Era impossível. Então, fui lá e fiz.
O professor Francisco não era mesmo
um professor do Ginásio Comercial do SENAC, em Belo Horizonte, na década de
setenta. Tinha o cargo de Regente de Alunos, Bedel, ou atividade assemelhada.
Para os alunos era mesmo como se fosse um professor. Com mais de 50 anos de
idade, com 1,60m de altura, discreto e de fala mansa, granjeava amizade e
simpatia dos alunos. Por isso mesmo, era chamado de Professor Francisco.
Um dia tal, o professor Francisco
apareceu com uma folha de papel almaço, tendo o título ao alto: SALVEM MINHA
FILHA. Com isso, estava recolhendo ajuda
financeira para o tratamento da filha Estela, de sete anos de idade, internada
no hospital da Baleia, com leucemia e desenganada pelos médicos.
Sem autorização do diretor do
ginásio, já tinha recolhido mais de duzentos reais. Precisava de cinco mil reais (em valores atuais) até
o fim da semana.
Era proibido pelo regulamento do
ginásio qualquer tipo de lista, venda de produtos ou atividades semelhantes.
Mesmo assim, o professor Francisco achou que poderia justificar. Tinha que
ajuntar cinco mil reais até o fim da semana. Que fazer? O diretor tomou
conhecimento, foi aprofundar o assunto e ficou sabendo que a filha do professor
Francisco estava mesmo condenada. A medicina não podia fazer mais nada. Estela
era a terceira filha do professor, num total de seis. Filha amada. Por ela, não
haveria impossibilidade.
Tinha pedido ajuda ou socorro à sua
paróquia e o padre apenas lamentou e disse que nada podia fazer. Foi a outros centros
de várias seitas e ninguém levantou a mão pra nada. Finalmente foi ao Centro de
Umbanda são Miguel Arcanjo, situado nos finais do bairro Padre Eustáquio, como
última tentativa, em plena desesperança.
Dentro de uma sessão noturna, no
grande salão cheio de gente, o professor Francisco foi introduzido. Todos
estavam sentados no chão, com as pernas cruzadas, em círculo e em cânticos de
orações. A iluminação era precária, intencionalmente, talvez. Num momento, uma
das irmãs da congregação, com voz rouca e alterada, declarou que Estela poderia
ser salva. Gritos e braços ao alto por todos os participantes. Choro de criança
foi ouvido, não se sabe de onde veio. O professor Francisco, no meio dessa
cerimônia, estava sentado no chão, como todos os participantes. As luzes se
apagaram completamente.
O tempo foi passando e, finalmente,
ele acordou e pensou em sair daquela cena. Quando olhou na penumbra, somente
ele estava ainda na sala. Foi saindo lentamente, quando uma voz rouca de mulher
o chamou. Era a diretora do Centro, ainda sentada no chão, num dos cantos da
sala. Sem mais palavras, ela foi logo dizendo:
“A
SUA FILHA ESTELA ESTARÁ SALVA PELO NOSSO TRABALHO E PELA NOSSA ROGAÇÃO. PARA
ISSO, O SENHOR PRECISA NOS TRAZER CINCO MIL REAIS, ATÉ SEXTA-FEIRA. NÃO
PRECISAMOS DE DINHEIRO, PRECISAMOS DA COMPROVAÇÃO DA SUA VONTADE E DA SUA FORÇA
DECIDIDA PARA SALVAÇÃO DA SUA FILHA. NADA É IMPOSSÍVEL”
Atordoado, o professor Francisco
chegou a casa bem depois da meia-noite e encontrou a esposa e os cinco filhos
em orações. Relatou o acontecimento da cerimônia religiosa. Assustados mais que
desesperados, ficaram todos. Como arranjar cinco mil reais numa semana? Era
muito dinheiro. E a lista foi a solução. Nunca tivera esse dinheiro todo na
mão. Impossível? Nada será impossível.
