quarta-feira, 20 de novembro de 2019

EU SOU UMA IGREJINHA


Belo Horizonte, a Capital V 

Igreja da Pampulha - São Fracnisco de Assis


Depoimento da Igreja São Francisco de Assis

Eu sou uma igrejinha. Fui rejeitada tão logo nasci. Sou igrejinha, mas não sou capela. Digo sem petulância: sou esteticamente inovadora, digna representante da vanguarda modernista. Paguei caro por isso. Digo mais: sou bonita. Posso dizer meu nome?
Eu sou a Igrejinha da Pampulha, a Igrejinha de São Francisco de Assis da cidade de Belo Horizonte. Revelo meus traços biográficos, pois me considero hoje, integrante da Mitra Arquidiocesana da cidade.
Fui concebida pelo então prefeito, Juscelino Kubitschek de Oliveira, na década de 1940, e projetada por um tal de Oscar Niemeyer, jovem e ousado arquiteto que ninguém conhecia na época.
Pois esse arquiteto, com sua gangue de profissionais, fez surgir um arrojado projeto arquitetônico para ser implantado na região da Pampulha. Éramos quatro irmãos que viriam a nascer na região. Meu irmão mais velho, o Cassino, foi festejado logo ao nascer e jogava dinheiro a rodo nas suas roletas. Em seguida, surgiu o Iate Golfe Clube que foi logo apossado pela alta sociedade. Em terceiro lugar, veio a Casa do Baile, majestosa e irreverente. Finalmente, eu, a caçula. Pequena e humilde, mas arrojada, me instalei frente à grande represa de 18 km de perímetro. Grande e silenciosa é essa lagoa. Toda lagoa é silenciosa. Não como os rios que são cavalos em fúria, disparados para o mar. Fiquei em paz com essa lagoa.
Ainda informo que um jovem artista plástico, de nome Cândido Portinari,  veio e me cobriu com azulejos de cor azul e branca, cheios de aves e peixinhos do mar. Lancei moda, claro. Entretanto, no meu interior, ele pegou seu pincel e foi me decorando. Pintou um mural atrás do altar em homenagem ao meu patrono, um tal de São Francisco de Assis, santo pobretão, protetor de gente pobre e de animais. Fiquei nessa de ser protegida por santo pobre. Minha sina. Ainda por cima, ele desenhou um santo de olhos muito arregalados, mãos rudes, num tom marrom, meio apagado. Ainda, em vez dos lobos de São Francisco, resolveu desenhar um cachorro amarelo, sentado, em transe de escuta total, admirando a figura do santo. Foi minha sina.
O prefeito, todo contente comigo, convidou o arcebispo da cidade para combinar o meu batismo.
Mural de Portinari na parte posterior externa 

