JK, O PRESIDENTE CONSTRUTOR DE BRASÍLIA
Autor: Rogério
de Alvarenga
Apresentação

“JK é
entusiasmo, esperança, determinação” Niemeyer. “Homem excepcional, incapaz de uma perseguição, de uma violência, de
uma vingança. Perdoava as pessoas, anistiava os culpados e seus detratores mas,
depois, foi por eles perseguido de forma cruel, por inveja e despeito.
Lançassem as urnas eleitorais, ele teria voltado à presidência, com a
consagração de todo o povo brasileiro”. Sobral Pinto. “Cinco anos de trabalho, cinco anos de
estabilidade, cinco anos de política ilesa da democracia”. Tancredo Neves. “O Brasil perdeu um filho que soube ser o
mais querido e o mais injustiçado”. Nélson Carneiro.
Entrevistador
O povo
brasileiro há de reverenciar, com fé e orgulho, as ações deste ex-presidente
bossa-nova, visionário de um Brasil feliz. Assim, eis conosco, JK, para uma
conversa simples e abrangente sobre fatos de sua vida Boa noite, PRESIDENTE JK!
JK
Boa
noite! Sempre que tenho oportunidade, me
proponho a falar para exaltar e dignificar o povo brasileiro e a minha pátria!
E
Mas,
presidente, sua vida foi uma sucessão de vitórias! Que pode dizer sobre seus
momentos mais gloriosos?
JK
Na primeira
fase da minha vida, sempre obtive as mais fantásticas e inacreditáveis vitórias
pelas minhas realizações.
E
Primeira
fase?
JK
Não posso
negar as duas grandes fases da minha vida. A primeira, de glórias, a segunda de
amarguras.
E
Pode
delimitar no tempo essas fases?
JK
Claro! A
primeira, da minha infância em Diamantina, minha cidade natal, até o dia da
cassação dos meus direitos políticos, em 8 de junho de 1964. A segunda, a
partir dessa cassação até a minha morte trágica, na tarde de 22 de agosto de
1976.
E
Poderia
acrescentar uma terceira fase, presidente?
JK
O que
propõe?
E
A terceira
fase seria a construção da sua memória para romper os séculos, consignando a
esperança num Brasil novo a cada dia, rememorando o mito que o fez
gigante.
JK
Sei que vou
continuar na memória do povo brasileiro, porque dediquei a minha vida pelo meu
povo e pela minha pátria.
E
Poderia
falar de sua infância?
JK
Meu pai,
João César de Oliveira, minerador em Diamantina, sempre bem-humorado e
festeiro, faleceu quando eu tinha dois anos. Minha mãe, Júlia Kubitschek, viúva
aos 23 anos de idade, dedicou sua vida ao magistério e à educação de seus dois
filhos, Naná e Nonô, como ela, carinhosamente nos chamava. Lutou contra as
maiores adversidades e viveu exclusivamente para a formação dos filhos. Em
1919, abriu-se um concurso para telegrafista na Agência Central de Belo
Horizonte. Fui à capital para prestar as provas desse concurso e obtive o 19o
lugar na classificação geral e a primeira prova foi realizada no dia 21 de
julho de 1919. Compareceram 89 dos candidatos inscritos. Voltei a Belo
Horizonte, ainda em dezembro de 1919, mas só assumi o cargo de Telegrafista
Auxiliar no dia 19 de maio de 1921. Com isso, me considerava rico e
independente! Permaneci no cargo até formar-me em Medicina, em Belo Horizonte,
no ano de 1927.
E
Formou-se,
então, em Medicina?
JK
Sim! E
trabalhei efetivamente, como médico, em clínica particular. Posteriormente,
ingressei na Polícia Militar de Minas Gerais, como médico urologista.
Participei da Revolução de 1932 – ou Guerra Civil - e fui promovido a Capitão
Médico, depois de estágio profissional, realizado em Paris.
E
E o casamento?
JK
Casei-me
com Sarah Lemos de Oliveira, no dia 30 de dezembro de 1931 e vivemos muito
felizes com as nossas filhas Márcia e Maristela. Sarah era filha de um
importante senador estadual, pessoa da mais alta dignidade da época.
E
E a
política?
JK
O então
governador do Estado de Minas Gerais, doutor Benedito Valadares, convidou-me
para chefe de Gabinete e, logo depois, nomeou-me prefeito de Belo Horizonte.
Foi o primeiro desafio.
