Palavras que poderiam ter sido proferidas por Bernardo
Mascarenhas, (1847 – 1899), orgulho e
mito da família Mascarenhas e da Cia. de Fiação e Tecidos Cedro e Cachoeira.
Traduzem o suor do seu rosto e os calos de suas mãos. Aos 21 anos de idade, convenceu dois irmãos,
arraigadamente conservadores, a constituir uma firma, Mascarenhas & Irmãos,
(1868), para implantar uma fábrica de tecidos.
Onde? Onde quer que fosse. Foi determinado que seria no sertão da
província de Minas Gerais, Taboleiro Grande, (Paraopeba/MG) na região do Cedro.
E foi inaugurada em 12 de agosto de
1872.
Entrevistador
Bom dia! Senhor Bernardo Mascarenhas! Antes de tudo, meus
cumprimentos ao famoso “Pardal do Sertão!”
Bernardo Mascarenhas
Bom dia! Fui mesmo um ousado pardal do sertão, já que
procurei ir além da minha capacidade de trabalho e rompi com as limitações
imaginárias.
E
Sim! É verdade. Sempre esteve sobrepondo-se a limites
imaginários! Mas, sentimos muito a sua pressa ao deixar esta vida, partindo
assim tão jovem. A isso, não podemos perdoar.
BM
Sim. É verdade. Deixei esta vida aos 52 anos de idade, na
tarde/noite de 9 de outubro de 1899. Nem pude me despedir dos familiares nem
dos amigos. Estava sentado junto à minha mesa de trabalho e fui surpreendido
por um momento fatal.
E
Com 52 anos de idade?
BM
Isso mesmo! Nasci no dia 30 de maio de 1847, era portanto, um
geminiano, e sempre fui uma pessoa de horizontes abertos e descortinados.
E
Pela sua forma de ser, o senhor sempre foi apressado e ágil
nos seus empreendimentos.
BM
Sempre fui ágil mesmo e apressado também. Minhas ideias e
meus projetos pululavam dentro do meu cérebro e passavam imediatamente para as
minhas mãos, isto é, para a execução. Não aguentava ficar esperando, pois tinha
muitas coisas por fazer. Infelizmente, ainda deixei muitos projetos em
andamento. Que fazer? A morte termina todas as histórias.
E
O senhor se considerava preparado para executar tantos
projetos, tantas obras como as que tiveram a sua marca?
BM
Nunca estaria preparado se deixasse o tempo passar. Minha
formação também foi curta e apressada. Estive interno no Colégio do Caraça por
três anos. De 1860 a 63 e me dediquei totalmente aos estudos com os educadores
lazaristas. Nesse colégio, implantado no meio de montanhas, matas e cachoeiras,
o convite ao estudo e à meditação era uma oportunidade que não se poderia
perder. Aproveitei ao máximo, junto com meus irmãos Pacífico, Caetano e
Sebastião. Depois, passei por colégios em São João del Rei e me convenci de que
precisava executar, produzir. Movimentar na vida do trabalho.
E
E parou de estudar?
Nunca parei de estudar. Dia após dia, as técnicas se
sobrepunham rapidamente. Inovações. Máquinas novas. A energia hidráulica ficou
superada. Veio a utilização do vapor e depois, a eletricidade. Quem se sentasse
à beira do caminho e se conformasse com o que tivesse adquirido, estaria
superado facilmente, e superado tecnicamente. Para inovar e acompanhar o
desenvolvimento há necessidade de estudo e aperfeiçoamento constantes.
E
Seu irmão, Antônio Cândido, era conservador?
BM
No princípio, ele me acompanhou, mas não resistiu ao meu
ritmo e à minha velocidade. Com ele e meu outro irmão, Caetano, constituímos
uma firma, Mascarenhas e Irmãos, com o objetivo de implantar uma fábrica de
tecidos. Antônio Cândido era o nosso irmão mais velho, e assumia o papel de
orientador geral da família. Ele teve sucesso no comércio e na agropecuária.
