TEATRO - MONÓLOGO
Personagem: JK (Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 –
1976)
Autor: Rogério de Alvarenga
Revisão: Omar Fürst
Cenário: sala de estar. O ex-presidente recebe amigos
convidados, (Pequeno coral, in off, canta suavemente, um trecho da modinha
Elvira, Escuta, de José Marcelo de Andrade e Luís Cláudio: “Elvira, escuta/ os
meus gemidos,/ que a teus ouvidos,/ irão chegar// Não sejas traidora/ tem dó de
mim/ tem dó dest´alma/ que te sabe amar.” Segue cantando mais suavemente a
modinha em boca fechada, até desaparecer.)
(Entra o ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira
e, em tom coloquial, vai desenvolvendo um relacionamento afetivo com a plateia.)
1. (A numeração dos itens da fala foi colocada
para facilitar a memorização do ator e, também, para definir a sequência
natural das ideias.)
JK - Boa noite! Boa
noite a todos! Impossível perder esta oportunidade de vir conversar com os meus
amigos, principalmente com os amigos desta cidade que me fez para vida
política. Todos me conhecem de nome e de
ação. Relatórios de minha vida? Todos conhecem. Vim por minha própria alegria
de encontrar amigos. Amigos? Sempre tive dos melhores. Sempre fui fiel aos meus
amigos. E os meus amigos me acompanharam até o meu final, ao final da minha
vida, abraçados a mim, me conduziram ao meu descanso eterno. Tantos choraram
por mim. Eu chorei por todos. Chorei copiosamente porque poderia ter feito
ainda tantas coisas para o meu país e para o meu povo. Isto mesmo. Tive
vergonha de morrer e deixar tantas coisas por fazer em tantos projetos
arquitetados. Vim agora confirmar que meu pensamento sempre foi o caminho do
progresso e tantas coisas que existem hoje em nosso país são fruto de uma
disposição para o trabalho e para a realização de grandes obras. Não pensem que
foi fácil romper tantas barreiras, ditas intransponíveis, para chegar ao topo,
com a mesma coragem e o mesmo desprendimento que me caracterizam. Infelizmente,
construí patamares nunca dantes imaginados para o povo brasileiro e recebi, em
troca, por alguns, farpas inacreditáveis, denúncias, incompreensões e,
finalmente, a própria morte.
2. Perdoar? Perdoar?
Passei a minha vida inteira perdoando a centenas de algozes inesperados, que me
atropelavam por infundadas razões, construídas por obsessão à inveja, à
maldade, ao ódio ou ao medo. Agora, neste ponto final da linha da minha vida em
que me encontro, que farei? Terei o mesmo senso de humildade ou de bondade para
colocar o meu rancor em estado de pausa, para demonstrar o mesmo sorriso de
complacência diante da arrogância, da petulância, da ousadia, da irreverência?
Serei, assim, incompreendido pelos meus amigos, companheiros e até mesmo pelos
meus eleitores. Se eu for arrancar palavras do fundo de um coração aviltado e
coagido, não posso exprimir aquelas mesmas palavras, com sorriso de tranquilidade
e segurança. Pensando melhor, neste momento, volto meus olhos para a minha
vida, toda completa, de princípio, meio e fim, dizendo apenas que estou acima
de todos os meus detratores, superior em filosofia de vida, em comportamento
interior e soberania de princípios e ideais. Meus olhos não se convergem para
as ações inferiores que habitam mentes também inferiores. Cada um pagará pelo
que tenha feito. Esta lei não foi proposta por mim. É a lei do universo. O dia
fatal chegará para todos, na sua grande justiça final. Com maior ou menor dose
de sofrimento. Então, ironicamente, perdoo a todos, sem piedade. E não se fala
mais nisso.
3. Este comentário
não está condizente com a amizade e o respeito que dedico às novas e brilhantes
gerações de brasileirinhos, crescidos e desenvolvidos no respeito e na
dignidade.
4. Falo para todos os
que lutam para conseguir melhor qualidade de vida, segurança no trabalho e
imaginar uma longínqua velhice digna. No meu caso, tantas forças da natureza
colaboraram com a minha formação. Tive a sorte de nascer de família simples e
digna. Meu pai, João César de Oliveira, era minerador na cidade de Diamantina,
alegre, bem humorado, mas com pouca sorte na mineração. Ele faleceu jovem,
deixando uma viúva de 23 anos, e dois filhos menores. Eu tinha dois anos e Naná
era um pouco mais velha. Não me lembro de meu pai. Construí uma imagem dele
pelas palavras amáveis e saudosas de minha mãe, professora Júlia Kubitschek.
