terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

SONETO


A pátria não é a raça, não é o meio,
não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos:
é o idioma criado ou herdado pelo povo.
Olavo Bilac

O SONETO

Antes de tudo, o soneto é um formato de composição literária. Formato rígido, com obrigações e deveres que ultrapassam os sentimentos e podem distorcer as ideias. É um jogo de palavras enjauladas, espremidas, mesmo que sejam tristes e soluçantes. Nada a fazer senão conformar-se com a estrutura imposta. Tem que ter dois quartetos e dois tercetos de dez sílabas poéticas. No total, 14 versos.  Neste caso, será decassílabo. Há também os de 12 sílabas, chamados de alexandrinos. Fora disso, qualquer composição poética pode ser maravilhosa, mas não será um soneto, se não estiver dentro desses parâmetros.
Os dois quartetos iniciais apresentam a temática a ser desenvolvida e os dos tercetos concluem e definem o final da história. Não é tarefa fácil porque ainda o compositor tem que pensar nas rimas. Elas podem ser seguidas ou alternadas. Cada quarteto pode ter suas próprias rimas. Já os dois tercetos finais obedecem a rimas próprias, isto é, as mesmas rimas.
Muitas vezes, o mote central do compositor vai para o espaço e ele acaba construindo alguma coisa apenas parecida com o tema desejado. Ele vai tecendo no arranjo das palavras, na metrificação e nas rimas, para chegar ao final. É, antes de tudo, um quebra-cabeça.
Soneto, (do italiano sonetto) é uma pequena canção, ou som pequeno.
Com relação à distribuição dos versos, existem sonetos assim classificados:
  • Soneto italiano ou petrarquiano – com duas estrofes de quatro versos (quartetos) e mais duas de três versos, (tercetos).
  • Soneto inglês ou shakespeariano – com três quartetos e um dístico.
  • Soneto monostrófico – com uma só estrofe com 14 versos.
  • Soneto estrambótico – com acréscimo de um ou mais versos, por isso, irregular.(Miguel de Cervantes).
A invenção do soneto partiu da Itália, Sicília, no século XIII, por Jacopo da Letini, na corte de Frederico II. Foi definitivamente estruturado por Arezzo (Fra Guittone)  e encontrou Petrarca, com sua força poética, capaz de internalizar esse tipo de composição.
Francesco Petrarca, (1304 – 1374) florentino, imortalizou o soneto, difundindo-o por toda a Europa. São 317 sonetos que compõem sua obra “Il Canzoniere” e grande parte deles dedicado a Laura de Novaes, seu grande amor platônico.

Soneto XXII original, em italiano

S’ amor non è, che dunque è quel ch’ io sento?
Ma s’egli è amor, per Dio, che cosa e quale?
Se buona, ond è effetto aspro mortale?
Se ria, ond’ è si dolce ogni tormento?

S’a mia voglia arado, ond’ è ‘I pianto e ‘I lamento?
S’a mal mio grado, il lamentar che vale?
O viva morte, o dilettoso male,
Come puoi tanto in me s’io nol consento?

E s’io ‘I consento, a gran torto mi doglio.
Fra sì contrari venti, in frale barca
Mi trivo in alto mar, senza governo,

Sí lieve di saber, d’error sí carca,
Ch’ i i’ medesmo non so quel ch’ io mi voglio,
E tremo a mèzza state, ardemdo il verno.

Petrarca
“Il Canzonieri”

(tradução)
Se amor não é qual é este sentimento?
Mas se é amor, por Deus, que coisa é a tal?
Se boa por que tem ação mortal?
Se má por que é tão doce o seu tormento?

Se eu ardo por querer por que o lamento
Se sem querer o lamentar que val?
Ó viva morte, ó deleitoso mal,
Tanto podes sem meu consentimento.

E se eu consinto sem razão pranteio.
A tão contrário vento em frágil barca,
Eu vou para o alto mar e sem governo.

É tão grave de error, de ciência é parca
Que eu mesmo não sei bem o que anseio
E tremo em pleno estio e ardo no inverno.

Francesco Petrarca
in “Poemas de amor de Petrarca”
Nota: Francesco Petrarca é considerado o inventor do soneto.

Dante Alighieri, (1265 – 1321) autor de A Divina Comédia, foi seguidor de Guittoni, deslumbrando em sonetos o seu amor impossível por Beatriz (Beatrice Portinari), em Vita Nova.

XXVI

Tanto gentile e tanto onesta pare
La donna mia, quando'ella altrui saluta,
Che'ogne lingua deven tremando muta,
E li occhi no l'ardiscono di guardare.

Ella si va, sentendosi laudare,
Benignamente d'umiltà vestuta;
E par che sia una cosa venuta
Da cielo in terra a miracol mostrare.

Mostrasi si paciente a chi la mira,
Che dà per li occhi una dolcezza al core,
Che 'ntender no la può chi no la prova:

E par che de la sua labbia si mova
Un spirito soave pien d'amore,
Che va dicendo a l'anima: «Sospira».


XXVI (tradução)

Aparece gentil e tão honesta
Minha senhora quando nos saúda,
Que cada voz, tremendo, fica muda
E os olhos não ousam mesmo olhar.

Vestida de humildade, lá vai ela,
Benignamente ouvindo-se louvar;
E dir-se-ia coisa de espantar
Vindo do céu à terra, num milagre.

Tão agradável surge a quem a vê
Que pelos olhos dá ao coração
Dulçor para entender, de conhecer.

Dos seus lábios parece que desliza
Um sopro de amorosa suavidade
Que vai dizendo à alma, tu, suspira!

Luís Vaz de Camões, (1524 – 1580) em Portugal, em suas viagens pela Europa, conseguiu estruturar os mais belos sonetos.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o Mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

William Shakespeare (1524–1616) desenvolveu o soneto inglês.
Na França, Charles Baudelaire (1821 – 1867) usou versos alexandrinos e Les Fleurs du Mal.
No Brasil, foi consagrado Olavo Bilac como o maior sonetista da época. Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Cláudio Manoel da Costa e, finalmente, Vinicius de Morais.

VERSOS ÍNTIMOS
 
Vês! Ninguém assistiu ao formidável    
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Augusto dos Anjos

Há a ressaltar que a obra francesa do século XII, Roman d´Alexandre, foi composta em versos de 12 sílabas poéticas, os dodecassílabos. Em controvérsia, a metrificação espanhola obedece a outros critérios, diferentes da francesa, italiana e portuguesa. Com o iluminismo, o soneto não foi muito frequente entre os poetas. Somente ressurgiu com o humanismo e o estilo barroco. Assim, voltou a ser cultivado com mais fervor pelos românticos, parnasianos e simbolistas. O soneto possui uma estrutura lógica com uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, que é apresentada no último terceto. Esse terceto é chamado “chave de ouro”, que enuncia toda a temática da composição.   
   

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