Era um financista do seu tempo. No caso de Caetano, quatro anos mais velho do
que eu, sempre mantivemos uma forte relação de amizade e ele sempre esteve ao
meu lado. Nenhum dos outros irmãos acreditou no sucesso de nosso
empreendimento. Nem o nosso pai. Estávamos unidos os três, com um objetivo
definido. Isso aconteceu em 1868, quando eu tinha, na época, 21 anos de idade.
Estava fundada a nossa sociedade, devidamente registrada.
E
Implantar uma fábrica de tecidos! Mas onde seria? No sertão
despovoado da Província de Minas Gerais?
BM
Essa era a obstinação do nosso irmão Antônio Cândido. Ele
iria financiar a fábrica, contanto que ela fosse instalada no Taboleiro Grande.
Ele não tinha ideia das dificuldades que adviriam para a implantação da fábrica
no Cedro, região do Taboleiro Grande. De minha parte, pensava em Juiz de Fora,
uma cidade que teria condições apropriadas para uma grande fábrica com plenos resultados
de êxito. Caetano ficava neutro.
E
E Antônio Cândido venceu?
BM
Ele iria entrar com o capital. Não havia argumentação
convincente. A decisão não poderia ser outra, pois a minha obsessão era
implantar uma fábrica de tecidos. Onde? Isso seria um problema menor. Mas o
sacrifício e as dificuldades seriam muito maiores. Antônio Cândido estava
irredutível e minha fábrica já estava concretizada no meu pensamento. Eu também
estava irredutível.
E
Foi um desafio?
BM
Talvez o meu primeiro desafio. Saberia que outros viriam.
Tive que vencer um por um. E muitos viriam mesmo à minha frente. Derrubei cada
um deles.
O senhor tinha alguma experiência com tecelagem?
BM
Minha mãe, Policena Moreira da Silva Mascarenhas, na fazenda
São Sebastião, no município de Curvelo, iniciou uma atividade artesanal com
escravos. Eu acompanhava o trabalho nos teares de pau, dava orientação para sua
melhoria e a produção foi aumentando. Sempre acompanhei esse trabalho de
tecelagem. E aquele início artesanal foi transformado em teares metálicos
produzindo tecido grosso, para sacaria agrícola e roupas para os escravos. Numa
época, eram escravas no trabalho com os teares. Uma boa produção que se
transformou numa indústria rural.
E
Fazenda São Sebastião?
BM
Meu pai, Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, algum tempo
depois de casado com Policena Moreira da Silva Mascarenhas, adquiriu do sogro
essa propriedade, Fazenda São Sebastião, em 1.836. Aí viveram e tiveram 13
filhos. Eu era o décimo deles. Meu pai era um expansionista e foi adquirindo
fazendas no decorrer de sua vida, pelo sucesso na produção agrícola e pecuária.
A fazenda só importava querosene, sal e ferro. Produzia café, algodão e trigo,
e tantas outras coisas. Tinha oficinas diversas: carpintaria, alfaiataria, de
ferreiro, de sapateiro. E minha mãe era uma mulher dinâmica e participava de
todo movimento da fazenda. Assim, resolveu produzir tecidos. O algodão era
cultivado na própria fazenda. Começou de baixo e teve sucesso. E eu fui
aprendendo com ela. Meu pai não entrava nesse negócio. Apenas apoiava com
curiosidade. Daí, mais tarde, surgiu a Fábrica São Sebastião.
E
E os outros irmãos?
BM
Todos tiveram sucesso nos empreendimentos. Somente Pacífico e
Sebastião decidiram continuar os estudos e formaram-se em medicina, no Rio de
Janeiro. Além disso, meu pai presenteava todos os filhos com 26.000$000 – vinte
e seis mil réis – quando completavam 18 anos e as filhas, quando se casavam. Eu
mesmo, com o meu irmão Caetano, iniciamos uma sociedade no comércio de sal e na
pecuária. Vi logo que não era o que eu queria, que não era o meu itinerário de
vida.
E
Mas e a fábrica de tecidos?
BM
Isso mesmo. A nossa fábrica de tecidos do Cedro estava em
gestação. Foi prolongada essa gestação e durou quatro anos, pois só foi
inaugurada em 12 de agosto de 1872.
E
E o local?