E
E a nova
capital, Belo Horizonte?
JK
Belo
Horizonte, a nova capital do Estado, transferida de Ouro Preto em 1897, estava
praticamente por fazer. Uma cidade com pouco mais 30 anos de inaugurada!
Comecei um plano de obras, abri então as avenidas radiais, avenida Amazonas e
Antônio Carlos. Esta, projetada para 50 metros de largura! Construí o conjunto
arquitetônico da Pampulha, um lago artificial, um cassino, um iate golfe clube,
uma casa de diversão, a Casa do Baile, e uma igrejinha. Também inaugurei o
Museu Histórico Abílio Barreto e criei a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais.
Nessa época, eu já tinha a meu lado um grupo de jovens, amigos de primeira
linha, artistas e arquitetos: Oscar Niemeyer, Portinari, Burle Marx, Santa
Rosa, Ceschiatti, Eles me acompanharam por longos anos de minha vida.
E
E essa
igreja?
JK
Essa
igrejinha de São Francisco, construída em linhas de plena vanguarda modernista,
não foi bem aceita pelo clero local. Infelizmente! Não era a minha intenção!
Assim, manteve-se interditada para atos religiosos por 17 anos. Somente em
1959, quando eu era presidente da República, estabeleci acordo, doando-a à
Mitra Arquidiocesana, por intermédio de Dom João de Rezende Costa.
E
E esse
conjunto de obras trouxe repercussão nacional?
JK
Pela
beleza, pela grandiosidade e pela ousadia! Uma arquitetura moderna, avançada,
Era o início das minhas grandes realizações. Foi o meu impulso para alcançar
níveis mais elevados. Sempre me orgulho de ter vivido esses momentos de grandes
realizações em Belo Horizonte.
E
Daí passou
a ser chamado de prefeito furacão?
JK
Muito
justo, acredite! Para compreender melhor, o trabalho de remoção de terra de
todas as obras da época era feito por intermédio de burros e carroças. Mais de
mil burros tinham emprego direto na Prefeitura. Poderia ser de outra forma?
Podem imaginar isso? Às vezes, me pergunto: “se dispusesse dessas máquinas
possantes de hoje, teria feito outros 50 anos em 5!”
E
Depois de
prefeito de Belo Horizonte, Deputado Federal?
JK
Fui eleito
Deputado Federal pelo PSD, Partido Social Democrático, em 1947. Mas, já estava
me preparando para as eleições estaduais. Fui indicado pelo meu partido para
concorrer como candidato ao governo do estado. Com muito esforço, saí vitorioso
nas eleições realizadas no dia 3 de outubro de 1950.
E
Gabriel
Passos, seu concunhado, foi o candidato da UDN!
JK
Isso mesmo.
Nessas eleições, somente a minha sogra tinha a certeza de que venceria.
E
O estado de
Minas Gerais era bem diferente!
JK
Tive
dificuldades imensas. O estado possuía
300 municípios na época. Lancei um slogan pelo binômio ENERGIA E TRANSPORTE e
realizei 168 comícios. Imaginem a dificuldade que tive em percorrer os mais
distantes cantões do estado! Entretanto, as minhas convicções eram mais
vigorosas. Quando se acredita, as coisas acontecem!
E
Mas o
próprio país era diferente!
JK
A população
brasileira era, em 1850, de 52 milhões de habitantes, sem estradas, sem
comunicações, sem energia elétrica.
E
JK
O estado de
Minas Gerais tinha 1.330.000 eleitores e o país tinha 8.254.989. Fui eleito com
53% dos votos, enquanto meu adversário obteve 40%.
E
E a posse?
JK
Ocorreu no
dia 31 de janeiro de 1951. Eu era um GOVERNADOR A JATO!
E
Muito
trabalho?
JK
Muito
trabalho mesmo! Imediatamente o trabalho! Mas, antes, mudar a postura e os
métodos. Nada de ficar despachando com chefes políticos em gabinetes fechados.
Mudança de comportamento e de atitudes, para recuperar o atraso e a sonolência
que dominavam o estado, por tantos anos, desde a fuga das minerações e do ouro,
E
Muito
trabalho, então?
JK
Abertura de
estradas de rodagem. Eram 16 estradas-troncos para cortar radialmente o estado.
A principal delas era a Belo Horizonte-Salto da Divisa, com 902 km de extensão.
No total do meu governo, tivemos 3.087 km de estradas abertas no período.
