terça-feira, 5 de novembro de 2019

BELO HORIZONTE, A CAPITAL

“Olhando para vocês, vi um belo horizonte!” - exclamou o papa João Paulo II, (1920 – 2005), no dia 1º. de junho de 1980, na praça Israel Pinheiro, Belo Horizonte, por ocasião da celebração de missa campal para cerca de um milhão de pessoas. A partir desse dia, o povo adotou esse local com o cognome de Praça do Papa, tal a emoção que essa manifestação espontânea e justa emoldurou a autoestima dos belo-horizontinos. Em retribuição imediata, o povo, em coro improvisado, respondeu: “Rei! Rei! Rei! – o Papa é nosso Rei!” E assim, nesse ato memorável, configurou-se um amor à primeira vista. 



Vista aérea de Belo Horizonte - ao fundo Serra do Curral- 2019


Lembrei-me de comentar sobre o primeiro habitante civil destas plagas: JOÃO LEITE DA SILVA ORTIZ. 

Ele chegou a esta região em 1701, vindo não sei de qual região do estado de São Paulo, para fazer não sei o quê. Claro está que ele procurava ouro. O certo é que esse bandeirante aconchegou-se às serras das Congonhas, hoje, serra do Curral e aqui permaneceu durante quase trinta anos.  Os bandeirantes são andarilhos por excelência, mas João Leite da Silva Ortiz achou graça neste local e resolveu permanecer e explorar a região. Assim, seus amigos e companheiros de bandeira procuraram produzir alguma coisa de subsistência, dentro dos padrões mais primitivos de sobrevivência: plantar, colher e comer. Não encontrou ouro na região e resolveu aprofundar sua expedição para o interior do estado de Goiás. Mais tarde, chegou a notícia que ele tinha falecido em 1730, na cidade do Recife. 
Imagine-se que há trezentos anos, neste local, foi iniciada a construção do povoado de Curral del-Rei, que progrediu rudimentarmente também na criação de gado, vindo da Bahia, na plantação de cereais e, posteriormente, até de algodão. Em Contagem das Abóboras, nas proximidades de Curral del-Rei, havia o posto de fiscalização para cobrança de impostos e registro do gado, de modo que corria muito dinheiro na praça. 
Edificaram-se casas muito simples, mas adequadas para as condições sociais e econômicas dos seus moradores da época. Posteriormente, Aarão Reis, 1853 – 1936) o projetista e primeiro construtor da Nova Capital, chamou essas construções de “choupanas”. Mas o povoado tinha crescido e desenvolvido. Foram instaladas fábricas de tecidos em Sabará. Até mesmo iniciativas de fundição de ferro e bronze. A usina ficava nas imediações da lagoa Maria Dias, atualmente entre a Avenida Paraná e Rua dos Carijós. 
Mas, em continuidade, construiu a Fazenda do Cercado. Era a sua sede administrativa, sua residência. Ela ficou. Informo que essa bela fazenda é o único vestígio arquitetônico da passagem dele por esta região. Encontra-se primorosamente conservada e transformada como museu. Hoje, Museu Histórico Abílio Barreto. É um retrato vivo da história da Cidade de Minas, ou melhor, do povoado de Curral del-Rei. Esse museu é uma relíquia que aos tempos confirmará a nossa origem. 

Mudar por mudar - sempre para subir mais um degrau no aperfeiçoamento humano. O que move a humanidade é o inconformismo. 