BM
Ficou determinado que a fábrica seria instalada na região do
Cedro, como Antônio Cândido estabeleceu. Assim, sem mais discussões, passamos à
escolha do terreno, pesquisar as condições da captação da água para mover as
máquinas, o açude, o bicame e a construção de um prédio para abrigar a fábrica
e de casas para os operários.
E
E as máquinas?
Ah! As máquinas! Antônio Cândido tinha seu negócio
florescente e Caetano cuidava de comércio e pecuária. Sobrou para mim. Eu
fiquei como responsável por tudo e mais alguma coisa. Parti para a Corte, isto
é, para o Rio de Janeiro e estabeleci contato com representantes de máquinas.
Dois meses de pesquisas e contatos. Finalmente, em setembro de 1870 assinei
contrato de compras do maquinário de uma fábrica de Nova Jersey, EUA. Agora,
era aguardar a chegada dessas máquinas. Demoram mais de seis meses.
E
Retornou a Taboleiro Grande?
BM
Sim. Imediatamente. A responsabilidade da construção do
açude, da planta da fábrica e de tudo mais, dependia de mim. Foi mais um
trabalho árduo. Precisava de operários, de mão de obra. Passei então a alugar
escravos. Meus irmãos e meu pai tinham escravos de aluguel.
E
E quando as máquinas chegaram?
BM
Se existiram desafios, o transporte dessas máquinas foi o
maior deles. Elas chegaram ao porto do Rio de Janeiro e foram transportadas até
Três Rios pela estrada de ferro Dom Pedro II. Consegui uma empresa para
levá-las até Juiz de Fora. Daí a Taboleiro Grande foi a maior dificuldade.
E
Muitas máquinas?
BM
Muitas e muito pesadas. No total seriam 250 toneladas. Todas
elas foram transportadas por carroções e por carros de boi. A distância era de
60 léguas, ou 360 km. Veja que cada carro transportava no máximo 1,5 ton. E a
viagem, por estradas de lama ou mata durava 30 dias. Um desafio impossível de
ser realizado. Não havia alternativas. E tudo foi realizado com muito
sacrifício. Não podia haver o impossível. Antônio Cândido nem quis ficar sabendo
dessas dificuldades.
E
E as máquinas chegaram. E depois?
BM
Eis a questão. Montar essas máquinas desconhecidas e
colocá-las em funcionamento. Um técnico inglês, James Wells, comandava e
administrava a montagem. Eu fui aprendendo com ele e participava de todo o
processo. Visitei a fábrica São Luís, em Itu, São Paulo, para obter subsídios
técnicos. Depois, fui a outra fábrica no estado do Rio de Janeiro.
E
Finalmente, a fábrica estava pronta para entrar em
funcionamento?
BM
Festejei a minha primeira vitória impossível e pusemos as
máquinas para produzir, impulsionadas pela água do açude. Era finalmente 12 de
agosto de 1872. Passei a gerente da fábrica do Cedro aos 25 anos de idade.
Produzimos tecido grosso para sacaria e vestimenta de escravos. Meus sócios
festejaram, meus irmãos admiraram e meu pai nem quis ver.
E
Sucesso total?
BM
Sucesso, sim... mas não total. Nossa produção se acumulava no
depósito. Onde estavam os nossos compradores? As distâncias entre as
comunidades eram grandes, a comunicação precária, feita apenas pelo cavalo. E
assim, os pontos de estrangulamento: a comercialização, os insumos, isto é, o
algodão e, complementando, a mão de obra desqualificada.
E
Tantos problemas?
BM
Tudo gira em torno de desafios, não de problemas. Antes, era
a montagem das máquinas, ouvindo e vendo os técnicos estrangeiros
incompetentes. Não repassavam informações e tive que iniciar minha aprendizagem
de idiomas para enfrentá-los. Sem que eles imaginassem, eu estava a par de todo
o processo de mecânica na fábrica. Dominei a técnica de montagem desses
equipamentos.
E
E os insumos, o algodão?
BM
Meu irmão Antônio Cândido comprava tudo que aparecia e formou
um bom estoque. Era pouco para a Fábrica
do Cedro. Tivemos que comprar o algodão do produtor antes mesmo de plantá-lo.