E
E energia?
JK
Em 1952,
criei as Centrais
Elétricas de Minas Gerais – CEMIG,
hoje, Companhia
Energética de Minas Gerais -
tornando-se essa empresa em modelo estatal de eletrificação. Atualmente,
ilumina o nosso estado por completo. Lancei a pedra fundamental da Mannesmann, Companhia Siderúrgica Mannesmann - inaugurada em 1954. São empresas que
valorizam o potencial do estado de Minas Gerais.
E
E as obras?
JK
Uma vez,
meu Secretário da Agricultura me confidenciou a compra de 40.000 enxadas.
Respondi-lhe imediatamente que esperava a aquisição de 40.000 tratores. Não
tenho vocação para obras pequenas. Nunca tive. Estou muito saudosista, me
desculpe!
E
E as
serenatas?
JK
Ah!
Diamantina me ensinou a festejar uma serenata. Assim, a minha vida é uma
serenata completa. Amigos diletos, meus irmãos que não tive, César Prates,
Dilermando Reis, Ataulfo Alves, Sílvio Caldas e tantos outros. Sempre estiveram
comigo, a meu lado, do lado afetivo do coração. Também Juca Chaves, que me
chamou de “PRESIDENTE BOSSA-NOVA”! Toda essa gente me acompanhou. Como me
esquecer deles? Há centenas de outros. Como deixar de me lembrar deles nas
recordações mais íntimas de minha vida?
E
Seus
biógrafos insistem em afirmar que o senhor tinha obsessão por mulheres bonitas
e elegantes. Que era pé-de-valsa, isto é, que adorava dançar.
JK
Uma bela
afirmação! Quem não gostaria de coisas belas? Entretanto, não podem deixar de
dizer também que eu tinha compulsão pelo trabalho, pela política e pelas
realizações. Nunca estive parado um só instante da minha vida. Obras
grandiosas, visando fazer um Brasil feliz. Uma obsessão irresistível. Para
resumir, tudo que fiz foi com obsessão desenfreada, O trabalho sempre foi mais
importante para mim do que a minha própria vida. Meu trabalho e minha família
foram sempre mais importantes para mim e para a minha vida.
E
E agora a
meta era a Presidência da República?
JK
Antes
disso, seria forçoso lembrar que não foi fácil a aprovação do meu nome para
candidato às eleições presidenciais de 1955.
E
Problemas
com o presidente Getúlio Vargas?
JK
Problemas!
Problemas não com ele. Problemas políticos que o envolveram numa das armadilhas
mais funestas da vida brasileira, num conjunto de ações desenvolvidas por
jornalistas e militares.
E
Então, o
presidente Vargas sempre foi seu amigo?
JK

E
Como foi?
JK
Após a
solenidade de inauguração, ofereci-lhe um almoço nos jardins do Palácio da
Liberdade, ao som de melodias de uma orquestra instruída para tocar músicas
suaves. Getúlio Vargas se mostrava triste, arredio, sempre procurando o
isolamento. À tarde, fomos para o Palácio das Mangabeiras, no alto da serra do
Curral, local acolhedor e de pleno silêncio. Visão ampla e descortinada da
cidade, local adequado ao repouso e à meditação. O jantar foi servido para 30
pessoas, em caráter íntimo, apenas alguns sindicalistas, alguns deputados e
diretores da Mannesmann. Houve uma pequena serenata com César
Prates e Dilermando Reis, terminando por volta da meia-noite. Deixei-o a sós e
desci a serra do Curral, recomendando ao mordomo que não se afastasse dele um
só instante. Ele, mais tarde, desceu até a biblioteca e pegou um livro de Eça
de Queirós. No dia seguinte, notei que ele ainda estava muito abatido. Levei-o
ao aeroporto. Abraçou-me nas despedidas e pude sentir, pela firmeza de seus
gestos nesse abraço fraternal, que ele estava manifestando um forte impulso de
agradecimento e de amizade. Tentou dizer alguma palavra, mas desistiu. Não
precisava de palavras. Ele talvez quisesse agradecer aqueles momentos de paz e
de solidariedade. Eu, de minha parte, comovi-me intensamente, porque sabia do
clima de hostilidade generalizada que fermentava no Rio de Janeiro. A imprensa,
os militares! Amigos? Quais? Sei, com certeza que, nesse momento de despedida
de Belo Horizonte, ele pôde sentir que eu estava do seu lado, mesmo sem dizer
uma só palavra..