Foi o presidente Afonso Pena (1847 – 1909), então presidente Conselho do estado, que decidiu que seria construída uma nova capital, pois Ouro Preto, que era a capital, não tinha mais condições de suportar as dimensões de capital do estado. Daí por diante, o sol nunca brilhou tão intensamente na ardente mensagem de coragem para o povo mineiro. Não havia mais passagem de volta. Assim, Augusto de Lima (1859 – 1936) já tinha sugerido o local, em 1891. 
A primeira mensagem foi enviada ao Congresso Estadual em 17 de abril de 1891, propondo a mudança. Os ouro-pretanos achavam impossível esse empreendimento. 
Mas, onde seria mesmo plantada essa nova capital? Havia várias indicações bem fortes para definição do local, principalmente a várzea do Marçal, vizinha a São João Del-Rei.  A região do vale do rio das Velhas, na decisão final, venceu e foi publicada a mensagem do Congresso Legislativo a Lei de mudança da capital. 
Uma decisão política, mas, antes de tudo, centrada em estudos técnicos para a plena viabilidade. E esta região, no povoado denominado Curral del-Rei, por apenas uma pequena margem de vantagens técnicas, foi considerada a região escolhida pelo destino para ser a Belo Horizonte. 
Nessa época, não havia tratores e, consequentemente, os trabalhadores tiveram que empregar esforços mais do que dobrados. Houve grande movimentação de terra, abrindo ruas, avenidas e praças. Havia trabalhadores estrangeiros especializados na construção dos palácios administrativos. Outra coisa a comentar seria a atuação dos opositores à mudança da capital de Ouro Preto para outro lugar qualquer que fosse, mesmo ainda não definido. Para toda ideia que surja e que implique em mudança, existem opositores, sempre bem armados de argumentos fortes. Os ouro-pretanos se armaram de argumentos, reunindo forças contrárias à mudança, forças políticas desafiadoras. Arregaçaram-se as mangas da camisa e saíram em defesa da permanência da capital em Ouro Preto, cidade muito amada. 
Na verdade, um dos fortes argumentos criados pela oposição era a constatação de que grande número dos moradores do povoado de Curral del-Rei, local escolhido para a construção da capital, sofria de bócio. Seria o clima, ou a água da região? Não havia estudos comprobatórios. Pois não é que havia mesmo na região alguma coisa que parecia uma epidemia de papudos, isto é, de pessoas que tinham um tipo de deformação física denominada de bócio?  Diziam que era causado pelo clima. Talvez que o ar ou a água da região contaminava os moradores, e coisa e tal. 
Por outro lado, havia outras regiões, além desta do Vale do rio das Velhas, que pleiteavam a instalação da nova capital. Formaram-se os grupos que defendiam essas regiões. Eram grupos de mudancistas. Pleiteavam mudanças para a sua região. Uma dessas facções de mudancistas, uma delas, a mais forte, era a região próxima a São João del-Rei, que relembrava o imaginário dos inconfidentes.  Assim, nas decisões finais, tendo como grande defensor Augusto de Lima, Curral del-Rei venceu por dois votos apenas, considerando-se a sua localização como um ponto equidistante de todas as regiões do estado. Não seria totalmente equidistante, mas o ponto geográfico que facilitaria a comunicação com todas as regiões do estado. Argumento muito forte.
Afonso Pena (1847 – 1909) não perdeu tempo. Criou logo a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) pela Lei n.3, art. 2º., adicional à Constituição do estado, em 7 de dezembro de 1893.  Confiou a coordenação da construção ao engenheiro Aarão Reis (1853 – 1936). Prazo para a construção da nova capital? Quatro anos.  Quando essa Comissão Construtora da Nova Capital arranchou no povoado de Curral del-Rei, encontrou uma região com moradores tradicionais por assim dizer, habitada desde 1701. Propriedades urbanas e rurais. Havia na época, no povoado, 172 casas residenciais, 4.000 habitantes, 8 ruas, 16 pontos comerciais, 31 fazendas, 1 farmácia, 2 pontos de escolas, 2 largos ou praças. Vários engenhos. Era um povoado já com mais de cem anos de existência.  Houve a decisão do chefe da Comissão Construtora: destruir tudo para começar tudo de novo. Porquê? Eis a questão. Ideais republicanos de construir uma capital dentro dos padrões estéticos da modernidade. Mas, prejuízos generalizados. A quem recorrer? Acontece que grande extensão de terras da região já pertencia ao estado. Os moradores passaram, então, a serem admitidos como operários da Comissão Construtora, numa forma de suavizar prejuízos. 
Na ocasião, chegou a 6.000 operários na construção da Nova Capital. E grandes problemas para a gerência das obras. Conflitos. Derrubar até os templos religiosos tradicionais da vila. Aarão Reis não resistiu até o final da obra e pediu exoneração. Foi substituído pelo engenheiro Francisco Bicalho que gerenciou a obra até o dia de sua inauguração, dentro do prazo estabelecido.  Imagine, como era o regime de trabalho da época, após a abolição da escravatura. Alimentação para esses trabalhadores, habitação, saúde, nesse planalto vazio de recursos? Com muito sofrimento humano, sofrimento incalculável, como sempre, nesse curto espaço de tempo, a cidade floresceu. Veja que Brasília foi construída em três anos e oito meses. 

