-la nunca foi um castigo imposto a mim e ao meu irmão. Minha mãe adotiva nunca recriminou a minha mãe. Cuidou de mim como se fosse um dos seus filhos, em igualdade de tratamento. Eu devo ter sido uma criança agressiva e agitada. Falo por mim, porque o meu irmão tomou outro caminho na vida.
Ent – Que aconteceu com seu irmão?
Nic – Outro papo difícil e de amarga desventura. E meu irmão? Uma mágoa feroz ronda a minha imaginação e minha privacidade intelectual de sentir abandonado, de ser novamente rejeitado. Ninguém pode me entender, sei disso.
Ent – Sim, mas o que aconteceu com seu irmão?
Nic – Pois aconteceu mais um fato doloroso na minha infância que muito me abalou. Fomos separados. Nem uma lágrima eu deixo cair, hoje, por ele, meu irmão. Não existem mais lágrimas. Penso que naquela idade eu percebi a separação. Será que eu tenha percebido que meu irmão foi levado embora, para longe de mim? 
Ent – Foram separados?
Nic – Uma separação! Este foi também um acontecimento doloroso. Um tio, que morava no estado do Paraná, resolveu adotar um de nós. Não fui eu o escolhido.
Ent – Seu irmão foi levado embora?
Nic – Meu tio não tinha filhos e escolheu um dos gêmeos para levá-lo em seus braços. Eu fiquei. Meu irmão foi embora. Sumiu. E onde está ele agora? Não sei. Há quarenta anos que não sei por onde ele anda nem o que ele faz. Fiquei sabendo que teve graduação superior e que completou sua formação no exterior. Nada mais. Foi bem orientado na vida. Só isso. Ele sabe onde estou e pode me procurar quando quiser. Ou se quiser. Eu me sinto constrangido de procurá-lo. Há esse tempo todo que não ouço a sua voz. Digo que não sinto mais a falta dele. Podem ser palavras falsas de minha parte. Ou que sejam palavras ditas sem pensar. Mas, no fundo, no fundo do coração, falando muito francamente, ele é a única pessoa que existe neste mundo, capaz de me emocionar. Mas, mesmo assim, nenhuma lágrima eu deixo cair por ele, agora. Sei ou imagino que ele seja muito mais feliz e próspero do que eu.
Enc – Pensa voltar a vê-lo algum dia?
Nic – No meu orgulho de rejeitado, afasto-me da ideia de revê-lo um dia, mas ainda não morri. Tudo pode acontecer. Deixo que os ventos façam a sua parte e que soprem a meu favor.
Ent – Foi uma covardia!
Nic – Meu tio foi cruel comigo. Cruel e desumano. Não o perdoo. Eu me martirizo por essa decisão. Mesmo consultando meu inconsciente, meu coração magoado, mesmo assim, como juiz, eu o condeno. Foi uma covardia dele, sim. Pegar duas crianças, órfãs de pai e mãe, gêmeos abandonados, e propor uma separação? O único vínculo de afeição ceifado abruptamente? Foi cruel, além das suas imaginárias boas intenções.
Ent – Você permaneceu com a sua tia?
Nic – Daí pra frente, virei um dos filhos de Fausto Leonísio Brasco, o marido da minha tia, Amélia Göebel. Ah, sim, esqueci de dizer. No meu registro de nascimento, consta como pai, o tio Fausto e mãe, Amélia. Sou grato a eles. Sem eles, o que seria de mim? Mas é mais uma mentira que porto nos meus ombros pela minha vida afora. Oficialmente, não sou adotado. Sou integrante da família. Isto pela vontade dos pais adotivos, não dos meus supostos irmãos. Era uma grande mentira que eu atribuo como se fosse mesmo uma trapaça. 
Ent – Nicácio, grato pelas suas palavras carregadas de sinceridade e de emoção. Podemos ainda, em outra oportunidade, continuar essa nossa conversa confidencial e fraterna?
Nic – Se houver interesse de sua parte, ainda podemos conversar. A minha jornada sempre foi tumultuada, mas cada pessoa tem seus fantasmas, a sua verdade ....e nela sobrevive com deve. Grato por me ouvir.

  
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