E
Saiu de
Belo Horizonte em 13 de agosto e suicidou-se no dia 24.
JK
Foi um ato
de plena decisão. Premeditado e arquitetado por vários dias. Foi um golpe final
e fatal que terminou, imediatamente, com a farra da UDN e dos militares.
E
Então,
Getúlio Vargas sofreu o suficiente para essa decisão?
JK
A UDN
investiu todas as suas forças contra Getúlio Vargas, sempre na tentativa de sua
deposição, ou de seu licenciamento sem retorno programado. E ele respondia: “Só
saio daqui morto! Estou muito velho para ser desmoralizado e já não tenho
razões para temer a morte!”
E
Resistiu o
quanto pôde?
JK
Getúlio
Vargas resistiu o quanto pôde para evitar a sua deposição. Finalmente, no dia
24 de agosto de 1954, às 8h30, deu um tiro no próprio coração, deixando uma
carta-testamento ao povo brasileiro.
E
E esse
gesto?
JK
Esse gesto
deixou atônitos os seus opositores que acabaram em pânico com o povo nas ruas.
E
E que fez o
senhor, depois de ter conhecimento da morte de Vargas?
JK
Às 11h30,
parti para o Rio de Janeiro, completamente aturdido pelos acontecimentos e pela
amizade e pelo respeito que tinha pelo presidente. Estava comovido e chocado.
Sarah e eu acompanhamos o velório, procurando dar conforto aos familiares.
Ainda mais. Eu fui o único governador de estado que compareceu ao velório do
presidente Vargas.
E
Depois de
todos esses acontecimentos, poderia pensar nas eleições para a presidência no
ano seguinte?
JK
É verdade.
Seriam realizadas a 3 de outubro de 1955 mas, mediante esses acontecimentos,
com o ambiente político conturbado, era prudente aguardar. Esperar o tempo
certo. Finalmente, tive a ventura de ver o PSD em forte aliança com o PTB,
partido de Getúlio Vargas, tendo João Goulart como companheiro de chapa.
Obtivemos três milhões de votos, isto é, 36%. Eram quatro candidatos e não foi
obtida a maioria absoluta, uma nova arma secreta da UDN e dos militares, contra
a minha posse.
E
Reviravoltas?
JK
Com a
intervenção decisiva do Marechal Henrique Teixeira Lott, em 11 de novembro, restabeleceu-se
a ordem política. Nesse dia, o senador Nereu Ramos foi convocado, como
presidente do Senado, a tomar posse na Presidência da República, às 18h30. Teve
alguma relutância inicial, mas acabou aceitando, em vista do afastamento por
motivo de saúde do Vice-Presidente, Café Filho e do impedimento de Carlos Luz,
que ocupava a Presidência. Nesse momento, Carlos Luz viajava a bordo do navio
Tamandaré, em companhia de correligionários, em direção a Santos, onde
pretendia retomar o poder. Esse navio, entretanto, estava em condições
precárias e jamais chegaria a Santos. Resolveram retornar. Essas decisões
estratégicas foram suficientes para que a minha posse fosse realizada, em 31 de
janeiro de 1956. A faixa presidencial foi passada pelo senador, ou melhor, pelo
Presidente, Nereu Ramos. Mais tarde, em tom de irreverência, teriam dito que a
minha posse não teve “Café nem Luz”. Estabeleci plano de metas e mais a
meta-síntese, a construção de Brasília.
E
Novamente, muito trabalho?
JK
Dificuldades
atrás de dificuldades, mas tudo é alcançado quando se quer realmente. Assim, no
meu governo, fiz o Brasil crescer 50 anos em 5, numa era de prosperidade,
tornando-me o presidente que instalou a indústria automobilística no país,
multiplicou por 15 a produção de petróleo, construiu as hidrelétricas de Furnas
e de Três Marias e que abriu mais de 20.000 km de estradas. Além disso, fui o
presidente que construiu Brasília e que transferiu a Capital Federal do Rio de
Janeiro para Brasília, em 21 de abril de 1960. Finalmente, passei a faixa
presidencial a meu sucessor, em regime de plena democracia.
E
Mas e
Brasília?
JK
Minha
paixão desenfreada. André Malraux, ministro da Cultura da França, disse
extasiado: “Esta
é a capital da esperança!”
E
E
depois? Candidatou-se a Senador?