Meu pensamento vagueia pelos idos de 1890
Imagine que os engenheiros e arquitetos projetaram esses palácios monumentais, com toda a papelada em plantas com detalhes técnicos, dentro dos padrões de uma arquitetura avançada, num estilo condizente com a filosofia e gosto da época, estilo neoclássico, meio art-nouveau. E tinham ainda que projetar as plantas das conexões hidráulicas e elétricas. Novidade para o mundo moderno. Água encanada. Eletricidade. Criar e equalizar um estilo arquitetônico em contraste total ao colonial e barroco. Nada que traduzisse influência de Ouro Preto. Tudo novo e moderno. Entusiasmo e petulância. 
A nova república, instalada em 1889, impunha avanço tecnológico para elevar a qualidade de vida, sempre procurando um grau a mais, um degrau avançado no desenvolvimento humano, da ordem e do progresso. Uma república, uma recente república, numa visão positivista, inspirada e configurada nos ideais dos governantes da época, atraídos pela filosofia de Augusto Comte (1798 – 1857). Afonso Pena era presidente do estado, entre o período de 1892 a 1894. Lembramos que Afonso Pena foi o primeiro governador/presidente do estado eleito por voto direto. 
Imprimia-se agilidade memorável nas decisões e na efetivação dessas decisões. Empolgação total. Assim, para confrontar essas mudanças, vou fazer algumas referências à capacidade de adaptação do povo mineiro. Tantas mudanças ocorreram muito rapidamente, que não havia tempo nem para pensar duas vezes. Logo depois da saída de Afonso Pena do governo do estado, foi substituído por Crispim Jacques Bias Fortes (1847 – 1917). E o presidente Bias Fortes administrou o impossível, na opinião dos céticos. Uma cidade saída do papel e em quatro anos resplandecia ao alvorecer do século XX. Como isso foi conseguido? Mudanças, já.  Doutor João Pinheiro, não achava que tal iniciativa era grande demais para um estado, sozinho, enfrentar e chegar vitorioso no novo século. Não se tinha apego a tradições inúteis. O século XX estava batendo às portas. Mudanças! A Cidade de Minas, a Capital do estado de Minas Gerais foi solenemente inaugurada em 12 de dezembro do ano de 1897. Brilhantes festividades. Hoje, infelizmente, não se comemora a sua data de inauguração.

2 comentários:

  1. Bh é uma bela cidade, cheia de problemas, principalmente os meios de transporte. Uma capital projetada que foi crescendo despudoradamente sem uma visão de futuro. Hj sentimos este caos. Péssimo sistema de transporte municipal, ruas e avenidas estreitas, é o reflexo de um Brasil corrupto.

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  2. Toda metrópole têm seus problemas e conflitos, BH não é diferente. Precisamos de políticos visionários como estes citado no texto. Atualmente minas não tem politico são fracos, corruptos, sem expressão nacional. Minas sustenta o grande parte do pais, mas nossas estradas são consideradas "tampa de caixão". A BR 381 é uma vergonha pro Brasil e pra minas. O Anel rodoviário, quanto descaso, apelidado de "anel do capeta".

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