A
pátria não é a raça, não é o meio,
não
é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos:
é o
idioma criado ou herdado pelo povo.
Olavo
Bilac
O SONETO
Antes de tudo, o soneto é um
formato de composição literária. Formato rígido, com obrigações e deveres que
ultrapassam os sentimentos e podem distorcer as ideias. É um jogo de palavras
enjauladas, espremidas, mesmo que sejam tristes e soluçantes. Nada a fazer
senão conformar-se com a estrutura imposta. Tem que ter dois quartetos e dois
tercetos de dez sílabas poéticas. No total, 14 versos. Neste caso, será decassílabo. Há também os de
12 sílabas, chamados de alexandrinos. Fora disso, qualquer composição poética
pode ser maravilhosa, mas não será um soneto, se não estiver dentro desses
parâmetros.
Os dois quartetos iniciais
apresentam a temática a ser desenvolvida e os dos tercetos concluem e definem o
final da história. Não é tarefa fácil porque ainda o compositor tem que pensar
nas rimas. Elas podem ser seguidas ou alternadas. Cada quarteto pode ter suas
próprias rimas. Já os dois tercetos finais obedecem a rimas próprias, isto é,
as mesmas rimas.
Muitas vezes, o mote central do
compositor vai para o espaço e ele acaba construindo alguma coisa apenas
parecida com o tema desejado. Ele vai tecendo no arranjo das palavras, na
metrificação e nas rimas, para chegar ao final. É, antes de tudo, um
quebra-cabeça.
Soneto, (do italiano sonetto) é
uma pequena canção, ou som pequeno.
Com relação à distribuição dos
versos, existem sonetos assim classificados:
- Soneto italiano ou petrarquiano – com duas estrofes de quatro versos (quartetos) e mais duas de três versos, (tercetos).
- Soneto inglês ou shakespeariano – com três quartetos e um dístico.
- Soneto monostrófico – com uma só estrofe com 14 versos.
- Soneto estrambótico – com acréscimo de um ou mais versos, por isso, irregular.(Miguel de Cervantes).
A invenção do soneto partiu da
Itália, Sicília, no século XIII, por Jacopo da Letini, na corte de Frederico
II. Foi definitivamente estruturado por Arezzo (Fra Guittone) e encontrou Petrarca, com sua força poética,
capaz de internalizar esse tipo de composição.
Francesco Petrarca, (1304 – 1374)
florentino, imortalizou o soneto, difundindo-o por toda a Europa. São 317
sonetos que compõem sua obra “Il Canzoniere” e grande parte deles dedicado a
Laura de Novaes, seu grande amor platônico.
S’ amor non è, che dunque è quel
ch’ io sento?
Ma s’egli è amor, per Dio, che
cosa e quale?
Se buona, ond è effetto aspro
mortale?
Se ria, ond’ è si dolce ogni
tormento?
S’a mia voglia arado, ond’ è ‘I
pianto e ‘I lamento?
S’a mal mio grado, il lamentar
che vale?
O viva morte, o dilettoso male,
Come puoi tanto in me s’io nol
consento?
E s’io ‘I consento, a gran torto
mi doglio.
Fra sì contrari venti, in frale
barca
Mi trivo in alto mar, senza
governo,
Sí lieve di saber, d’error sí
carca,
Ch’ i i’ medesmo non so quel ch’
io mi voglio,
E tremo a mèzza state, ardemdo il
verno.
Petrarca
“Il Canzonieri”
Petrarca
“Il Canzonieri”
Se amor não é qual é este
sentimento?
Mas se é amor, por Deus, que
coisa é a tal?
Se boa por que tem ação mortal?
Se má por que é tão doce o seu
tormento?
Se eu ardo por querer por que o
lamento
Se sem querer o lamentar que val?
Ó viva morte, ó deleitoso mal,
Tanto podes sem meu
consentimento.
E se eu consinto sem razão
pranteio.
A tão contrário vento em frágil
barca,
Eu vou para o alto mar e sem
governo.
É tão grave de error, de ciência
é parca
Que eu mesmo não sei bem o que
anseio
E tremo em pleno estio e ardo no
inverno.
Francesco Petrarca
in “Poemas de amor de Petrarca”
Francesco Petrarca
in “Poemas de amor de Petrarca”
Nota: Francesco Petrarca é
considerado o inventor do soneto.
Dante Alighieri, (1265 – 1321) autor de A Divina Comédia, foi seguidor de Guittoni, deslumbrando em sonetos o seu amor impossível por Beatriz (Beatrice Portinari), em Vita Nova.
XXVI
Tanto gentile e tanto onesta pare
La donna mia, quando'ella altrui
saluta,
Che'ogne lingua deven tremando
muta,
Ella si va, sentendosi laudare,
Benignamente d'umiltà vestuta;
E par che sia una cosa venuta
Da cielo in terra a miracol
mostrare.
Mostrasi si paciente a chi la
mira,
Che dà per li occhi una dolcezza
al core,
Che 'ntender no la può chi no la
prova:
E par che de la sua labbia si
mova
Un spirito soave pien d'amore,
Che va dicendo a l'anima:
«Sospira».
XXVI (tradução)
Aparece gentil e tão honesta
Minha senhora quando nos saúda,
Que cada voz, tremendo, fica muda
E os olhos não ousam mesmo olhar.
Vestida de humildade, lá vai ela,
Benignamente ouvindo-se louvar;
E dir-se-ia coisa de espantar
Vindo do céu à terra, num
milagre.
Tão agradável surge a quem a vê
Que pelos olhos dá ao coração
Dulçor para entender, de
conhecer.
Dos seus lábios parece que
desliza
Um sopro de amorosa suavidade
Que vai dizendo à alma, tu,
suspira!
Luís Vaz de Camões, (1524 – 1580)
em Portugal, em suas viagens pela Europa, conseguiu estruturar os mais belos
sonetos.
Mudam-se os tempos, mudam-se as
vontades,
Muda-se o ser, muda-se a
confiança;
Todo o Mundo é composto de
mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na
lembrança,
E do bem, se algum houve, as
saudades.
O tempo cobre o chão de verde
manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce
canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
William Shakespeare (1524–1616)
desenvolveu o soneto inglês.
Na França, Charles Baudelaire
(1821 – 1867) usou versos alexandrinos e Les Fleurs du Mal.
No Brasil, foi consagrado Olavo
Bilac como o maior sonetista da época. Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Cláudio
Manoel da Costa e, finalmente, Vinicius de Morais.
VERSOS ÍNTIMOS
Vês! Ninguém assistiu ao
formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta
pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra
miserável,
Mora entre feras, sente
inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu
cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do
escarro,
A mão que afaga é a mesma que
apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua
chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Augusto dos Anjos
Augusto dos Anjos
Há a ressaltar que a obra
francesa do século XII, Roman d´Alexandre, foi composta em versos de 12 sílabas
poéticas, os dodecassílabos. Em controvérsia, a metrificação espanhola obedece
a outros critérios, diferentes da francesa, italiana e portuguesa. Com o iluminismo, o soneto não
foi muito frequente entre os poetas. Somente ressurgiu com o humanismo e o
estilo barroco. Assim, voltou a ser cultivado com mais fervor pelos românticos,
parnasianos e simbolistas. O soneto possui uma estrutura
lógica com uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, que é
apresentada no último terceto. Esse terceto é chamado “chave de ouro”, que
enuncia toda a temática da composição.
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