JK
Tive a
honra de ser eleito Senador pelo estado de Goiás, que representei com
brilhantismo, até o dia da cassação dos meus direitos políticos.
E
E Estadista
do Século!
JK

E
Finalmente,
chegamos aos anos da amargura, que muitos dizem “anos de chumbo!”
JK
Finalmente!
Em 31 de março de 1964, os militares depuseram o presidente João Goulart e assumiram
o poder do país. Desde os tempos recentes de Getúlio Vargas, era a aspiração
máxima de grupos das forças armadas. Estavam ávidos pelo domínio geral.
Finalmente, eles vieram com força total, com o ideal firmado de normalização e
moralização política do Brasil.
E
E
O senhor
também foi vítima desse desmoronamento político institucional?
JK
Pronunciei
discurso no Senado, afirmando a minha revolta contra oficiais de alta patente,
muitos deles promovidos por mim mesmo.
E
Obteve
resposta?
JK
Imediatamente!
No dia 8 de junho de 1964, foi decretada a cassação dos meus direitos políticos
por dez anos, juntamente com nove deputados estaduais e 39 outras pessoas. O
país passou por dias tenebrosos com prisões, torturas, sofrimento,
intranqüilidade e insegurança geral. Sofreu também tantas outras
arbitrariedades, ditas legais. O decreto de cassação tinha apenas duas
assinaturas: a do Presidente, Marechal Castelo Branco e do Ministro da Justiça,
Milton Soares Campos.
E
Daí, o
exílio?
JK
No dia 14
de junho, decidi me afastar do país, tendo amargado vários anos de exílio.
Afastei-me do país. Minha vida financeira ficou abalada, porque não tinha fonte
de receita. Passei grandes dificuldades no exterior. Uma das vezes que estive
de retorno, um oficial jovem me confidenciou que eu iria ser preso. Ele, o
oficial, era grato a mim num processo que o atingira injustamente e eu tinha
dado a ele a minha decisão. Foi ao aeroporto me receber e me confidenciar. Voltei
também, com autorização especial, para acompanhar o velório da minha irmã,
Maria da Conceição, Naná, minha única irmã.
Consegui autorização para vir ao enterro, mas nada de declarações ou
manifestações. Assim mesmo, recebi voz de prisão, ao desembarcar.
E
Conseguiu
ainda ver o corpo da sua irmã?
JK
Em Belo
Horizonte, por onde passava, o povo me aplaudia. Não podia fazer nada por isso.
Nem cumprimentar o meu povo. Sempre estive de cabeça baixa. Finalmente, cheguei
em frente ao corpo da minha irmã. Chorei copiosamente. Queria interromper meus
soluços e não conseguia. Desabafei as dores de tantos anos de sofrimento e sei
que Naná sempre sofria comigo. Nem sei como derramei tantas lágrimas! Não me
continha! Não me contive! Decidi deixar extravasar todos os meus
ressentimentos. Ela compreenderia isso.
Do lado de fora, aplausos. Que fazer? Foi uma cena patética! Nem gosto
de me lembrar! Eu, chorando copiosamente! E o povo aplaudindo! Isso tudo me
fazia mais convulsivo! Era o dia 4 de junho de 1966.
E
E voltou
outra vez?
JK
Sim, mas
antes de regressar, indiquei Israel Pinheiro ao governo de Minas Gerais. Não
vim para as eleições, mas foi um lançamento ousado, nas vésperas do dia das
eleições, em vista da cassação do candidato indicado pelo meu partido. O povo
correspondeu ao nosso chamado, como se fosse uma resposta à situação política
atual. Assim, Israel Pinheiro conseguiu sentar-se na cadeira de governador do
estado de Minas Gerais, no Palácio da Liberdade, onde seu pai, o governador
João Pinheiro, havia morrido no ano de 1908.
E
E
continuaram as perseguições?
JK
De todas as
formas. Passei por situações muito delicadas e de muita humilhação. Não há por
que falar mais sobre isso, quando temos outras amarguras pela frente. Mas,
mesmo assim, devo declarar que nunca me tocaram fisicamente. Como disse, já faz
parte de um passado distante, que melhor seria abandoná-lo nos porões das
memórias profundas. .
E
Mas, o que
queriam de JK?
JK
Queriam,
agora o sei, a minha morte, sem ressurreição. Sei, agora, que sempre fui um
fantasma aterrador para eles. Sei, agora, que sempre me temeram, que temeram a
minha sombra que passava por eles como qualquer fresta de luz. Temiam. Eu era o
inimigo e eles vivem durante toda a vida profissional à procura de um inimigo.