Meu pai, João César de Oliveira está sempre lembrado numa das principais
avenidas da cidade de Contagem. Assim, minha mãe passou a dedicar a sua vida à
educação dos seus filhos Nonô e Naná, como ela carinhosamente nos chamava. Não
tínhamos nada que pudesse garantir uma vida de fartura e felicidade, se não
fosse a dedicação da minha mãe e de alguns familiares mais próximos. Que
estrela poderia nos oferecer uma oportunidade de brilho na sua constelação? Que
futuro? Mas dona Júlia acreditava e sua fé era inabalável. Teve que vender tudo
de valor que possuía, tão empenhada estava na educação dos filhos. Nada para si
e tudo para os filhos. A vida da jovem Júlia estava planejada e sonhada. A sua
riqueza eram essas duas crianças mais lindas do mundo, como são as palavras de
todas as mães.
5. Em Diamantina, em
1906, foi criado o primeiro Grupo Escolar do Estado, pelo então governador João
Pinheiro da Silva e minha mãe passou a ser remunerada pelo estado de Minas
Gerais. Fui matriculado nesse grupo quando completei sete anos de idade.
Terminado o curso no Grupo Escolar, que fazer? Minha mãe articulou com o
diretor do seminário de Diamantina e conseguiu me matricular para o curso de
padre. Correspondia ao curso ginasial ou primeiro grau. Se o aluno demonstrasse
interesse de seguir a carreira eclesiástica, ele passaria para o curso mais avançado.
Estudei muito, li muito, aprendi muito, mas a vocação para padre não apareceu.
Fui franco com a direção do seminário e com minha mãe. Fiquei sem nova
oportunidade pela frente.
6.Matriculei-me,
então, num curso livre para telegrafista. Não havia outras oportunidades. Foi a
minha salvação. Sem pensar em resultados imediatos, fui em frente como se a luz
me aparecesse de repente. Fui firme, como todas as coisas que fiz na minha
vida. Parece que sempre fui obsessivo demais. Quando pego, não largo e não
entro em nenhuma atividade para perder. Por sorte, mais tarde, apareceu um
concurso para telegrafista em Belo Horizonte. Fiz a minha inscrição e fui
aprovado no concurso. Mesmo aprovado nesse concurso, tive que desenvolver
algumas ações para ser nomeado. O meu primeiro dia de trabalho significou a
minha independência financeira, estava rico. Assim, me senti mesmo rico e nem
precisava de tanto. Minha mãe ficou mais aliviada. Continuei os meus estudos,
trabalhava à noite inteira e, de manhã, estava firme na Escola de Medicina.
Terminei o curso em 1927. Eu estava, portanto com 25 anos de idade.
7. Simples, não?
Quando volto o meu olhar para esse tempo, vejo que fui bem sucedido e que
estava no caminho certo, dentro do meu objetivo. Agora, trabalhar em benefício
das pessoas carentes com assistência médica. Trabalhei em consultório
particular e depois, por concurso, entrei para Polícia Militar do estado de
Minas Gerais, como médico urologista. Participei da Guerra Civil Brasileira de
1932 e fui promovido a Capitão Médico.
8 A minha vida
pública teve início com o convite que recebi do governador Benedito Valadares
para o cargo de chefe de gabinete e logo, em seguida, fui nomeado prefeito da
cidade de Belo Horizonte. Os prefeitos eram nomeados no tempo da ditadura
Vargas. Não havia eleições. Belo Horizonte caiu nos meus braços. Não tive tempo
nem de pensar, porque havia muitas coisas a fazer. Era o meu primeiro desafio.
9. Imaginem uma
cidade idealizada e inaugurada em 1897, inacabada, mas caprichosamente bem
traçada, com um plano diretor a ser seguido. Já imaginaram Belo Horizonte sem a
Avenida Amazonas e sem a Avenida Antônio Carlos? Tudo por fazer. Uma cidade de 40
anos, construída pelo estado. Construída em quatro anos, apenas e inaugurada no
dia 12 de dezembro de 1897. Não é feriado municipal comemorativo. Todas as
cidades comemoram seu dia. BH, não! Há razões várias, nenhuma verdadeira. Mas,
como ia dizendo, essas avenidas radiais deveriam ter 50m de largura. O atual
bairro da Barroca era realmente uma barroca, um pântano. A Avenida Amazonas
tinha que passar por cima. Grande movimentação de terra ou de barro. Não havia
tratores, claro! Como abrir grandes avenidas de mais de seis quilômetros de
extensão cada uma? Toda a terra era trasladada em carroças. A prefeitura
monopolizou mais de um mil burros. Era a movimentação intensa de carroças, de
poeira, de gritos e de problemas. Uma vitória. Com essas atividades, com essa
movimentação de terra, me apelidaram de “prefeito furacão.” Sempre gostei desse
apelido, que me acompanhou ao longo da minha vida. Não parece verdade? Sempre
fui prefeito furacão. Não quero ficar fazendo relatório desse tal de “prefeito
furacão. Mas não posso deixar de falar na represa da Pampulha. Depois desse lago
artificial pela barragem construída, a urbanização. Em seguida um plano
arrojado. Arrojado demais para a época.