De outra visão, estávamos financiando a agricultura.
E
E a mão de obra despreparada?
BM
Sem mão de obra qualificada nenhuma indústria poderia ter um
bom produto. Admitimos muitos trabalhadores da região, sendo eles homens,
mulheres, meninos e meninas. Além dos escravos alugados, por bom preço. De modo
geral, esses operários eram analfabetos. Tive que montar escola noturna no
decorrer do tempo para qualificá-los.
E
Mesmo analfabetos seu pessoal aprendia as técnicas da
fabricação?
Foi demorada a aprendizagem. Nossa jornada de trabalho era de
6h às 18h. Assim, de 6 às 6. Aprendiam pela repetição. Tivemos que iniciar o
pagamento de salários para os operários.
E
E por que não compravam mais escravos?
BM
O custo seria muito alto. Talvez o mesmo preço das próprias
máquinas. Assim, fomos produzindo com a mão de obra do sertão.
E
E a comercialização?
BM
Ainda não tínhamos uma política definida de comercialização.
Antônio Cândido na sua empresa abriu um varejo e aliviava o nosso estoque. Depois,
passamos à venda em consignação e venda por atacado, mas a prazo de 180 dias.
Outro desafio: a falta de capital de giro.
E
Mas a fábrica do Cedro estava com produção contínua?
BM
A nossa fábrica era admirada pela força motriz e pela
disciplina da organização. Eu mesmo olhava e não acreditava. Teares novos
rodando, relembrando aqueles teares da fazenda São Sebastião que exigiam a
força humana para movimentá-los. Tive a convicção de que a indústria era a
linguagem do momento, superando a agricultura. Mesmo no ambiente primitivo do
interior da província de Minas Gerais tinha surgido uma moderna fábrica de
tecidos, com meios de transporte tão rudimentares.
E
E a proposta da montagem de outra fábrica na região da
Cachoeira?
BM
Meus irmãos, Pacífico, Victor e Francisco, associados com o
nosso cunhado, Luís Augusto Viana Barbosa, decidiram montar também uma fábrica
na Cachoeira. Claro que se entusiasmaram com os resultados da fábrica do Cedro.
Surgiria então um novo empreendimento. De minha parte, receberam os maiores
incentivos. E eles juntaram os recursos financeiros e entraram em ação.
E
E vieram pedir a sua colaboração porque além de Bernardo
Mascarenhas, nenhuma outra pessoa teria alcançado tamanha experiência e
tecnologia.
BM
Queriam que eu me encarregasse da compra do maquinário.
Aceitei esse desafio, mas sugeri que, ao invés de comprar máquinas de
representantes, eu fosse à Europa e EUA para a escolha mais apurada.
Concordaram comigo. Isso aconteceu no ano de 1874, já com dois anos de
funcionamento da Cedro. Passei a ser o consultor da Mascarenhas & Barbosa.
Assim, parti para esse novo desafio, sem dominar perfeitamente o idioma
daqueles países. Tinha um pequeno vocabulário aprendido com os técnicos
contratados.
E
E partiu para a Europa?
BM
Especialmente para a Inglaterra. Manchester era a grande
cidade inglesa que tinha a vanguarda na produção de máquinas. Tive a felicidade
de articular com o engenheiro Robert L. Kerr. Do trabalho surgiu uma amizade
duradoura. Ele abriu todas as portas para mim. Estagiei em diversas fábricas,
fiz cursos, comprei livros, estudei e tornei-me técnico na montagem de
máquinas. Não perdi um dia em resultados na minha estada na Inglaterra. Depois,
fábricas em Liverpool. Resolvi comparar preços e qualidade com máquinas americanas
e parti para os EUA. Retornei à Inglaterra e decidi fazer um contrato para a
compra de máquinas para 52 teares. Inicialmente, o pensamento era de 30 ou 40.
Passei para 50 e acabei comprando para 52 teares. Isso significava que a
Fábrica da Cachoeira seria três vezes maior do que a Cedro, que tinha 18. Além
disso, a Fábrica da Cachoeira iria produzir tecidos finos que possivelmente
iriam acompanhar a produção internacional.