E eu estava onde? Na memória do povo e nas minhas obras. Em tudo que tocavam a
minha imagem fantasmagórica estava preservada.
E
Finalmente,
o dia 22 de agosto?
JK
Tinha
retornado definitivamente ao meu país e iria viver aqui, do jeito que pudesse.
“Agora, só saio morto!”
E
Ainda os
amigos de sempre?
JK
Fui
convidado para uma serenata em Diamantina e encontrei poucos amigos. “Parece
que tenho uma doença contagiosa” Mesmo assim, eu dava uma bela gargalhada.
E
E a sua
vida pública foi completa!
Fui
Prefeito, Deputado Federal, Governador, Presidente da República e Senador.
E
Poderia ter
assumido a Presidência, novamente, em 1965!
JK
E a minha
meta seria “5 anos de agricultura, para 50
de fartura”. Tudo um sonho!
E
Então
surgiu o boato da sua morte, antecipadamente.
JK
É verdade!
Eu me diverti muito e fizemos um belo encontro com jornalistas e amigos na
minha fazenda em Luziânia. Era a morte desejada!
E
E a
Academia Brasileira de Letras?
JK
Uma grande
frustração! Pela primeira vez, perdi uma eleição! Em 1975, candidatei-me a uma
vaga na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro e, por injunções
políticas de seu presidente, Austregésilo de Atayde e de seu envolvimento com
militares, não fui o eleito. Fui vendido por um saco de cimento! Compareci,
entretanto, à posse do meu adversário e cumprimentei-o solenemente. Não posso negar
que fiquei muito triste com isso. Além de tudo, era mais triste ver um
presidente de uma casa respeitável se prestar a ajustamentos e a adequações
políticas dessa natureza. Em contrapartida, tive o meu nome lançado pela
Academia Mineira de Letras, em convite do seu presidente, Vivaldi Moreira, na
cadeira 34, cujo patrono é Tomás Antônio Gonzaga e o último ocupante era Nilo
Aparecida Pinto. Tomei posse no dia 3 de maio de 1975. Das oportunidades, a
melhor!
E
E o boato
de sua morte? Continuamos?
JK
O jornal,
“Folha de São Paulo”, informou que eu tinha morrido em acidente de carro. A
notícia correu pelo país. Achei tudo uma grande brincadeira, mas hoje pressinto
que teria sido um “balão de ensaio”, pois esse fato ocorreu já no mês de agosto
de 1976.
E
E dona
Júlia?
JK
Minha mãe
faleceu em 1971. Algum tempo depois, recomendei a um amigo que adquirisse a
casinha onde moramos tanto tempo, em Diamantina. Fica à rua São Francisco, 241.
Ela foi restaurada de forma adequada, pelo governador do estado de Minas Gerais,
Tancredo Neves, tornando-se um dos pontos turísticos obrigatórios na minha
cidade. Recentemente, o governador Aécio Neves destinou uma verba especial para
a sua manutenção.
E
Finalmente,
podemos voltar ao dia 22 de agosto de 1976?
JK
Nesse dia,
nessa tarde de domingo, eu viajava de São Paulo para o Rio de Janeiro em
companhia do meu amigo e motorista, Geraldo Ribeiro quando, no quilômetro 165
da via Dutra, fui vítima de um acidente, com uma fechada de um ônibus da
empresa da Viação Cometa. Isso obrigou o Geraldo a sair da pista e colidir com
uma carreta que vinha em sentido contrário. Foi um acidente fatal para mim e
para o Geraldo, com morte imediata. Nada mais sei.
E
Vinha então
de São Paulo?
JK
Estive em
São Paulo na casa da revista Manchete, a convite do meu amigo Adolfo Bloch. Foi
ele um amigo até os meus últimos momentos.
E
E o senhor
não chegou a completar 74 anos de idade?
JK
Faltaram 20
dias para isso.
E
E os
acontecimentos do dia seguinte?