O diretor do ginásio ouviu tudo com
atenção. Sentiu pena da credibilidade do Francisco. O mundo está cheio de
vigaristas, trapaceiros, etc. Pessoas que abusam da boa fé, pela emoção, pela
angústia, pelo desespero.
Procurou alertar o colega de que
isso seria um golpe imoral e ultrajante. Nada o convenceu. O diretor riu
discretamente. Outros professores também tiveram de conter o riso pela
credibilidade do Francisco. E ele dizia:
“PELA
MINHA FILHA, FAÇO TUDO. SE NÃO FIZER, NEM A MINHA FAMÍLIA IRIA ME PERDOAR. NEM
EU MESMO ME PERDOARIA.”
O diretor deu cinquenta reais,
sabendo que estava jogando dinheiro fora. Outros professores também
contribuíram. Era apenas pela ignorância do colega.
Francisco saiu depois para as ruas
da cidade, praça Sete, Rodoviária, Estação da Central, Praça da Liberdade,
Prefeitura, Câmara dos Vereadores e Assembleia Legislativa. Noite e dia, dia e
noite. Sexta-feira está chegando. Em casa, contou o dinheiro arrecadado. A
esposa tinha rodado por outros lados e o filho mais velho rodou a bolsa entre
os colegas.
A noite de sexta-feira chegou. Foi
ao encontro da salvação da sua filha. Faltavam ainda alguns trocados. No
ônibus, pediu ao motorista, ao trocador e aos passageiros. Esses passageiros
fecharam a conta. Um bolo de dinheiro que nunca tinha passado pelas suas mãos.
Na hora da cerimônia veio aquela a
cantoria. Ele se sentou no chão e chorava de alívio e triunfo por ter
conseguido o salvamento de uma vida. A irmã levantou a voz e perguntou ao
Francisco:
“SALVOU
A SUA FILHA, IRMÃO?” – “SIM!” – “ENTREGA A SALVAÇÃO DELA PARA NOSSA IRMÃ DO
LADO.”
Francisco entregou o pacote de
dinheiro e a outra irmã pegou esse dinheiro e sumiu lá pra dentro. Meia hora
depois, retorna e confirma o total
recebido. A irmã diretora levanta a voz, puxando um canto de euforia e
agradecimento. As vozes agora eram mais fortes e vibrantes. Foi emocionante.
Pelo menos assim foi para Francisco, tendo feito tudo para o salvamento da sua
filha de um mal incurável e já condenada pelas palavras da medicina.
Em casa, a expectativa. No sábado,
pela manhã, Francisco e a família foram
em visita à filha no hospital da Baleia. Uma longa viagem porque moravam em
bairro oposto.
Quando entraram no quarto da filha,
encontraram-na em prantos. Estela tinha feito forte amizade com a colega de
quarto. Amizade nascida no sofrimento, na tristeza e no infortúnio. Essa amiga
já tinha quatorze anos e convivia com a doença há mais tempo. Assim, vendo
Estela sempre tristonha e sozinha, tornou-se sua amiga e protetora. Com o
passar dos dias, foi entregando de
presente a Estela as suas bonecas, seus livros, suas coisas mais queridas.
Parecia uma doação. Estela admirava tanto o desprendimento que tanto fortalecia
a sua amizade. Um cordão de ouro e uma pulseira colorida de fantasia. Uma
caixinha de jóias.
- Mas, porque chorar tanto assim,
Estela?
A colega tinha falecido durante a
noite... foi encontrada sem vida pela manhã. Estela não se conformava. Uma
amizade para o resto da vida. Ela mesma estava pronta para morrer e viu a
colega partir antes dela... Mas que aconteceu? A colega estava condenada pela
mesma doença, já em estado terminal e a ficha de identificação, envolta numa
pasta de plástico, estava colocada junto ao leito de Estela, por engano, com
todos os resultados dos exames laboratoriais. Estela vivia a vida da colega,
sem saber.
Os
exames laboratoriais de Estela estavam trocados pelos da colega de
quarto. Os resultados desses exames indicavam resultado negativo.
Estela recebeu alta naquele mesmo
fim de semana.
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