Goethe não se suicida
em Werther. Guimarães Rosa não é Riobaldo, Castro Alves não é África, em Vozes
da África. Machado de Assis não é Braz Cubas defunto.
Quem
lê pode logo ficar pensando em identificar o lugar onde os escritores se
escondem, onde eles se posicionam para conseguir relatar acontecimentos,
reunindo palavras, formando um conteúdo, constituindo uma história, um romance,
uma crônica, um conto, uma reportagem, relatório, um poema.
Pois
bem! Os autores devem estar em algum lugar estratégico, vendo e ouvindo tudo
para poder narrar os acontecimentos, dando-lhes vida e ação.
Em
princípio, os autores escolhem posições confortáveis, para poder narrar com
fidelidade e coerência. Estão mesmo escondidos, entrincheirados. Somente depois
disso é que definem os formatos e escolhem os estilos narrativos.
Nada
melhor do que surpreendê-los em pleno trabalho. Pode-se descobrir quatro
esconderijos principais. Vamos surpreendê-los? Eles
estão sempre disfarçados, mascarados e ficam na espreita com olho vivo. Alguns
saem despreparados e podem ser descobertos e flechados. Assim, pode-se
descobri-los em flagrantes nesses principais esconderijos:
1ª. Posição: o escritor está em cena num palco
imaginário, relatando as suas próprias experiências e emoções, seus
sentimentos, sua vida espontaneamente. É claro que é uma narrativa subjetiva,
introspectivamente declarada e assumida integralmente. Tal é o caso de
Gonçalves Dias, em Canção do exílio:
“Minha
terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá. As aves que aqui gorjeiam, não
gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas/ nossas várzeas tem mais flores/
nosso campo tem mais vida/ nossa vida mais amores. De cismar sozinho à noite/
mais prazer encontro eu lá/ minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá.”...
Verifica-se,
pois, a predominância dos sentimentos do autor-narrador. Vive ele em constante
relacionamento íntimo na exaltação dos seus sentimentos, das suas mágoas, das
suas dores. São os poetas os grandes usuários deste modelo. Também os cronistas
se apresentam em suas crônicas com as referências e vivências. Narrar é
preciso. Delatar, denunciar, testemunhar. Dá a impressão de que as personagens
escrevem mesmo com o próprio punho.
No
romance e no conto também surgem autores escrevendo na 1ª. pessoa do singular.
Recentemente, surgiu “O tigre branco” de Aravinda Adiga, indiano de Madras,
vencedor do Man Booker Prize 2008,
publicado nesse formato. Contou uma grande história como se ele fosse a
personagem principal. O autor-ator.Essa posição pressupõe que o autor estivesse
num palco de um teatro, representando um texto de sua própria autoria.
2ª. Posição: o autor entra em cena, participa
da narrativa, tenta conversar com as suas personagens e até mesmo com o próprio
leitor. Torna-se caso frequente em Machado de Assis e constante em W.Sommerset
Maughan, como em “O fio da navalha”. Imagina-se, nesta segunda posição, que um
autor estivesse no palco de um teatro, acompanhando o desenrolar do espetáculo
e interferindo em algumas cenas, tentando melhorar ou explicar o texto.
3ª. Posição: o autor se coloca em cima do muro
ou numa janela aberta, ou no buraco da fechadura de uma porta, visualizando
todos os acontecimentos e narrando-os a seu modo, a seu gosto, a seu estilo. É
sabedor do pensamento das suas personagens e faz delas o que bem entende. O
autor dirige e narra. Não entra nas brigas, não recebe farpas ou saraivadas. É
um criador, um deus, senhor de tudo. Faz chover e até pode matar sem piedade.
Fica no seu posto de observador imparcial. Imparcial? Nem sempre. A maioria dos
autores assume essa posição. É a mais confortável e, assim, torna-se dono da
história. Assim, também, se coloca a maioria dos autores de romances e contos.
Veja Jorge Amado, José de Alencar e Khaled Hosseine, em “A cidade do sol”. Os
autores têm o poder de tudo ver e de tudo fazer acontecer. Assim, o autor se
coloca numa plateia, assistindo ao espetáculo, dinamizado como ele estabeleceu
ou determinou.
4ª.
Posição: O autor faz de conta que é a personagem e narra como se fosse ele
quem estivesse vivendo os acontecimentos. Usa uma técnica mais apurada,
sofisticada, para narrar e produzir emoções que supostamente parecem ser do
próprio autor.”Memórias póstumas de Braz Cubas” de Machado de Assis. Ou “Vozes
da África” de Castro Alves, “Grande sertão e veredas” de Guimarães Rosa,
“Werther” de Goethe. Machado de Assis não é Braz Cubas, um autor-defunto, nem
Castro Alves é a África, mas se coloca na figura da África, (há dois mil anos
te mandei meu grito!...), nem Guimarães Rosa é Riobaldo e nem Goethe
suicidou-se em Werther. O autor coloca-se na pele da sua personagem. Assim,
nesta posição, o autor está no alto da cabine de um teatro, administrando o
espetáculo. Supostamente, seu texto está na 1ª.pessoa. Isto é verdade, mas por
uma técnica especialmente em suposição. Envolve o leitor a acreditar que ele,
autor, está sendo o ator principal.
Não
há outros esconderijos ou outras posições estratégicas, onde possam os
escritores se esconder. Esta devastação não representa uma grande teoria literária,
pois abandona os procedimentos acadêmicos, mas é fundamental na análise de
qualquer obra literária. Assim, os leitores terão um dispositivo elucidado para
flechar qualquer escritor que se apresente à sua frente. E pode analisar e
descobrir a posição estratégica que ele tenha assumido na obra. Como tudo na vida pode ser alterado, muitos
escritores conseguem misturar seus formatos literários, colocando-se em
diversas posições na mesma obra. Mesmo assim, estes são os seus esconderijos.
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