Estava me esquecendo de contar que o tal de Portinari ainda pintou os quadros da Via Sacra, quer dizer, o caminho de Jesus até a sua crucificação, e todos esses quadros dentro do modelo modernista avançado. Também o prefeito encomendou ao escultor Ceschiatti o batistério em bronze pra mim. Se não houvesse batistério, como é que eu poderia ser batizada?
Pois assim foi. O arcebispo gostou de tudo que via à minha volta. Sorria e o prefeito ficava cada vez mais empolgado comigo. Ele gostava muito de mim e sempre me prestigiou demais. Entretanto, quando o arcebispo entrou no interior, foi logo sentindo um baque emocional. O rosto dele crispou. Seu sorriso apagou quando viu a cara e os braços de São Francisco. Não foi só. Concentrou sua visão no tal cachorro amarelo, no fundo do altar, no grande painel maravilhoso. Quase caiu pra trás. Repudiou tudo e disse palavras horrorosas para o prefeito. Despediu grosseiramente e tirou o time de campo. Agora, quem estava desolado era o meu querido protetor, o prefeito.
Com isso, não fui batizada. Fiquei 17 anos condenada. O arcebispo foi claro e categórico: “Nunca, nada, nessa caixa do Juscelino.” Foi um gol contra!
Foi o meu desastre.
Agora digo que o prefeito esperou esses 17 anos silenciosamente. Quando faltava um ano para terminar o seu mandato como presidente da República, articulou-se como o novo arcebispo, dom João de Resende Costa, para me salvar das garras da condenação e alcançar o meu batismo efetivo, dentro da santa madre Igreja. Dom João foi claro. Vou consultar e dou resposta. Tudo certo.
O presidente tinha prometido a minha doação à Mitra Arquidiocesana. Seria a minha salvação, a minha glória. Eu estava ficando velha, sem fazer nada nesta vida. Marcaram o dia do meu batismo com inauguração solene, marcada para o dia 11 de abril de 1959. Eu me enfeitei toda, arrogante e maravilhada, como sempre. Essa doação foi aprovada pela Câmara de Belo Horizonte, mediante proposta do vereador Celso Melo de Azevedo, por unanimidade. O atual prefeito, Amintas de Barros, sancionou a lei de doação, imediatamente. Agora, senti firmeza.
Chegou a hora do meu batismo. A população de Belo Horizonte compareceu e fez-se uma multidão ao redor de mim. Perdi o fôlego. Eu sou pequena, e a entrada teve que ser restringida a autoridades civis, religiosas e militares. Todas as bancadas estavam cheias de gente de alto gabarito.
O presidente estava no primeiro banco. Dom João de Resende Costa iria celebrar uma missa no meu altar, pela primeira vez da minha vida. Coral e cantores escolhidos.
Sim... Tudo elegantemente dimensionado.  Algumas palavras de entusiasmo do presidente e dom João iniciou a celebração da missa. Silêncio, concentração, meditação, louvor a Deus, a Jesus, ao meu patrono São Francisco de Assis. Tudo certinho e emocionante.
Eis senão quando, no momento mais efusivo da santa missa, entra pela nave principal um cachorro, vindo não se sabe de onde. Penetrou na igreja e, atravessando a pequena nave, foi postar-se bem em frente ao altar, justamente onde estava o presidente, ladeado pelas altas autoridades do estado.
Era um velho cachorro amarelo, vira-lata, com uma ferida no dorso. Cachorro de rua mesmo. Sem dono, perdido. Esse cachorro ficou imóvel, ao lado do meu protetor, Juscelino. Ergueu a cabeça, observando o ambiente. Em seguida, extasiado pela música do órgão, assentou-se no chão, com a cabeça sobre as patas dianteiras. Deve ter achado tudo muito bonito e bem organizado. Assim ficou quieto durante algum tempo. Mesmo nessa posição, percebia-se que tinha os olhos postos no seu irmão de raça, que se destacava na parede, ao lado da imagem de São Francisco de Assis. Eu fiquei pasma. Como isso poderia acontecer nesse momento tão solene? Quebrar o brilho da minha consagração? Salve-me, São Francisco!!! Nessa hora, pedi proteção ao meu patrono.
Tudo isso constituiu uma cena patética, emocionante. O pobre animal, perdido no meio da multidão, observava com interesse a figura do seu semelhante, pintado por Portinari.

Painel do altar mor - pintado por Portinari

Ele, esse cachorro velho e amarelo se identificava com o outro, da mesma cor, da mesma conformação física, dos mesmos olhos grandes e compassivos. O cão do painel não era diferente dos demais cães. Dava a impressão de que flutuava, já que seus pés não tocavam o chão. O cachorro visitante assistia a parte da cerimônia religiosa e, quando achou melhor, foi saindo silenciosamente, como tinha entrado. Nenhum ruído. O silêncio era total. Como um nobre, ele foi se afastando, até a porta de saída.
O ex-prefeito de Belo Horizonte sentiu a cena e reviveu momentos de dificuldades na sua vida administrativa. “Pobre igrejinha!” Teria ele dito. “Meu pensamento sempre esteve aqui.” Por que isso teria acontecido? Por que esse cachorro foi postar-se logo ao lado do Presidente?     
Fiquei imaginando como os olhos de Juscelino foram buscar tantas lágrimas ao recordar o primeiro contato com o arcebispo. Agora, havia uma mensagem misteriosa, presenciada por todos. Juscelino, muito emocionado, agradeceu a São Francisco de Assis. Lembrou-se, ainda, do templo desse mesmo santo em Diamantina, onde seu pai foi enterrado. Memórias que voltaram à sua mente. Mensagem de carinho, de conforto e de perdão.  
Eu, no meu canto, gritava de alegria porque estava agora, e para sempre, a serviço das almas de todos os que me procurarem. Depois de 17 anos, chegou o meu dia festivo.
Lembro-me de que meu patrono sempre foi um pobretão, protetor também dos animais e lembro-me ainda de que esse velho cachorro vira-lata também devia ser devoto de São Francisco. Ele teria vindo como emissário de agradecimento e de amizade, para pedir proteção. Ou deve ter vindo em missão!!!