Dizem que nessa viagem o senhor acabou comprando um piano. O
senhor tem vocação para a música, também?
BM
Vocação? Vocação? Propriamente penso que tenho amor à música.
Comprei realmente um piano em Paris, além de uma flauta. Comprei partituras
diversas porque imaginei que poderia formar uma banda de música no Cedro, o que
realmente aconteceu. Com esse piano em casa, transportado que foi para o Cedro,
aprendi a tocar algumas melodias. Muito
esforço e prazer no pequeno espaço de tempo que me sobrava. Mais tarde, fui até
elogiado por um técnico inglês que residiu com a esposa na nossa região, James
Nicholson. Digo mais, comprei livros de culinária que me permitiram ensinar às
escravas na melhoria dos pratos e das refeições. Eu mesmo praticava em algumas
oportunidades.
BM
Não perdeu tempo?
BM
Como disse, não tinha tempo a perder. Eu sempre fui apressado
e tinha meu destino a cumprir. Estudei muito, aprendi muito. Percebi com
entusiasmo o florescente movimento do capitalismo inglês. Imaginei
incorporar-me a essas novidades do final do século XIX. Era a revolução
industrial para nós, com a necessidade de movimentos estruturais para a
distribuição e comercialização em grande escala. Precisávamos produzir pano,
mas também vender pano e obter lucros.
E
Praticamente se formou industrial?
BM
Permaneci mais de um ano nessa viagem e procurei me inteirar
de tudo para até substituir os técnicos estrangeiros que vinham ganhando altos
salários e omitindo informações técnicas, com medo de serem preteridos. Pensei
em aprender para transmitir informações e formar técnicos brasileiros.
Inovações diárias no mundo da tecnologia. Acompanhar? Abrir o interesse do povo
para se inserir nas modernidades? Aprendi que modernização é um processo
interminável. Nada é moderno para sempre. Tinha que propagar também essas
ideias entre os meus irmãos e meus amigos companheiros de trabalho. Contaminar
todos os irmãos para os novos tempos e as novas oportunidades. O mundo estava
mudando. Infelizmente, nem todos me acompanharam, mas eu fui em frente, sem me
apegar a críticas e observações desairosas.
E o regresso foi auspicioso?
BM
Encontrei algumas divergências entre meus sócios. Antônio
Cândido recriminou algumas das ideias trazidas, como seria de se esperar. Ele
era escravocrata arraigado e pensava em obter lucro imediato em tudo que
pusesse a mão. Entretanto, ressaltei que sempre é preciso despender algum cobre
para depois ser de novo recolhido. Ele não compreendia por que pagar salários a
operários. Os meus familiares tinham escravos alugados.
E
Mas o senhor mesmo teve alguns escravos alugados...
BM
Não posso negar. Entretanto eu era fruto do meu tempo. Em
1871 foi promulgada a LEI DO VENTRE
LIVRE e eu cumpria a legislação vigente. Trabalhei na fábrica ao lado dos
escravos. Lado a lado. Fundei escola e não queria nenhum operário analfabeto.
Todos cresceram.
E
Mas e a nova Fábrica da Cachoeira?
BM
Como disse, passei a ser o consultor assalariado dos meus
irmãos. Afastei-me da Cedro e passei a residir na casa do meu irmão Francisco,
o caçula. Francisco foi o meu companheiro inseparável, fiel escudeiro.
Acreditou em mim e procurou tirar as melhores oportunidades de crescimento e
desenvolvimento industrial, acompanhando sempre as fantasias da modernidade.
E
E a Cedro não achou adequado o seu comportamento?
BM
É verdade. Antônio Cândido não me perdoou e passou a criticar
até com veemência a minha participação na Cachoeira. Não seria só por ciúme. A
Fábrica da Cachoeira era um novo desafio. Alguém tinha que fazer tudo. Esse
alguém era eu mesmo. O certo é que, daí pra frente, Antônio Cândido me tirou do
mapa dos irmãos amigos e companheiros. Nunca recriminei a sua atitude.
