quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O ZÉ DA GEORGINA



O que é a vida? Uma gota d´água, um cisco no olho, um nada. Felicidade é agora, uma gota de água que cai, num instante evapora.

Georgina chegou esbaforida à casa de dona Jonina, para começar a passar roupa, como diarista. Estava um pouco em atraso no compromisso. Era uma mulher negra, já na meia idade, exaurida pelo trabalho de casa em casa. O filho, um garotão de 15 ou 16 anos de idade, ficava no barraco, na favela na vila dos Marmiteiros, ao lado do bairro da Gameleira, depois da linha de trem. Era alto e forte o seu filho Zé. Saía quando queria. Sua mãe não podia ficar o dia inteiro cuidando do filho, bobão dentro de casa. José, ou simplesmente Zé, tinha um forte retardo. Conseguia vestir-se sozinho, mas  abotoava a camisa com os botões trocados. Saía quando queria. Rodava as ruelas da favela e chegava até à rua Zurich, atravessando a linha de trem. O Zé, esse garotão forte, tinha um ou dois dentes na frente.  Não sabia falar uma palavra sequer que fosse compreendida imediatamente. Gaguejava e falava uma palavra aos pedaços. O que mais era admirado nele era a simpatia. Todas as pessoas do seu convívio tinham respeito e amizade ao Zé.
- Oi, Zé! Saindo pra namorar?
- Vou.
Com isso subia a rua Zurich, até o armazém do Gasparino. Parava na porta. Depois chegava ao depósito de bebidas do João e ficava olhando.
- Tudo bem, Zé?
- Tou.
- Quer um gole de pinga hoje?
- Num. Mãe num dei...xa.
E saía para a porta do bar, logo ao lado. Depois, voltava ao depósito de bebidas. Sabia onde tinha uma vassoura. Ia lá pegava uma delas e começava a varrer o passeio largo na frente desses comércios. Varria com muito boa vontade, não com perfeição. Deixava cisco para trás e depois se esquecia deles. O motorista do ônibus que passava, gritava para ele:
- Cansado,Zé?
- Mui...to
Depois de varrer, desvarria. Como? Voltava o lixo para o mesmo lugar. As pessoas riam por isso. Não riam dele. Riam por brincadeira, e sempre alguém fazia um pagamento pelo trabalho realizado. Trabalho simbólico, pagamento simbólico. Ele  ria e aceitava. Seu rosto transfigurava.
Sempre limpinho, com roupas limpas. A Georgina fazia questão de deixar o Zé sempre limpinho e asseado. Não portava lenço de modo que sempre que babava, escorria pelo peito e passava  mesmo a mão para limpar.
Nenhum garoto de rua zombava dele. Mantinha a sua dignidade e seu respeito. E, se um dia, alguém quisesse tirar um sarro com ele, o pessoal do depósito de bebidas vinha em seu socorro na mesma hora. Praticamente, isso nem era necessário. O Zé reinava na rua Zurick. Era um garotão simplório e indefeso. Era lento e nem sabia correr. Andava sempre muito devagar. No fim do dia, Georgina passava, comprava alguma coisa no armazém e ia saindo para casa. Zé ia caminhando lentamente, atrás dela.  Era a rotina.
Mas, na vida, as flores também murcham. Georgina teve um AVC na porta do armazém, num dia de sol assim. Estava sozinha como sempre esteve. O João, do depósito de bebidas, pegou a caminhonete e levou-a para o Pronto Socorro. Lá, ficou internada, sem capacidade para responder por nada. E o Zé? Esquecido? Quando algum visitante perguntava pelo Zé, ela ouvia isso, mas não tinha voz para responder. Apenas lágrimas surgiam nos seus olhos. Georgina nunca mais voltou para o seu barraco. Não tinha condições. Agora, acredite: o filho Zé foi adotado, com carinho, pela vizinha do barraco, dona Zizinha. E quem era dona Zizinha? Lavadeira domiciliar, seis filhos, morando num barraco de favela. Enquanto isso, os vizinhos, moradores da rua Zurich, conseguiram o internamento da Georgina no asilio de idosos da cidade Ozanan, no bairro da Renascença, mantido pela organização da Divina Providência. Mas, e o Zé? Adotado pela dona Zizinha, com todo carinho e afeição, teve um dia a oportunidade de ser internado no asilo Santa Maria, onde viveu mais alguns anos. Com o passar do tempo, os moradores da rua Zurich receberam a notícia de sua morte. Foi assim. Por mais irônico que possa parecer, o Zé passou por esta vida sempre sorrindo, sem perceber tantas outras alegrias da vida. Ele sempre tinha um sorriso e um coração puro. Reina nos céus. Cumpriu sua missão e deixou a sua mensagem. Adeus, Zé!!  

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