9. O conjunto
arquitetônico da Pampulha! Convidei a equipe do jovem e brilhante arquiteto
Oscar Niemeyer para um projeto grandioso. Assim, surgiu o Cassino da Pampulha,
com a efervescência do jogo, dos shows, do dinheiro rolando fácil. E o Iate
Golfe Clube, a Casa do Baile e a igrejinha de São Francisco de Assis. Todo esse
conjunto arquitetônico, edificado em linhas de vanguarda modernista, foi
inaugurado por mim e pelo governador do estado Benedito Valadares, na década de
quarenta. Os que viram na época, não acreditavam. E a lagoa da Pampulha com 18
quilômetros de perímetro! Foi a minha primeira loucura. Vivo de sonhos! Vivo de
obras grandiosas. Não nasci para obras pequenas. Meu mal? Muitos pensam que sim,
e ficam com o microscópio e os termômetros dependurados no pescoço, vendo o
tempo passar. Nada melhor do que vislumbrar sempre, em sonhos, em planejamento
e em ação, um belo e grandioso horizonte. Horizonte, minha grande meta.
Grandes obras,
grandes voos! Foi um assombro para o nosso estado e para a nossa Belo Horizonte
da época e elevou a autoestima dos mineiros. Era o início das minhas grandes
realizações. Este conjunto arquitetônico representava ousadia, beleza e
grandiosidade pela arquitetura de plena vanguarda modernista. Sempre me orgulho
de ter vivido esses momentos de grandes realizações em Belo Horizonte.
10. Uma polêmica: O
bispo, Dom Cabral condenou a igrejinha de São Francisco. Tão simples, tão
moderna, tão bonita! “Nada de rezas nessa caixa do Juscelino.” Foi condenada e,
por quase vinte anos foram proibidas ações religiosas e permaneceu firme em
pleno ostracismo. Somente em 1959, quando eu era presidente da República, consegui
a sua liberação, seu “habeas-corpus”, em negociações com Dom João de Rezende Costa.
11.Ainda a igrejinha
de São Francisco, que é protetor também dos animais. O painel do grande pintor
Portinari, localizado na parte interior frontal, entre as figuras místicas
representadas, havia um cachorro ao lado, que, atento, observava os acontecimentos.
Esse cachorro foi um dos pontos de referência para a condenação. A Cúria
Metropolitana venceu e a pena foi impiedosa. Entretanto, não posso me esquecer
desse fato. Depois da liberação da igrejinha para atos religiosos, promovi uma
missa solene de inauguração, com autoridades civis, militares e religiosas. Um
solene acontecimento. Eis senão quando, no momento mais efusivo da celebração,
entra pelo hall central, um velho cão, bem vira-lata, sem jamais saber o que
seja “pedigree”, e avança tranquilamente, triunfantemente, até o altar e ali
permanece sem se importar com nada. Ficou bem perto de mim alguns momentos e as
minhas lágrimas desceram sorrateiramente. Depois, saiu porque não tinha mais
nada a fazer senão demonstrar que era também devoto de São Francisco.
12. Depois disso, fui
eleito deputado federal em 1947, pelo PSD – Partido Social Democrático, já me
preparando para as eleições de governador do estado, quando fui eleito
Governador em 3 de outubro de 1950.
13. Sabe quem foi meu
adversário nessas eleições? Meu concunhado Gabriel Passos, pela UDN – União
Democrática Nacional. O estado, nessa época, tinha 300 municípios e eu fiz 168
comícios com a meta Energia e Transporte. A população brasileira era de 52
milhões de habitantes, sem estradas, sem comunicações, sem energia elétrica.
14. O estado de Minas
Gerais tinha 1.330 milhões de eleitores e o país, 8.254 milhões de eleitores.
Eu fui eleito com 53% dos votos. A minha posse no governo do estado ocorreu no
dia 31 de janeiro de 1951.
15, Imediatamente o
trabalho. Mas, antes, era preciso mudar a postura e os métodos. Nada de ficar
despachando com chefes políticos em gabinetes fechados. Mudança de
comportamento e de atitudes para recuperar o atraso e a sonolência que
dominavam o estado por tantos anos, desde a fuga das minerações e do ouro. Abri
estradas. Eram 16 estradas-troncos para cortar diametralmente o estado. Belo
Horizonte a Salto da Divisa, com 902 quilômetros! Criei a CEMIG – CENTRAIS
ELÉTRICAS DE MINAS GERAIS – hoje, Companhia Energética de Minas Gerais, empresa
modelo. Construí barragens de FURNAS e de TRÊS MARIAS, produzindo energia
elétrica. Articulei para a implantação da Companhia Siderúrgica Mannesmann,
inaugurada em 1954.