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

AS IGREJAS CATÓLICAS

Belo Horizonte, a Capital IV 

Os templos da religião católica, erigidos na Cidade de Minas, em estilos diversificados foram inaugurados na década de 20. Foi a década do renascimento da fé católica na Capital, mesmo sem os cuidados arquitetônicos da CCNC. (Comissão de Construção da Nova Capital) .


A nova Capital, Belo Horizonte, manteve a sua tradição de religiosidade, trazida de Ouro Preto. Nessa antiga capital foram erigidos vários templos da religião católica, em estilo barroco em todo o seu esplendor. Na antiga vila de Curral del-Rei existiam templos religiosos de construção precária e não condizentes com a nobreza arquitetônica imposta pela CCNC (Comissão de Construção da Nova Capital). Foi tomada a decisão condenatória: demolir todos os templos existentes. Isso foi feito de modo adequado, mas algumas vezes sofrendo reação popular.

Igreja da Boa viagem 
Antiga Matriz da Boa Viagem do Arraial do Curral del Rey - Largo da Matriz em 1894. Fonte: APCBH Acervo CCNC

A matriz da Boa Viagem, ou melhor, Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem de Curral del-Rei, foi construída pela população, por etapas, mas com muita devoção e carinho. Era antes uma capela de taipa, de capim, tosca. Com o tempo, foi passando por reformas improvisadas, sem um plano disponível, mas obedecendo às necessidades imediatas de adaptações constantes.  Tornou-se um templo de maiores dimensões, frequentemente utilizado para atos religiosos, satisfazendo às demandas da população que crescia e se envolvia em atividades do comércio e da agropecuária. 
Isso mesmo! A antiga capela de Nossa Senhora da Boa Viagem trazia consigo uma história bem fundamentada de um piloto da nau de Dom João V (1689 – 1750) que naufragou nas cercanias da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 1709. Era o piloto da nau o senhor Francisco Homem del-Rei, que conseguiu retirar o nicho com uma imagem de Nossa Senhora da Boa Morte e guardou-a, trazendo-a sempre consigo. 
Mais tarde, chegando ao povoado de Curral del-Rei, iniciou a construção de uma capela para abrigá-la, tendo essa imagem como guia e padroeira. Tanto tempo passou, tendo a decisão de tornar essa capela em confortável templo de orações. Trabalho continuado e persistente. Assim, a matriz teve a provável conclusão, apontada para os anos de 1775/1776. Já não era uma simples capela, mas a matriz da freguesia de Curral del-Rei. Teve pois a sua missão de abrigar as almas religiosas por mais de um século. 
Agora, chegou a Comissão Construtora da Nova Capital com o objetivo definido quanto à estrutura arquitetônica da Cidade de Minas que não admitia a permanência de edificações em estilo colonial nem barroco. Assim, a matriz foi condenada à demolição, juntamente com todas as outras edificações religiosas existentes. De onde partiu essa decisão? Na primeira tentativa de demolição, as demais edificações religiosas católicas tombaram e a matriz da Nossa Senhora da Boa Viagem permaneceu por mais alguns anos, mediante a intervenção popular e a diocese de Mariana. 
Mesmo assim, estava condenada e a sua parte frontal foi demolida em 1911. Para substituí-la, foi iniciada a construção de uma catedral, estilo neogótico, em 1912. Ainda inacabada, em 1923, ela foi inaugurada, disponibilizando-se para atos religiosos, substituindo a velha matriz. 
Era pensamento firmado da Comissão Construtora da Nova Capital não deixar vestígios de Curral del-Rei, numa obstinação compulsiva contra o estilo colonial barroco. De quem partiu essa decisão? Com isso, nada ficou desse povoado, iniciado por João Leite da Silva Ortiz. Restou apenas a fazenda do Leitão, ou fazenda do Cercado. Cruel reminiscência, ou esquecimento, para as decisões da CCNC. Poderiam ainda não se perdoar por esse esquecimento, por esse lapso, deixando de pé essa gloriosa edificação memorial. Hoje tornou-se o monumental Museu Histórico Abílio Barreto, com centenas de documentos que confirmam o passado do velho povoado. Esta fazenda do Cercado, hoje museu, é uma edificação que fala por si mesma, assombrando as demais edificações em estilo moderno que a rodeiam. Pressente-se que o espaço interno desse museu deva ficar livre e desimpedido para permitir a passagem dos visitantes no roteiro interno das edificações coloniais. O varandão, as salas, os corredores devem estar livres de outros objetos que não pertençam à época. O museu fala por si. 
Outros templos erigidos na Cidade de Minas, em estilos diversificados foram inaugurados na década de 20. Foi a década do renascimento da fé católica na Capital, mesmo sem os cuidados arquitetônicos da CCNC. 

Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, em estilo neogótico, foi inaugurada em 1923. 

Igreja São José, iniciada em 1902, foi inaugurada em 1913, estilo neomanoelino, padres redentoristas holandeses. 

Basílica de Lourdes, inaugurada em 1923, mesmo inacabada. 

Igreja de São Sebastião, inaugurada em 1923. 

Igreja Nossa Senhora das Dores, bairro da Floresta, inaugurada em 1927. 

Igreja de Santa Teresa e Santa Teresinha, no bairro de Santa Teresa, foi inaugurada em 1930.

Igreja de são Francisco das Chagas, no bairro Carlos Prates, foi inaugurada em 1936.

Igreja de Santa Efigênia dos Militares foi inaugurada em 1923. 

Igreja de Santo Antônio, inaugurada em 1936. 

Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na av. Carandaí, 1010, foi inaugurada em 1925. 

Foram mantidos os critérios firmemente impostos, tanto que os templos religiosos surgidos mantiveram-se longe do estilo barroco. Os templos religiosos católicos de Belo Horizonte acompanharam os ideais republicanos da época.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

VIADUTO SANTA TERESA


Belo Horizonte, a Capital, III


O Viaduto Santa Teresa, projetado e construído pelo engenheiro, Emílio Baumgart, em 1929, é obra arquitetônica de arte que vai romper os séculos pela sua beleza e pela sua rigidez estrutural. Belo Horizonte tornou-se uma capital que não cultiva velharias. Não foi construída nenhuma obra que se aproximasse do estilo barroco ou colonial, que eram do gosto da época. Belo Horizonte não tem velharias, não tem cheiro de mofo e nem tem teias de aranha. Mesmo com a economia em dificuldades pela construção de uma nova Capital, e com as despesas da transferência de todos os funcionários públicos de Ouro Preto, antiga capital, mesmo assim, foram sendo realizadas obras fundamentais. E esta cidade-capital iria exigir muito mais em finanças e obstinação, para a concretização de um plano arrojado e excessivamente ousado para a época. As pessoas têm que entender que não foi fácil construir esta cidade-capital, Belo Horizonte, num período estipulado em quatro anos.

Pois nesse ano de 1929, o então presidente do estado, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada (1870 – 1946) inaugurou um viaduto monumental, na cidade de Belo Horizonte, denominado VIADUTO DOS VIAJANTES e posteriormente, VIADUTO SANTA TERESA. Cristiano Machado (1893 – 1953) era o prefeito nessa época. Não se trata apenas de um simples viaduto urbano. Trata-se, como disse antes, de um monumento arquitetônico de arte, adequado aos interesses da população. Imaginar que esta nova cidade, com apenas 32 anos de fundação, já construiu, com recursos do estado, uma obra desse porte. Ele passa por cima do rio Arrudas, da Avenida do Contorno e das linhas da estrada de ferro da Central do Brasil (EFCB), de uma só vez, além de fazer a ligação do centro da cidade com os bairros Santa Teresa e Floresta, muito habitados.Tem a extensão de 400 metros de comprimento, com dois arcos laterais de 14 metros de altura. Tudo em cimento armado. Torna-se, pois, o maior vão de cimento armado da América Latina, para essa época. Tecnicamente perfeito. Elegante, majestoso, imponente. Além do seu valor utilitário, representa um marco para a autoestima dos novos moradores da cidade. 