Compreendia que ele apenas gostava de dinheiro imediato dentro de sua obsessão.
A minha era produzir, implantar, criar. Modernizar. Crescer. Cada um de nós tem
o seu ponto fraco. Ou forte? Foi mesmo Antônio Cândido que ironizou a minha
obsessão, dizendo que eu era apenas “um pardal do sertão.” Ele nunca mudou de
ideia a meu respeito. Talvez, tivesse razão. Entretanto, segui meu itinerário
de vida, mas era mesmo um pardal de altos voos.
E
E Caetano, o outro irmão sócio?
BM
Caetano era conservador e acompanhava diretamente Antônio
Cândido nos seus negócios. Entretanto, encontrei o Chico, o menino Francisco
que ficou do meu lado. Os outros irmãos olhavam de banda e ficavam observando.
E
BM
Por que não? Tudo montado e funcionando com 52 teares,
produzindo tecidos finos. A comercialização surgiu pelo conhecimento da
qualidade da nossa produção. Depois disso, retornei à administração da Cedro.
Agora com um novo projeto: substituir a força motriz hidráulica por outra a
vapor. O açude tinha se rompido e a fábrica teve que paralisar temporariamente.
Essa substituição foi outro fato inovador. Mais um projeto desse pardal
irrequieto! Modernizar, ampliar a produção com novos teares. Não podemos ficar
parados no tempo. Estamos no sertão, mas com os olhos abertos para acompanhar
ou superar nossos concorrentes. E os lucros eram pequenos, mas sempre
crescentes. A produção também. Tudo isso alarmava o sócio Antônio Cândido
novamente.
E
E foi implantado o sistema motriz a vapor?
BM
Foi um sucesso. Daí pra frente, gastávamos lenha ou carvão e
não água. Mas as coisas não paravam por aí. Eu já previa que nosso destino era
a eletricidade. E os sócios se alarmavam com mais uma alteração no processo. Eu estava ávido por implantar a eletricidade.
Procurei ler tudo que tinha e me aprofundei no assunto. Claro que meus irmãos
ficavam alarmados em destruir uma coisa por outra, num curto espaço de tempo.
Que fazer? Seria eu o culpado?
E
Sua imaginação também não tinha limites?
BM
Além disso, era minha preocupação o capitalismo, o
conglomerado de empresas trabalhando associadas. Por isso, andei pregando a
fusão das fábricas do Cedro com a Cachoeira. Minha pregação e meu ideal só
foram concretizados quase dez anos depois. Era uma semente dura de brotar nessa
terra árida. Mas disso eu não me esquecia e esperava com relativa
tranquilidade. Relativa? Ficava cansado de esperar. Eu me cansava mais por isso
do que colocar tudo em ação. A empresa passou a denominar-se “COMPANHIA DE
FIAÇÃO E TECELAGEM CEDRO E CACHOEIRA – pela lei 3.150 das sociedades anônimas,
de 4 de outubro de 1882. Tinha capital de 1.000.000$000 (um milhão de réis),
com 5.000 ações nominativas de 200$000. Eu fiquei com 658 ações e meus irmãos
Antônio Cândido, Pacífico, Caetano, Francisco, e Victor, além do meu cunhado
Luís Augusto Viana Barbosa ficaram com a mesma quantia. Theophilo Marques
Ferreira ficou com 353 e Antônio Joaquim, com 41 ações. Fui designado
Presidente da Companhia. Esta decisão foi estabelecida em 19 de dezembro de
1882, mas registrada em cartório de Curvelo em 2 de abril de 1883.
E
A fábrica da Cachoeira estava em plena ação?
BM
A fábrica da Cachoeira estava pronta em 1876, mas entrou em
funcionamento em 23 de janeiro de 1877 e a produção surgiu em abril desse ano.
Terminado o meu trabalho na Cachoeira, retornei à Cedro, depois de três anos,
com o objetivo de fazer a reorganização geral, mudando a linha de produção para
tecidos finos. Comprar novos teares. Com a constante resistência e até mesmo
agressividade de Antônio Cândido, propus a ele a venda da minha parte, ao que
ele respondeu que eu estava querendo vender um negócio ruim. Achei graça e me
convenci de que havia necessidade de reorganização da Cedro. Não perdi tempo
porque, como disse, não tinha tempo para perder. Assim, passamos a produzir
tecido fino com as novas máquinas.