16. Uma vez, quando
eu era governador, meu Secretário da Agricultura me confidenciou a compra de
40.000 enxadas. Respondi-lhe imediatamente que esperava a aquisição de 40 mil
tratores. Não tenho vocação para obras pequenas. Nunca tive. Estou saudosista,
Me desculpem!
17. Nunca me esqueci
da minha Diamantina. Era o meu lado esquerdo do coração, do sentimento mais
puro e profundo. Serestas, serenatas!!! Festejava com serenatas, lembrando
sempre do meu pai, João César de Oliveira. Tive os irmãos que nunca tive. César
Prates, Dilermando Reis, Ataulfo Alves, Sílvio Caldas e tantos outros. Sempre
foram meus irmãos, companheiros, fieis e solidários. Meu coração se abria de
canto a canto. Guardo-os a sete chaves, dentro do coração.
18. (Musical. Jk relembra suas músicas – O coral
entra em cena, cantando. Elvira, escuta!
LETRA DE ELVIRA,
ESCUTA – José Marcelo de
Andrade/Luis Cláudio
Elvira, escuta os meus gemidos/ que aos teus ouvidos irão
chegar/ Não sejas traidora/ tem dó de mim/ tem dó dest´alma, que te sabe amar.
Se tu me amas/ como eu te amo/ eu te prometo/ não te
desprezar/ não sejas traidora/ tem dó de mim/ tem dó dest´alma que te sabe
amar/
Teu coração é um rochedo/ e este rochedo/ é o meu penar/
não sejas traidora, tem dó de mim, tem dó dest´alma que te sabe amar.
Sobe a escada bem devagar/ Elvira dorme/ pode acordar/
não sejas traidora, tem dó de mim/ tem dó dest´alma/ que te sabe amar.
Ainda como depois de morta/ a tua face irei beijar/ não
sejas traidora/ tem dó de mim/ tem dó dest´alma/ que te sabe amar.
Em seguida, o coral canta a canção folclórica: PEIXE VIVO,
com movimentação e alegria.
Zum, zum, zum – lá no meio do mar – bis / é o vento que
nos atrasa/ é o mar que nos atrapalha/ para no porto chegar/
Zum, zum, zum lá
no meio do mar /bis / como pode o peixe vivo viver fora d´água fria –bis/
Como poderei viver/ como poderei viver/ sem a tua, sem a
tua, sem a tua companhia/ bis.
Os pastores desta aldeia/ já me fazem zombaria/ bis/ Por
viver assim chorando/bis - sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia O rio de
São Francisco/ corre de noite e de dia/ bis Só o tempo é que não corre/bis -
sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia/ Zum, zum, zum lá no meio do mar/
bis.
Logo após, entra uma grande valsa vienense, orquestrada, em
off. JK dança com cada uma das personagens do coral, com elegância e distinção.
Em seguida, o coral canta para encerramento:
Oh! Minas Gerais! Quem
te conhece não esquece jamais!/ Oh! Minas Gerais...
– adaptação musical da canção italiana: Vieni sul mar
19. Não posso deixar
passar uma valsa. Sempre gostei de dançar e não perdia tempo. Depois, algumas
pessoas passaram a pensar que a minha obsessão pelas dançarinas era uma questão
patológica. Rio demais desse diagnóstico. Realmente, aproveitava todas as
oportunidades e procurava agradar sempre às mulheres. Sarah não era assim tão
ciumenta. Agora vou fazer uma revelação, uma confissão: não era essa a minha
obsessão. E eu tinha obsessão era mesmo pela realização de obras grandiosas. E
tudo pelo trabalho e pela minha família. Tudo o mais eram lendas. E por que não
gostar de dançar com as belas mulheres brasileiras?
20. E agora, a meta
pela presidência da República! Não foi fácil a aprovação do meu nome como
candidato pelo PSD, Partido Social Democrático, mas finalmente, o meu nome foi
aprovado em 1955. O país vivia um clima de tensão. Tensão política envolvendo o
presidente Getúlio Vargas e o jornalista Carlos Lacerda, brilhante orador. O
presidente estava numa roda sem saída. Eu, pessoalmente, e mesmo o governo de
Minas nunca tivemos problemas com o presidente Getúlio Vargas, embora ele fosse
de outro partido. Relações de amizade, de consideração e de respeito.
21.Tive sempre pelo
presidente Getúlio Vargas a maior consideração e respeito. Assim, mesmo nesse
período de turbulência política, o estado de Minas Gerais teve a honra de
recebê-lo no dia 12 de agosto de 1954, por ocasião da inauguração da Companhia
Siderúrgica Mannesmann. Esta inauguração foi a sua última aparição em público.
