quinta-feira, 28 de novembro de 2013

ENGENHEIRO ANTÔNIO PIMENTA

Esse seu último gesto retrata e dignifica ainda mais
a sua vida e a sua memória.


O engenheiro Antonio Pimenta constituiu sua empresa em Belo Horizonte, logo depois de graduado e depois de estágio com pequena experiência profissional. Não se previa o seu sucesso tão imediato, pois era uma pessoa simples e, pelo seu porte e por suas atitudes, nunca demonstrava ambição. Seu amigo e colega de faculdade, Alberto Morethzon, era sócio e amigo de todas as horas, em alta confiabilidade.
Numa ocasião, no desenrolar das atividades empresariais, decidiram participar de uma concorrência de uma obra no estado de Goiás. Contrataram um avião para uma viagem de verificação “in locum” da área para o projeto em licitação. Para tanto, uma equipe estava formada, sob o comando do próprio diretor, doutor Antonio Pimenta, mais um engenheiro responsável pelo projeto, o sócio, engenheiro Morethzon, e um fotógrafo.
O avião bimotor decolou da Pampulha no horário da manhã. No momento do embarque, todos estavam aparentemente tranquilos, mas havia risos inseguros, muita conversa fora de tom ou fora de hora, Medo? Nada disso. Ansiedade, angústia, fobia. Muito medo e pouca coragem de confessar. Pássaro perdido no espaço, sem rumo, sem rota. Apenas um destino. Céu aberto. Depois, o silêncio. Apenas o ronco dos motores e a paisagem que passava voando pelo avião, que mais parecia parado no ar. Um jornal, uma revistinha pra dar sono. Parecia que os quatro passageiros preferiam mesmo dormir que contemplar a paisagem distante. Uma hora de viagem. Duas horas. Monotonia. Sono perdido.
Manhã clara de sol. Mas, de repente, o tempo foi mudando. Nuvens foram chegando diferentes, mudando de tom. Como seria isso possível? Estava tudo tão bem. Um vento forte bateu no aparelho e ele perdeu altura violentamente. Tudo rápido. Não era um sonho. Era realidade. Um pesadelo? Tudo ficou escuro de um momento para o outro. Sem muita conversa, sem cortesias, sem cerimônia, o avião dançou, requebrou, estremeceu e “despinguelou” de vez. Onde foi parar? O piloto conseguiu realizar as manobras de algibeira, dominou o aparelho. Cair em cima de árvores? Na mata? Seria morte para todos. Podia não morrer na queda, mas depois não haveria salvação. Tirou um par ou impar e, num relance, decidiu aceitar a descida num vasto rio barrento, que apareceu à sua frente. Mais de duzentos metros de largura. Nenhuma ilha. Nenhuma praia como nos velhos filmes dos sonhos perdidos na memória. Qual a melhor alternativa, piloto? Sem consultar quadros e tabelas, eis a solução imediata.

O avião acocorou-se próximo à margem esquerda do rio, nadando como se fosse um peru. Dez metros? Talvez vinte? Meio sonho, meia realidade, meio pesadelo. Ninguém podia dizer. Tudo rápido, rápido demais. Quando assustaram, estavam todos em cima das asas do avião. E o avião flutuando e acompanhando a mansa correnteza do rio. Todos se salvaram. Felicidade demais. E o piloto justificou que aquela seria mesmo a melhor alternativa. Mas o avião, agora uma canoa, descia lentamente. Providências, já! Nem tudo era perfeito. Alcançar a terra firme, agora ou nunca. Cada um nadando de uma vez. Quem seria o primeiro? Será o diretor da empresa, Não. O diretor faz a escala. Primeiro, o Morethzon. Ele pulou na água barrenta e, num átimo, estava a salvo, com um grito de campeão de natação do Minas Tênis Clube. Agora, o engenheiro do projeto. Mais um sucesso. Agora, o fotógrafo. Mais um sucesso. E os três, salvos, na margem do rio, dançam em ciranda desesperada, enlameados e despidos. Agora, o piloto. Ele reagiu. O comandante será o último a deixar a embarcação. Nada disso. Quem decide é o diretor da empresa. Nada de discussão, nessa hora. O piloto resiste. O diretor decide com a autoridade que lhe pertence. O piloto salta e chega à margem e todos comemoram mais esse feito heróico. Nova ciranda de comemoração. Resta um. Resta o diretor da empresa, o engenheiro Antônio Pimenta. Agora, você. Vem logo. Salta! Salta! E o diretor contemplava o grupo salvo nas margens do rio como se estivesse contemplando o infinito. Salta! Gritos enlouquecidos. Não pode ficar esperando! A canoa está acabando de afundar! Salta logo! Você não pode ficar fazendo loucuras! Brincando com a gente? Logo, logo! Gritavam em coro. E as vozes se perdiam na imensidão do rio, silencioso e traiçoeiro. Faminto. O diretor da empresa não pode ficar brincando com os amigos! Salta logo! E o diretor da empresa, engenheiro Antônio Pimenta, impassível, olhando o infinito, via os amigos reunidos em plena alegria. Despedia-se dos amigos, dos parentes, dos entes queridos em orações finais, e, em voz abafada pelo barulho das águas, emitiu um ultimato: Não posso! Não sei nadar! Na margem, enlouquecidos os companheiros se olharam e não podiam acreditar no que ouviam. Era a realidade. Que fazer?  Corriam de um lado para outro, gesticulando, gritando, chorando. Nem se lembravam de que estavam de cueca, sujos e enlameados. Antes que houvesse um consenso e uma decisão, o colega Morethzon já tinha saltado no rio, em busca do amigo. Deu-lhe a mão e tentou desesperadamente alcançar a margem do rio. Não foi possível e foram tragados para o fundo do rio. Não foi possível, Morethzon!                   
Luta inglória. Campeão de piscina, seus recordes, suas medalhas, seus troféus. Piscina é água parada, domada. O rio é um cavalo solto no campo, irreverente e indomável. Surdo aos apelos, violento e irredutível nas suas decisões. 

O rio Araguaia não iria perder a oportunidade de guardar em suas profundezas vidas selecionadas para o seu acervo de glórias. O diretor, o engenheiro Antonio Pimenta reservou para si o último lugar da fila.


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