Emílio Henrique Baumgart, (1889 – 1943), natural de Blumenau (SC)
Filho do imigrante alemão Gustav Baumgart e de Mathilde Odebrecht, também filha de imigrante alemão. Pois o engenheiro projetista, devidamente graduado, montou no Rio de Janeiro, no ano de 1925, o primeiro escritório de engenharia, especializado em estruturas de concreto armado do Brasil. E teve sucesso como inovador e como competente profissional. Pois esse Viaduto Santa Teresa, projetado e construído por ele, é obra de arte que vai romper os séculos pela sua beleza e pela sua rigidez estrutural.

Viaduto Santa Tereza - 1930

Num passeio por ele, à tardinha, olhando lá de cima, vêm-se a praça da estação, a Serraria Souza Pinto, a Avenida dos Andradas, o Parque Municipal, a Avenida Assis Chateaubriand. Perde-se a memória em imagens do tempo, nas lembranças mais profundas. Nele se fazia o footing (passeio) nas belas tardes fagueiras. As moças desciam do bairro da Floresta e de Santa Teresa para um passeio, um desfile de ida e volta, ao longo do viaduto, vendo os rapazes que se punham a admirar cada uma delas. O sol ia se pondo, as luzes elétricas se acendiam e a modernidade chegava num estalar de dedos. Tempos gloriosos vividos nessa jovem cidade, inaugurada em 12 de dezembro de 1897, bela e realmente moderna. Penso até que o seu projetista Aarão Reis (1853 – 1936) teve algum mérito ao decidir a demolição, sem dó nem piedade, das choupanas de Curral del-Rei, como ele dizia, para fazer surgir das cinzas uma cidade realmente moderna e majestosa. Este aspecto caracteriza bem a capital, Belo Horizonte. Nenhuma obra nela foi construída que se aproximasse do estilo barroco ou colonial, que eram do gosto da época. Belo Horizonte não tem velharias, não tem cheiro de mofo e nem tem teias de aranha.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

OS GRUPOS ESCOLARES


BELO HORIZONTE, A CAPITAL II

Com essa iniciativa, foi dada a partida para a oficialização do ensino público no estado. E o que representou tal iniciativa para a época? Uma revolução educacional!


João Pinheiro da Silva (1860 – 1908) 

Foi o primeiro presidente do estado de Minas Gerais, eleito pelo povo, em 1906, após o governo instalar-se na nova Capital, Belo Horizonte, e no Palácio da Liberdade. Ele substituiu o doutor Crispim Jacques Bias Fortes, (1847 – 1917), o governador-presidente que efetuou a mudança da Capital. João Pinheiro levantou a bandeira da educação, como meta de seu governo. A educação era um dos ideais e princípios republicanos. Na sua obstinação, criou os GRUPOS ESCOLARES, um modelo de ensino fundamental, com proposta para ser realizada num curso em quatro anos letivos. Com essa iniciativa, deu a partida inicial para a oficialização do ensino público no estado. E o que representou tal iniciativa para a época? Uma revolução educacional. Esta meta vingou. Os seus Grupos Escolares se espalharam pelos municípios do estado. João Pinheiro da Silva é considerado, pois, como o governador que introduziu o ensino público em Minas Gerais, ao instituir esses Grupos Escolares. Com isso, implantou o modelo de responsabilidade do Estado pela educação. O primeiro estabelecimento – GRUPO ESCOLAR – foi implantado na cidade de Diamantina, no ano de 1906. (Decreto n. 2.091, de 20 de setembro de 1907). ) Dona Júlia Kubitschek, mãe do ex-presidente, Juscelino, era uma das professoras do município e seu filho, na época, tinha quatro anos de idade. João Pinheiro teve o cuidado de projetar até os modelos dos bancos das escolas, as carteiras, como eram chamadas.
O governador-presidente teve morte repentina no Palácio da Liberdade, em 25 de outubro de 1908, vítima de câncer linfático, aos 48 anos de idade, consequentemente, não concluiu o seu mandato. Ficou o Palácio da Liberdade com o sentimento de perda total. O povo do estado de Minas Gerais ficou órfão, juntamente com a sua família, seus 12 filhos. Todos ficaram órfãos, também, da sua ousadia administrativa, da sua visão do grande futuro do estado e, sobretudo, da sua fraternidade republicana. Deixou amigos como herança para a sua família, que cotizaram para adquirir uma casa para a viúva e os filhos. Um deles, Israel Pinheiro, estudou de favor, e tornou-se mais tarde, em governador do estado de Minas Gerais.