22. Não posso me esquecer
desse dia. Ficaram marcados pelas contingências que posso explicar. Após a
inauguração, ofereci-lhe um almoço nos jardins do Palácio da Liberdade, ao som
de melodias bem suaves. O presidente se mostrava triste, arredio, sempre
procurando o isolamento. À tarde, fomos para o Palácio das Mangabeiras, no alto
da serra do Curral, local acolhedor e de pleno silêncio. Visão ampla e
descortinada da cidade de Belo Horizonte, ao longe. Era um local adequado ao
repouso e à meditação. O jantar foi servido para 30 pessoas, em caráter íntimo,
apenas alguns sindicalistas, diretores da Mannesmann e alguns deputados. Houve,
após, uma pequena serenata com César Prates e Dilermando Reis, terminando por
volta da meia-noite. Deixei-o a sós e desci a serra do Curral, recomendando ao
mordomo que não se afastasse dele um só instante. Ele, o presidente, mais
tarde, desceu até à biblioteca, pegou um livro de Eça de Queirós. No dia
seguinte, notei que ele estava muito abatido. Levei-o ao aeroporto. Na
despedida, abraçou-me de forma inusitada. Pude sentir, pela firmeza de seus
gestos que era um abraço fraternal. Ele queria falar alguma coisa e não
conseguiu. Com esse abraço, entretanto, percebi que ele manifestava um forte
impulso de agradecimento e de amizade. Tentou outra vez dizer alguma palavra,
mas não conseguiu. Não precisava de palavras. Ele talvez quisesse agradecer
aqueles momentos de paz e de solidariedade. Eu, de minha parte, comovi-me
intensamente, porque sabia do clima de hostilidade generalizada que fermentava
no Rio de Janeiro, capital do país, naquela época. A imprensa e os militares!
Amigos? Quais? Sei, com certeza que,
nesse momento de despedida de Belo Horizonte, ele tinha podido sentir que eu
estava do seu lado, mesmo sem dizer uma só palavra.
23. Getúlio Vargas despediu-se
de mim na manhã do dia 13 de agosto de 1954 e suicidou-se no dia 24.
24. Foi um ato de
plena decisão. Premeditado, arquitetado por vários dias. Foi um golpe final e
fatal que terminou imediatamente com a farra da UDN e dos militares.
25. A UDN – União
Democrática Nacional – tinha investido todas as suas forças contra Getúlio
Vargas, sempre na tentativa de sua deposição, de seu afastamento ou de sua
renúncia sem retorno programado. E ele respondia: “Só saio daqui morto! Estou muito velho para ser desmoralizado e já não
tenho razões para temer a morte!”
26. Getúlio Vargas resistiu o quanto pôde para evitar a sua
deposição. Finalmente, nesse dia 24 de agosto de 1954, às 8h30, deu um tiro no
próprio coração. E o povo brasileiro chorou e foi para as ruas, com a sua carta
de despedida. Foi isso que aconteceu. Os opositores ficaram em pânico, atônitos
com o povo nas ruas
27. Às 11h30 parti
para o Rio de Janeiro, completamente aturdido pelos acontecimentos, pela
amizade e pelo respeito que tinha pelo presidente. Estava comovido e chocado. Minha
esposa, Sarah e eu acompanhamos o velório, procurando dar conforto aos
familiares. Ainda mais, eu fui o único governador de estado que compareceu ao
velório do presidente Vargas.
28. Depois desses
acontecimentos, eu poderia pensar nas eleições para presidente, no ano
seguinte? As eleições seriam realizadas no dia 3 de outubro de 1955. O ambiente
político ficou conturbado. Era prudente aguardar. Esperar o momento certo.
Finalmente tive a ventura de ver o PSD, meu partido, em forte aliança com o PTB
– Partido Trabalhista Brasileiro – partido do presidente Vargas. Tive João
Goulart como companheiro de chapa. Enfrentamos a candidatura à presidência da
República. Nas eleições, obtivemos 36%
de votos. Eram quatro candidatos e não obtivemos a maioria absoluta, uma nova
arma secreta da UDN e dos militares, contra a minha posse.
29. Reviravolta de
360 graus. O Marechal Henrique Teixeira Lott, em 11 de novembro de 1955
restabeleceu a ordem política, assegurando a minha posse no dia 31 de janeiro
de 1956. A faixa presidencial me foi passada pelo senador, digo, presidente,
Nereu Ramos.
30. Assumi a
presidência com um plano de metas e uma meta síntese, a construção de Brasília,
um sonho impossível.
31. Não preciso fazer
relatório sobre minha ação na presidência da República, mas digo, com orgulho,
tive a honra de desbravar o interior desse gigante adormecido. Tirar o país da
síndrome do caranguejo, deslumbrado pelo litoral Atlântico. A estrada Belém-Brasília foi um marco nacional.