JK
Fui exposto
nas mesas de um bar para constatação geral. O corpo do motorista Geraldo foi
colocado num caixão de alumínio e lacrado. Parecia já preparado. Depois, meu
corpo foi transportado para o Instituto
Médico Legal do Rio de Janeiro. Em seguida, fui removido para o saguão do
Edifício Manchete. Sarah e as nossas filhas Márcia e Maristela chegaram ao
amanhecer. Os meus amigos começaram a chegar, logo após. O povo já cantava a
canção “Peixe Vivo”. Ao meio-dia de 23 de agosto, o cortejo seguiu a pé até ao Aeroporto
Santos-Dumont. O meu caixão estava coberto com a bandeira do Brasil. Fui
transportado nos ombros do povo do Rio de Janeiro, num percurso que durou mais
de uma hora. Ao chegar ao aeroporto, o povo aplaudia emocionado.
E
Seguiu para
Brasília?
JK
Justamente! Às 16 horas o BOING PP – VLT da VARIG chegava
a Brasília. O povo, emudecido, viu
abrirem-se as portas do avião. Silêncio total de 30.000 pessoas que aguardavam
no aeroporto de Brasília.
E
Seguiu para
a Catedral?
JK
Aguardando
o corpo, estava uma “Kombi”, junto ao BOING, coberta com a bandeira do Brasil.
As portas do avião se abriram e apareceu um funcionário da empresa. Fez o
sinal-da-cruz.
E
Foi
transportado por uma “kombi”?
JK
Meu corpo
foi colocado na “kombi” por Ulisses Guimarães e outros amigos diletos. O povo
aplaudia sem cessar e sem saber se chorava ou se cantava o “Peixe-Vivo”, desde
as 13 horas. Grupos se reuniam, informalmente, em corais emocionantes. O
cortejo seguiu lento! 4.000 automóveis! Fila interminável até à Catedral
Metropolitana de Brasília, a 20 km de distância! 40 jovens motociclistas, com
blusões pretos portavam faixas. O esquife entrou na Catedral, carregado pelo
povo. A Catedral era flores e candangos! Eles construíram e agora entraram! Por
mais estranho que pareça, estavam felizes por estar perto de mim! Havia centenas
e centenas de coroas! Estavam bonitas, no começo. Depois, esses amigos
candangos, que não tinham dinheiro para comprar flores, foram arrancando as
mais bonitas e jogando sobre o meu caixão. Os cordões de isolamento eram
enormes! Uma senhora disse para um militar: “os senhores estão isolando o quê?
Tem alguma coisa aqui para ser isolada? Nós viemos buscar o nosso presidente no
maior respeito que ele merece! Já não chega esse isolamento de tantos esses
anos? Vamos! Tirem essa corda que eu vou
passar!” Os taxistas não cobravam as corridas e abaixaram os taxímetros Não cobravam de nenhum passageiro! A missa
foi celebrada pelo Arcebispo dom José Newton, pelo Núncio Apostólico. Dom
Carmine Rocco e mais 25 padres, iniciando às 17h15. Quase não houve missa. Ela
foi várias vezes, interrompida por palmas, hinos, lamentações e choro! Do lado
de fora, o povo se comprimia com gritos de JK! JK! JK! Sarah pronunciou algumas
palavras, recebidas entusiasticamente pelo povo. Pedia calma e prudência! O
povo atendeu por alguns momentos, mas, logo depois, era revivida a situação de
desespero geral. Um grupo de índios xavantes de Mato Grosso conseguiu chegar
até perto do caixão, colocado bem debaixo dos anjos de Ceschiatti. Um candango,
de alma pura, perguntou? “Ele vai ser enterrado?” Fazia sentido essa pergunta?
Eram seis horas da tarde quando o meu caixão foi retirado da Catedral. Seria
colocado num carro vermelho estacionado. Aí, o povo, os candangos não
permitiram e me carregaram nos ombros calejados. O caminho é longo! Vários
quilômetros! Mas, em pleno transe, ninguém pensava nisso. Alucinação. Tinha o
meu destino: “deitar-me para dormir em paz!” O percurso foi longo e sofrido.
Finalmente, de madrugada, na hora das serestas, cheguei ao CAMPO DA ESPERANÇA.
Fui sepultado ao lado do meu amigo Bernardo Sayão e a 150 metros do Candango
Desconhecido, já horas altas dessa madrugada, no raiar do dia 24 de agosto,
sempre carregado pelo povo que não sabia se cantava ou se chorava ou se fazia
as duas coisas ao mesmo tempo. Foi isso. Foi assim que me contaram em cartas.
Nada mais, penso agora. Ninguém transmitiu pela televisão essas cenas, por
falta de coragem ou por imposição, dita legal.
E
E o
Memorial JK?