O primeiro grupo escolar de Diamantina iniciou seus trabalhos em um prédio adaptado, situado à praça Conselheiro Matta, n. 11, onde funcionou a Escola Normal Oficial até 1906 e atualmente sedia a Câmara Municipal de Diamantina.



terça-feira, 5 de novembro de 2019

BELO HORIZONTE, A CAPITAL

“Olhando para vocês, vi um belo horizonte!” - exclamou o papa João Paulo II, (1920 – 2005), no dia 1º. de junho de 1980, na praça Israel Pinheiro, Belo Horizonte, por ocasião da celebração de missa campal para cerca de um milhão de pessoas. A partir desse dia, o povo adotou esse local com o cognome de Praça do Papa, tal a emoção que essa manifestação espontânea e justa emoldurou a autoestima dos belo-horizontinos. Em retribuição imediata, o povo, em coro improvisado, respondeu: “Rei! Rei! Rei! – o Papa é nosso Rei!” E assim, nesse ato memorável, configurou-se um amor à primeira vista. 



Vista aérea de Belo Horizonte - ao fundo Serra do Curral- 2019


Lembrei-me de comentar sobre o primeiro habitante civil destas plagas: JOÃO LEITE DA SILVA ORTIZ. 

Ele chegou a esta região em 1701, vindo não sei de qual região do estado de São Paulo, para fazer não sei o quê. Claro está que ele procurava ouro. O certo é que esse bandeirante aconchegou-se às serras das Congonhas, hoje, serra do Curral e aqui permaneceu durante quase trinta anos.  Os bandeirantes são andarilhos por excelência, mas João Leite da Silva Ortiz achou graça neste local e resolveu permanecer e explorar a região. Assim, seus amigos e companheiros de bandeira procuraram produzir alguma coisa de subsistência, dentro dos padrões mais primitivos de sobrevivência: plantar, colher e comer. Não encontrou ouro na região e resolveu aprofundar sua expedição para o interior do estado de Goiás. Mais tarde, chegou a notícia que ele tinha falecido em 1730, na cidade do Recife. 
Imagine-se que há trezentos anos, neste local, foi iniciada a construção do povoado de Curral del-Rei, que progrediu rudimentarmente também na criação de gado, vindo da Bahia, na plantação de cereais e, posteriormente, até de algodão. Em Contagem das Abóboras, nas proximidades de Curral del-Rei, havia o posto de fiscalização para cobrança de impostos e registro do gado, de modo que corria muito dinheiro na praça. 
Edificaram-se casas muito simples, mas adequadas para as condições sociais e econômicas dos seus moradores da época. Posteriormente, Aarão Reis, 1853 – 1936) o projetista e primeiro construtor da Nova Capital, chamou essas construções de “choupanas”. Mas o povoado tinha crescido e desenvolvido. Foram instaladas fábricas de tecidos em Sabará. Até mesmo iniciativas de fundição de ferro e bronze. A usina ficava nas imediações da lagoa Maria Dias, atualmente entre a Avenida Paraná e Rua dos Carijós. 
Mas, em continuidade, construiu a Fazenda do Cercado. Era a sua sede administrativa, sua residência. Ela ficou. Informo que essa bela fazenda é o único vestígio arquitetônico da passagem dele por esta região. Encontra-se primorosamente conservada e transformada como museu. Hoje, Museu Histórico Abílio Barreto. É um retrato vivo da história da Cidade de Minas, ou melhor, do povoado de Curral del-Rei. Esse museu é uma relíquia que aos tempos confirmará a nossa origem. 