E digo mais, a transferência da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960
foi um marco histórico irreversível. Brasília, um sonho tão sonhado por tantos
e concretizado por mim. Brasília foi construída no planalto central em três
anos e oito meses. Inacreditável até para os meus companheiros. Meus
adversários aprovaram a construção de Brasília porque tinham a certeza de que
ela seria um retumbante fracasso político. Sei que paguei caro por essa
ousadia, e tantos e tantos não me perdoaram. Falei antes sobre perdoar. Isso
ainda retumba na minha cabeça e rompe a minha consciência. Fico aturdido com a
meta do perdão que sempre usei e abusei. Agora, que fazer?
32. Brasília, uma
miragem! Uma paixão desenfreada! André Malraux, ministro da Cultura da França, quando
avistou esse monumento não deixou de exclamar? “Esta é a capital da esperança!”
33. Após o término do
meu mandato, passei a faixa presidencial ao meu sucessor, presidente Jânio
Quadros. Democraticamente eleito. E o meu amigo, menestrel Juca Chaves, me fez
uma homenagem comovente na sua canção, Presidente bossa nova: “Bossa nova é mesmo ser presidente/ desta
terra descoberta por Cabral/ para tanto, basta ser tão simplesmente,/
simpático, risonho, original! ...”
(Entra um cantor com
o violão e canta a canção do Juca Chaves. JK procura fazer dueto. Cumprimentos
e agradecimentos)
34. Tive a honra de
ser eleito ainda Senador pelo estado de Goiás que representei com brilhantismo
até o dia da cassação dos meus direitos políticos.
35. Depois de tudo
isso, acontecimentos terríveis! Em 31 de março de 1964, os militares depuseram
o presidente João Goulart e assumiram o poder do país.
36. Pronunciei um
discurso no Senado afirmando a minha revolta. Foi o bastante. Foi o suficiente!
No dia 8 de junho de 1964 foi decretada a cassação dos meus direitos políticos
por dez anos, juntamente com nove deputados e 39 outros cidadãos.
37. Esse decreto teve
apenas duas assinaturas: do então presidente, Marechal Castelo Branco e do
Ministro da Justiça, Milton Soares Campos.
38. Todo mundo
pensava que eu era um homem rico. Na verdade, fiquei praticamente indigente,
sem receitas. Sem aposentadoria, sem emprego. Desesperado, sem amigos, fui para
o exílio, com a ajuda financeira de amigos. Podia isso acontecer? Um político pobre,
vivendo a custa de amigos? Estava na França e se voltasse, seria preso.
39. Vivi na França
alguns anos. Anos de tristeza, de abatimento, de solidão. Vivi com grandes
dificuldades financeiras, tanto tempo quanto pude. Não podia retornar. Neste período
de exilado, faleceu a minha irmã, Naná. Minha única e amada irmã. Que fazer?
Obtiveram para mim a permissão de acompanhar o velório e retornei, com todas as
precauções. No aeroporto, um oficial militar me confidenciou que eu iria ser
preso. Ele era grato a mim por um processo que eu tinha liberado a seu favor.
Ele foi ao aeroporto somente para me proteger. Eu poderia acompanhar o velório,
mas não poderia dirigir nenhuma palavra a meu povo. Foi cruel. Cheguei ao
velório da minha irmã, Maria da Conceição, Naná.
40 Em Belo Horizonte, por onde passava, o
povo me aplaudia e gritava meu nome. Eu não podia ouvir nem ver essas
manifestações. Segui calado e triste. Nem cumprimentar o meu povo. Sempre
estive de cabeça baixa. Finalmente, cheguei a frente ao corpo da minha irmã.
Chorei copiosamente. Queria interromper meus soluços e não conseguia. Depois,
percebendo que nada estancava meu pranto, passei a chorar sem repressão. Tinha
que desabafar tanta dor incontida. Nem sei como derramei tantas lágrimas. Não
me continha. Decidi deixar extravasar todos os meus ressentimentos. Ela
compreenderia isso. Do lado de fora, aplausos. Que fazer? Foi uma cena
patética. Nem gosto de me lembrar. O povo aplaudindo e eu chorando
copiosamente. Tudo isso me fazia mais convulsivo. Era o dia 4 de junho de
1966.
41. Indiquei Israel
Pinheiro para governador do estado de Minas Gerais, nas vésperas da eleição,
contrariando a expectativa dos políticos militares. Ele venceu e pôde se sentar
na mesma cadeira onde seu pai, João Pinheiro assentou, em 1906 e morreu, em
1908, como governador do estado.
42. E continuaram as
perseguições à minha pessoa de todas as formas.
