O
que é a vida? Uma gota d´água, um cisco no olho, um nada. Felicidade é
agora, uma gota de água que cai, num instante evapora.
Georgina chegou
esbaforida à casa de dona Jonina, para começar a passar roupa, como diarista.
Estava um pouco em atraso no compromisso. Era uma mulher negra, já na meia
idade, exaurida pelo trabalho de casa em casa. O filho, um garotão de 15 ou 16
anos de idade, ficava no barraco, na favela na vila dos Marmiteiros, ao lado do
bairro da Gameleira, depois da linha de trem. Era alto e forte o seu filho Zé.
Saía quando queria. Sua mãe não podia ficar o dia inteiro cuidando do filho,
bobão dentro de casa. José, ou simplesmente Zé, tinha um forte retardo.
Conseguia vestir-se sozinho, mas
abotoava a camisa com os botões trocados. Saía quando queria. Rodava as
ruelas da favela e chegava até à rua Zurich, atravessando a linha de trem. O
Zé, esse garotão forte, tinha um ou dois dentes na frente. Não sabia falar uma palavra sequer que fosse
compreendida imediatamente. Gaguejava e falava uma palavra aos pedaços. O que
mais era admirado nele era a simpatia. Todas as pessoas do seu convívio tinham
respeito e amizade ao Zé.
- Oi, Zé! Saindo
pra namorar?
- Vou.
Com isso subia a
rua Zurich, até o armazém do Gasparino. Parava na porta. Depois chegava ao
depósito de bebidas do João e ficava olhando.
- Tudo bem, Zé?
- Tou.
- Quer um gole de
pinga hoje?
- Num. Mãe num
dei...xa.
E saía para a porta
do bar, logo ao lado. Depois, voltava ao depósito de bebidas. Sabia onde tinha
uma vassoura. Ia lá pegava uma delas e começava a varrer o passeio largo na
frente desses comércios. Varria com muito boa vontade, não com perfeição.
Deixava cisco para trás e depois se esquecia deles. O motorista do ônibus que
passava, gritava para ele:
- Cansado,Zé?
- Mui...to
Depois de varrer,
desvarria. Como? Voltava o lixo para o mesmo lugar. As pessoas riam por isso.
Não riam dele. Riam por brincadeira, e sempre alguém fazia um pagamento pelo
trabalho realizado. Trabalho simbólico, pagamento simbólico. Ele ria e aceitava. Seu rosto transfigurava.
Sempre limpinho,
com roupas limpas. A Georgina fazia questão de deixar o Zé sempre limpinho e
asseado. Não portava lenço de modo que sempre que babava, escorria pelo peito e
passava mesmo a mão para limpar.
Nenhum garoto de
rua zombava dele. Mantinha a sua dignidade e seu respeito. E, se um dia, alguém
quisesse tirar um sarro com ele, o pessoal do depósito de bebidas vinha em seu
socorro na mesma hora. Praticamente, isso nem era necessário. O Zé reinava na rua
Zurick. Era um garotão simplório e indefeso. Era lento e nem sabia correr.
Andava sempre muito devagar. No fim do dia, Georgina passava, comprava alguma
coisa no armazém e ia saindo para casa. Zé ia caminhando lentamente, atrás
dela. Era a rotina.
Mas, na vida, as
flores também murcham. Georgina teve um AVC na porta do armazém, num dia de sol
assim. Estava sozinha como sempre esteve. O João, do depósito de bebidas, pegou
a caminhonete e levou-a para o Pronto Socorro. Lá, ficou internada, sem
capacidade para responder por nada. E o Zé? Esquecido? Quando algum visitante
perguntava pelo Zé, ela ouvia isso, mas não tinha voz para responder. Apenas
lágrimas surgiam nos seus olhos. Georgina nunca mais voltou para o seu barraco.
Não tinha condições. Agora, acredite: o filho Zé foi adotado, com carinho, pela
vizinha do barraco, dona Zizinha. E quem era dona Zizinha? Lavadeira
domiciliar, seis filhos, morando num barraco de favela. Enquanto isso, os
vizinhos, moradores da rua Zurich, conseguiram o internamento da Georgina no
asilio de idosos da cidade Ozanan, no bairro da Renascença, mantido pela
organização da Divina Providência. Mas, e o Zé? Adotado pela dona Zizinha, com
todo carinho e afeição, teve um dia a oportunidade de ser internado no asilo
Santa Maria, onde viveu mais alguns anos. Com o passar do tempo, os moradores
da rua Zurich receberam a notícia de sua morte. Foi assim. Por mais irônico que
possa parecer, o Zé passou por esta vida sempre sorrindo, sem perceber tantas
outras alegrias da vida. Ele sempre tinha um sorriso e um coração puro. Reina
nos céus. Cumpriu sua missão e deixou a sua mensagem. Adeus, Zé!!
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