(Trecho do livro A SEGUNDA SAFRA DO
FERRO, num diálogo de Soroco, motorista de caminhão e sua mãe, Hortênsia)
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Rogério Alvarenga
Próximo lançamento em 4ª. Edição.
APRESENTAÇÃO:
A primeira edição desta peça data de 1980. Sempre
foi uma ficção, embora a ficção possa
representar alguma realidade. Assim, desse tempo para cá, a tecnologia rompeu
os padrões da tranquilidade provinciana e destruiu a monotonia dos métodos de
trabalho. Entretanto, a crueza das verdades confirma a continuidade da
degradação ambiental, da poluição, da corrupção, do domínio autoritário sobre a
população e mesmo sobre as dignas autoridades.
Mudanças e mais mudanças, mas tudo continua na mesma situação, dantes
referida. Consequências desagradáveis rompem o dia a dia.
(Trecho do livro, num diálogo de
Soroco, motorista de caminhão e sua mãe, Hortênsia)
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SOROCO – De onde é que a senhora
tirou tudo isso, mãe? Itabira alimenta o mundo com ferro, arrancado do chão
pelas mãos e pelas máquinas. Depois, serpenteia nos vagões do trem até a boca
dos navios, nas grandes plataformas.
HORTÊNSIA – Pedra de ferro no
calçamento das ruas. Hoje é asfalto. É o
progresso. Iluminação do século XX. Admiro muito, mas fico pasma, estarrecida.
Itabira alimenta o mundo, é o centro do mundo. Fico abismada. E arrasa o mundo.
Olha as roupas que a Itabira veste. Andrajos nas ruas tortas, casas escoradas e
povo mole. E o mesmo acontece com cidades históricas, sem eira nem beira,
cheias de igrejas monstrengas para salvar as almas do inferno. Se tirar a
companhia o povo morre de fome. A cidade acaba. A ignorância é miséria
hereditária. Não é privilégio do povo. Roda nas cabeças coroadas dos chefes e
dos prefeitos. Se a companhia acabar a cidade acaba. Melhor assim.
SOROCO – Tenho que ir, mãe. Vou
acordar a Lili. De amargura a vida está cheia. Pensar no que é nosso. Desgraça
dos outros é desgraça deles mesmos.
HORTÊNSIA – Terra boa mesmo não é.
Nem a nossa nem a deles. Nossa riqueza vem debaixo da terra. Tem que arrasar
tudo, revolver tudo pra tirar o que presta. O rejeito joga-se nos rios que vão
para o mar. Eles que se danem. Mas é a
riqueza que faz isso tudo.. Aliás, era a riqueza, porque o povo hoje é pobre.
Parece rico e se engana. A Companhia é rica. E carregador de minério pode ficar
rico? E picareta é instrumento científico?
SOROCO – É perigoso ficar falando
demais, sem saber, mãe.
HORTÊNSIA – Eu sei de tudo. Eles
vieram falar comigo esta noite, me informaram de tudo que está acontecendo nas
cercanias, nas crateras abertas, nas desgraças dos rios, da morte dos peixes e
dos bichos. Eles voltam pra me contar tudo.
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