JK
Foi uma
iniciativa de Sarah. Dizia um ministro: “Isso, nunca!”. Entretanto, Sílvio
Caldas tinha uma audiência com o presidente Figueiredo e foi incumbido de pedir
essa autorização. Conseguiu! Sarah solicitou uma audiência com o presidente,
dias depois, para a escolha do local e, nos moldes de JK, fazer-lhe o convite
para a inauguração, fixando o prazo em 17 meses. Niemeyer já tinha o esboço
pronto! Surgiu depois a polêmica da foice e do martelo, símbolos do poder
marxista. Nada deteve a força das convicções. A minha estátua permanece dentro
da parte côncava da foice idealizada. O Memorial JK, em Brasília, DF, foi
solenemente inaugurado no dia 12 de setembro de 1981, no dia do meu
aniversário, quando completaria 79 anos de idade.
E
Senhor
Presidente! O povo brasileiro agradece a gentileza da sua presença e de suas
palavras. Impossível seria deixar de ouvir a sua mensagem, neste momento.
JK
Agradeço de
coração, mais uma vez, esta derradeira oportunidade de falar ao meu povo!
Agora, simplesmente faço parte da história. As minhas palavras revelam muito
pouco de tantos acontecimentos da fase da amargura da minha vida. As gerações
futuras hão de prosseguir estudos e pesquisas para elucidar fatos que passaram
encobertos. Sou grato ao meu povo. Tudo que fiz teve a marca da minha alegria e
da festa de minha vida. O sofrimento foi temporário. Adeus!
E
Sem
discursos ou pregações filosóficas, estas palavras do PRESIDENTE JK atingem o
fundo dos corações do povo brasileiro. Que fazer, agora? Apenas uma saudade
resta, impregnada em todas as suas obras e em todos os capítulos de sua
história. Obrigado, Presidente! Descanse em paz! .
Palavras
de JK impressas em placa no Palácio da Alvorada
DESTE PLANALTO CENTRAL,
DESTA SOLIDÃO QUE EM BREVE SE
TRANSFORMARÁ
NO CÉREBRO DAS ALTAS DECISÕES NACIONAIS,
LANÇO OS OLHOS,
MAIS UMA VEZ,
SOBRE O AMANHÃ DO MEU PAÍS
E ANTEVEJO ESTA ALVORADA,
COM FÉ INQUEBRANTÁVEL
E UMA CONFIANÇA SEM LIMITES
NO SEU GRANDE DESTINO. (JK)
Decreto
de cassação do mandato e dos direitos políticos do senador Juscelino Kubitschek
de Oliveira
8 de junho
de 1964
Fonte: Diário Oficial, Seção I, Parte I, 8 de junho de 1964.
Ministério da Justiça e Negócios Interiores
DECRETO DE
8 DE JUNHO DE 1964
O
presidente da República, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo
parágrafo único do artigo 10 do Ato Institucional de 9 de abril de 1964 e tendo
em vista a indicação do Conselho de Segurança Nacional, resolve Cassar o
mandato legislativo e suspender os direitos políticos por dez anos do senador
Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Brasília, 8
de junho de 1964; 143º da Independência e 75º da República.
H. Castello
Branco
Milton
Soares Campos
BIBLIOGRAFIA
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Cláudio, O artista do imossível, Objetiva, RJ, 2001
JARDIM,
Serafim, JK onde está a verdade?, ed. Vozes, Petrópolis, 2a. edição, RJ, 1999
COUTO,
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Juscelino, Por que construí Brasília, Bloch Editores, RJ, 1975
KUBITSCEK,
Juscelino, Meu caminho para Brasília vol III – 50 anos em 5, Bloch Editores, ,
RJ, 1975
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Carlos Alberto Teixeira de, Cinquenta anos de
progresso em cinco anos de governo, ed.
Mercado Comum, Belo Horizonte, 2006
NEVES,
Aécio, Juscelino a oportunidade e a virtude, in Cinqüenta anos de progresso em
cinco anos de governo, Mercado Comum, pág. 217-228, Belo Horizonte, 2006
BAGGIO,
Marco Aurélio, Juscelino Kubitschek sua excelência, editora B, Belo Horizonte,
2005
NETO, João
Pinheiro, Juscelino um caso de amor, Mauad editora, RJ, 1994
VAZ,
Allisson Mascarenhas, Israel, uma vida para a história, Cia Vale do Rio Doce,
RJ, 1996
JK era além do tempo um visionário. o brasil esta precisando de outro
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