Tinha decidido voltar para o
Brasil, disposto a enfrentar qualquer situação. Fui convocado a depor em várias
oportunidades e recebia ameaças diariamente, até que surgiu a notícia da minha
morte, anunciada por um jornal irresponsável. Ainda não era verdade. Mesmo
assim, nunca me tocaram fisicamente.
43. Queriam, agora o
sei, a minha morte, sem ressurreição. Sei, agora, que sempre fui um fantasma
aterrador para eles. Sei, agora, que sempre me temeram, que temeram a minha
sombra que passava por eles como qualquer fresta de luz. Temiam. Eu era o
inimigo e eles vivem durante toda a vida profissional à procura do inimigo. E
eu estava onde? Na memória do povo e nas minhas obras. Em tudo que tocavam a
minha imagem fantasmagórica estava preservada. Eu tinha retornado definitivamente
ao meu país e iria viver aqui, do jeito que pudesse. “Agora, só saio morto!”
44. Fui convidado
para uma serenata em Diamantina e encontrei poucos amigos. “Parece que tenho
uma doença contagiosa”. Mesmo assim, eu passava por cima dessas humilhações.
45. Sei que se me
fosse permitido, eu seria eleito presidente, novamente. Minha meta principal:
“Cinco anos de agricultura para cinquenta de fartura.”
46. O boato da minha
morte foi apenas um aviso. Na ocasião, eu me diverti muito com jornalistas e
amigos na minha fazenda em Luziânia. Era a morte anunciada.
47. Candidatei-me a
uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Uma grande frustração. Fui vendido
pelo presidente da casa, Austregésilo de Athayde, por um saco de cimento. Perdi
a eleição, mas compareci à posse do meu concorrente para cumprimentá-lo.
48. Logo após,
Vivaldi Moreira, presidente da Academia Mineira de Letras, inscreveu meu nome
como candidato a uma vaga. Fui eleito por unanimidade. Tomei posse no dia 3 de
maio de 1975. Das oportunidades, a mais honesta e mais significativa para mim.
49. Como é natural, a
morte encerra todas as histórias. Numa tarde de domingo, dia 22 de agosto de
1976, vindo de carro de São Paulo, com o meu motorista e amigo, Geraldo
Ribeiro, fui vítima de um acidente, provocado por uma “fechada” de um ônibus da
Viação Cometa, no quilômetro 165 da via Dutra. Tal fato obrigou o motorista a
desviar para a outra pista e colidiu com uma carreta que vinha em sentido
contrário. Não tivemos salvação. Nada mais sei. Morte imediata. Faltavam 20
dias para eu completar 74 anos de idade. Meu corpo foi exposto numa mesa de bar
da rodovia, sem nenhuma marca de perfuração por arma de fogo. Entretanto, o
corpo de Geraldo Ribeiro foi imediatamente colocado num caixão de alumínio,
trancado hermeticamente.
50. Fui transportado
para o Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro e, em seguida, fui removido
para o saguão do Edifício Manchete. Meu amigo Adolfo Bloch chorava
convulsivamente. Sarah e as nossas filhas Márcia e Maristela chegaram ao
amanhecer. Os meus amigos também começaram a chegar logo após. O povo, ousada e
agressivamente, cantava a canção do “Peixe Vivo”. Ao meio-dia de 23 de agosto,
o cortejo seguiu a pé até o aeroporto Santos-Dumont. O meu caixão estava
coberto com a bandeira do Brasil. Fui transportado, como sempre, nos ombros do
meu povo, num percurso que durou mais de uma hora. Ao chegar ao aeroporto, o
povo aglomerado, me aplaudia emocionado. Brasília, meu destino! Às 16h chegava à
minha nova morada. O povo, emudecido, viu abrirem-se as portas do avião. Silêncio
total. Mais de 30 mil pessoas aguardavam a minha chegada. Meu novo itinerário:
a Catedral. Uma “kombi”, coberta com a bandeira do Brasil, chegou-se ao avião,
As portas se abriram e apareceu um funcionário da empresa. Fez o sinal-da-cruz.
Fui transportado por uma Kombi! Tantos amigos corajosos ali presentes. Não
posso citar nomes. Amigos ousados e corajosos. O povo aplaudia sem cessar. Sem cessar
cantavam a canção do Peixe Vivo, desde a parte da manhã, quando começaram a se
aglomerar no aeroporto, aguardando a minha chegada. Grupos informais se
formavam, cantavam e choravam em movimentos de desespero. Corais emocionantes.
(O coral, em surdina, entoa a canção do Peixe Vivo. O
ex-presidente aguarda um pouco e depois, continua.)