Mudar por mudar - sempre para subir mais um degrau no aperfeiçoamento humano. O que move a humanidade é o inconformismo. 

Foi o presidente Afonso Pena (1847 – 1909), então presidente Conselho do estado, que decidiu que seria construída uma nova capital, pois Ouro Preto, que era a capital, não tinha mais condições de suportar as dimensões de capital do estado. Daí por diante, o sol nunca brilhou tão intensamente na ardente mensagem de coragem para o povo mineiro. Não havia mais passagem de volta. Assim, Augusto de Lima (1859 – 1936) já tinha sugerido o local, em 1891. 
A primeira mensagem foi enviada ao Congresso Estadual em 17 de abril de 1891, propondo a mudança. Os ouro-pretanos achavam impossível esse empreendimento. 
Mas, onde seria mesmo plantada essa nova capital? Havia várias indicações bem fortes para definição do local, principalmente a várzea do Marçal, vizinha a São João Del-Rei.  A região do vale do rio das Velhas, na decisão final, venceu e foi publicada a mensagem do Congresso Legislativo a Lei de mudança da capital. 
Uma decisão política, mas, antes de tudo, centrada em estudos técnicos para a plena viabilidade. E esta região, no povoado denominado Curral del-Rei, por apenas uma pequena margem de vantagens técnicas, foi considerada a região escolhida pelo destino para ser a Belo Horizonte. 
Nessa época, não havia tratores e, consequentemente, os trabalhadores tiveram que empregar esforços mais do que dobrados. Houve grande movimentação de terra, abrindo ruas, avenidas e praças. Havia trabalhadores estrangeiros especializados na construção dos palácios administrativos. Outra coisa a comentar seria a atuação dos opositores à mudança da capital de Ouro Preto para outro lugar qualquer que fosse, mesmo ainda não definido. Para toda ideia que surja e que implique em mudança, existem opositores, sempre bem armados de argumentos fortes. Os ouro-pretanos se armaram de argumentos, reunindo forças contrárias à mudança, forças políticas desafiadoras. Arregaçaram-se as mangas da camisa e saíram em defesa da permanência da capital em Ouro Preto, cidade muito amada. 
Na verdade, um dos fortes argumentos criados pela oposição era a constatação de que grande número dos moradores do povoado de Curral del-Rei, local escolhido para a construção da capital, sofria de bócio. Seria o clima, ou a água da região? Não havia estudos comprobatórios. Pois não é que havia mesmo na região alguma coisa que parecia uma epidemia de papudos, isto é, de pessoas que tinham um tipo de deformação física denominada de bócio?  Diziam que era causado pelo clima. Talvez que o ar ou a água da região contaminava os moradores, e coisa e tal. 
Por outro lado, havia outras regiões, além desta do Vale do rio das Velhas, que pleiteavam a instalação da nova capital. Formaram-se os grupos que defendiam essas regiões. Eram grupos de mudancistas. Pleiteavam mudanças para a sua região. Uma dessas facções de mudancistas, uma delas, a mais forte, era a região próxima a São João del-Rei, que relembrava o imaginário dos inconfidentes.  Assim, nas decisões finais, tendo como grande defensor Augusto de Lima, Curral del-Rei venceu por dois votos apenas, considerando-se a sua localização como um ponto equidistante de todas as regiões do estado. Não seria totalmente equidistante, mas o ponto geográfico que facilitaria a comunicação com todas as regiões do estado. Argumento muito forte.
Afonso Pena (1847 – 1909) não perdeu tempo. Criou logo a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) pela Lei n.3, art. 2º., adicional à Constituição do estado, em 7 de dezembro de 1893.  Confiou a coordenação da construção ao engenheiro Aarão Reis (1853 – 1936). Prazo para a construção da nova capital? Quatro anos.  Quando essa Comissão Construtora da Nova Capital arranchou no povoado de Curral del-Rei, encontrou uma região com moradores tradicionais por assim dizer, habitada desde 1701. Propriedades urbanas e rurais. Havia na época, no povoado, 172 casas residenciais, 4.000 habitantes, 8 ruas, 16 pontos comerciais, 31 fazendas, 1 farmácia, 2 pontos de escolas, 2 largos ou praças. Vários engenhos. Era um povoado já com mais de cem anos de existência.  Houve a decisão do chefe da Comissão Construtora: destruir tudo para começar tudo de novo. Porquê? Eis a questão. Ideais republicanos de construir uma capital dentro dos padrões estéticos da modernidade. Mas, prejuízos generalizados. A quem recorrer? Acontece que grande extensão de terras da região já pertencia ao estado. Os moradores passaram, então, a serem admitidos como operários da Comissão Construtora, numa forma de suavizar prejuízos. 
Na ocasião, chegou a 6.000 operários na construção da Nova Capital. E grandes problemas para a gerência das obras. Conflitos. Derrubar até os templos religiosos tradicionais da vila. Aarão Reis não resistiu até o final da obra e pediu exoneração. Foi substituído pelo engenheiro Francisco Bicalho que gerenciou a obra até o dia de sua inauguração, dentro do prazo estabelecido.  Imagine, como era o regime de trabalho da época, após a abolição da escravatura. Alimentação para esses trabalhadores, habitação, saúde, nesse planalto vazio de recursos? Com muito sofrimento humano, sofrimento incalculável, como sempre, nesse curto espaço de tempo, a cidade floresceu. Veja que Brasília foi construída em três anos e oito meses. 