O cortejo seguiu com
quatro mil automóveis em carreata. Fila interminável até a Catedral, distante 20
quilômetros. Quarenta jovens motociclistas, com blusões pretos, portavam
faixas. O esquife entrou na Catedral, carregado pelo povo. A Catedral estava
cheia de candangos. Eles construíram e agora, entraram. Por mais estranho que
pareça, estavam felizes perto de mim. Havia centenas e centenas de coroas.
Flores e flores chegavam. Depois, os candangos, que não tinham dinheiro para
comprar flores, foram arrancando das coroas as flores mais bonitas e jogando-as
sobre o meu caixão. Os cordões de isolamento eram enormes. Uma senhora disse
para um militar:“Os senhores estão
isolando o quê? Tem alguma coisa aqui para ser isolada? Nós viemos buscar o
nosso presidente no maior respeito que ele merece! Já não chega esse isolamento
de tantos anos? Vamos! Tirem essa corda que eu vou passar!” Os taxistas não
cobravam as corridas e baixaram os taxímetros. Não cobravam de nenhum
passageiro. A missa foi celebrada pelo Arcebispo dom José Newton, pelo Núncio
apostólico, dom Cármine Rocco e mais 25 padres, tendo iniciado às 17h15. Quase
não houve missa. Ela foi interrompida várias vezes por palmas, hinos,
lamentações e choro. O celebrante acolhia essas manifestações, aguardava um
momento para continuar a missa. Novamente, outra manifestação de desespero e
dor profunda. Nada impedia manifestações. Nunca se viu uma interferência tão
perturbadora numa missa como essa. Participação e integração nos atos
religiosos. Do lado de fora, o povo se comprimia com os gritos de JK! JK! JK! Sarah,
com voz trêmula, conseguiu pedir calma ao povo amigo. Todos se calaram,
imediatamente. O povo atendeu por alguns instantes. O silêncio era cruel
demais. Impossível suportá-lo. Logo depois, o desespero retornou em brados e
lamentações. Um grupo de índios xavantes de Mato Grosso conseguiu chegar perto
do meu caixão, colocado bem em baixo dos anjos de Ceschiatti. Uma oração na
língua primitiva e pura ecoou na catedral. De mãos dadas, em coro, lançaram
seus gritos tribais. Levantavam e desciam os braços, por várias vezes, com as
mãos fechadas. Um candango, de alma pura, perguntou: “Ele vai ser enterrado?”
Fazia sentido essa pergunta? Um ser sobrenatural? Eram seis horas da tarde
quando o meu caixão foi retirado da Catedral. Seria colocado num carro vermelho
do Corpo de Bombeiros, estacionado em frente. Aí, o povo, os candangos não
permitiram e me carregariam nos ombros calejados, para onde quer que fosse. O
caminho é longo. Vários quilômetros até o Campo da Esperança que me aguardava.
Mas ninguém pensava nisso. Tinha o meu destino: “deitar-me para dormir em paz.”
O percurso foi longo e sofrido. Era um cortejo fúnebre, mas apareciam corais
improvisados que me saudavam a cada momento. Finalmente, já de madrugada do dia
24 de agosto, fui sepultado perto do meu amigo Bernardo Sayão e a alguns metros
do Candango Desconhecido. O povo, com as mão vazias, retornavam às suas casas,
para recuperar o grande esforço pela caminhada. Alma lavada! Foi isso. Foi
assim. Assim me contaram por cartas. Nada mais penso, agora. Nenhuma emissora
de televisão registrou esses acontecimentos, por falta de coragem ou por
imposição política, dita legal e, se foram registrados, continuam mofando nos
arquivos esquecidos. Finalmente, depois de alguns anos, por iniciativa de
Sarah, com a participação de Sílvio Caldas e do presidente João Batista
Figueiredo, foi edificado o Memorial JK, na minha cidade, em monumento
projetado pelo mesmo arquiteto, Oscar Niemeyer. Simplesmente, faço parte da
história. Sou grato ao meu povo que me compreendeu e me incentivou. Sei que as
gerações futuras hão de prosseguir estudos e pesquisas para elucidar fatos que
passaram encobertos.
(Grandes e continuadas reverências de agradecimento)
(No final, Hino Nacional em surdina, com o texto com
locutor em off):
“DESTE PLANALTO
CENTRAL/ DESTA SOLIDÃO QUE EM BREVE SE TRANSFORMARÁ/ NO CÉREBRO DAS ALTAS
DECISÕES NACIONAIS,/ LANÇO OS OLHOS,/ MAIS UMA VEZ,/ SOBRE O AMANHÃ DO MEU PAÍS/
E ANTEVEJO ESTA ALVORADA/ COM FÉ INQUEBRANTÁVEL E UMA CONFIANÇA SEM LIMITES/ NO
SEU GRANDE DESTINO.
(O coral se apresenta com entusiasmo, cantando a canção
Peixe Vivo, incentivando a participação da platéia.)
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