Meu pensamento vagueia pelos idos de 1890
Imagine que os engenheiros e arquitetos projetaram esses palácios monumentais, com toda a papelada em plantas com detalhes técnicos, dentro dos padrões de uma arquitetura avançada, num estilo condizente com a filosofia e gosto da época, estilo neoclássico, meio art-nouveau. E tinham ainda que projetar as plantas das conexões hidráulicas e elétricas. Novidade para o mundo moderno. Água encanada. Eletricidade. Criar e equalizar um estilo arquitetônico em contraste total ao colonial e barroco. Nada que traduzisse influência de Ouro Preto. Tudo novo e moderno. Entusiasmo e petulância. 
A nova república, instalada em 1889, impunha avanço tecnológico para elevar a qualidade de vida, sempre procurando um grau a mais, um degrau avançado no desenvolvimento humano, da ordem e do progresso. Uma república, uma recente república, numa visão positivista, inspirada e configurada nos ideais dos governantes da época, atraídos pela filosofia de Augusto Comte (1798 – 1857). Afonso Pena era presidente do estado, entre o período de 1892 a 1894. Lembramos que Afonso Pena foi o primeiro governador/presidente do estado eleito por voto direto. 
Imprimia-se agilidade memorável nas decisões e na efetivação dessas decisões. Empolgação total. Assim, para confrontar essas mudanças, vou fazer algumas referências à capacidade de adaptação do povo mineiro. Tantas mudanças ocorreram muito rapidamente, que não havia tempo nem para pensar duas vezes. Logo depois da saída de Afonso Pena do governo do estado, foi substituído por Crispim Jacques Bias Fortes (1847 – 1917). E o presidente Bias Fortes administrou o impossível, na opinião dos céticos. Uma cidade saída do papel e em quatro anos resplandecia ao alvorecer do século XX. Como isso foi conseguido? Mudanças, já.  Doutor João Pinheiro, não achava que tal iniciativa era grande demais para um estado, sozinho, enfrentar e chegar vitorioso no novo século. Não se tinha apego a tradições inúteis. O século XX estava batendo às portas. Mudanças! A Cidade de Minas, a Capital do estado de Minas Gerais foi solenemente inaugurada em 12 de dezembro do ano de 1897. Brilhantes festividades. Hoje, infelizmente, não se comemora a sua data de inauguração.

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