Mas, antes disso, o senhor fez outra viagem à Europa?
BM
Sim... não podia perder a Exposição Universal de Paris no ano
de 1878. Não podia perder a oportunidade de estar presente a essa exposição
universal. Novamente um pardal voador. Desta vez, levei o meu irmão Francisco.
Temos que ficar em sintonia com o que acontece no mundo. Isso mesmo. O Chico
voltou deslumbrado. Ficamos ausentes por alguns meses. Sofri demais quando
cheguei, porque meu filho Aníbal, primogênito, tinha falecido. Uma perda
irreparável. Amélia, minha esposa, estava desolada. Além disso, críticas
pesadas de Antônio Cândido. Ficar preso ao sertão? Precisava ver o que se passava
no mundo. O dele era restrito e bastava a região do Taboleiro Grande ou Curvelo
quando muito. É isso.
E
Também Francisco teve alguns problemas.
BM
Sim. Foi acusado injustamente de assédio e teve alguns
problemas. Passou a ter mais cuidado nos seus relacionamentos e nada prejudicou
sua vida, seu trabalho, sua dignidade pessoal.
E
Admitiram novo sócio?
BM
Sempre recebemos propostas de adesão, mas não eram aceitas
fora da família. Entretanto, numa oportunidade mais difícil, aceitamos como
sócio e companheiro o senhor Theophilo Marques Ferreira, que se transformou
logo num batalhador ferrenho pelo desenvolvimento das nossas fábricas.
E
E a nova fábrica de São Sebastião?
BM
Foi remodelada, novos teares, nova linha de produção somente
com operárias escravas. Era administrada pelo nosso irmão Victor. Nesse tempo,
foi promulgada a Lei Áurea, Abolição da Escravatura. Victor teve grandes
dificuldades de manter a antiga produção. Ele não era muito afeito a diálogo
com escravos. Queria produção, e os negros queriam folgar. Tanto tempo de
serviço pesado e agora ainda era tempo de aproveitar um pedaço do paraíso.
Victor se dizia humilhado diante da atitude dos operários. Antes, eles só
tinham obrigações e deveres. Agora tinham direitos. Dizia o Victor que algumas
ex-escravas eram desaforadas e hostilizavam seus antigos senhores. Ele, então,
teve que usar a antiga palmatória para chegar ao eixo essas negras “atrevidas”.
Tudo a seu jeito nessa época, para dar continuidade à produção.
E
E a sua vida particular. Sua esposa, seus filhos?
BM
Casei-me com Amélia Guimarães Mascarenhas, filha do juiz José
Ignácio Gomes Guimarães e de Amélia Macedo Guimarães – da sociedade
ouro-pretana. São os nossos filhos: Maria Amélia, Helena, Eneas, Romeu,
Julieta, Achiles, Apolinário, Ulisses, Sílvia, Clóvis e Bernardo que nasceu no
ano da minha morte.
E
E seu pai, o major Mascarenhas, acreditou nas fábricas dos
filhos?
BM
Meu pai era pessimista quanto ao nosso ideal de
industrialização. Resistiu tanto quanto pôde, mas um dia apareceu e ficou
encantado. Daí surgiu também a expansão da fábrica de São Sebastião, agora
administrada pelo nosso irmão Victor.
E
Victor tinha dificuldades no relacionamento com escravos?
BM
Como disse, Victor tinha personalidade forte e resistente a
modificações sociais. Ele sofreu com a liberação dos escravos, pois seus
argumentos e sua força opressora tinham que ser modificadas. Parece estranho
dizer que ele tenha sofrido com a abolição da escravatura. “Essas negras estão
com o diabo!”
O senhor tinha outros conceitos sobre o trabalho?
BM
Desde que estive na Inglaterra, no
período de 1874, já pressentia as mudanças sociais na vida do trabalho. O
ministro inglês Benjamin Disraeli (1804 - 1881) pregava um novo mundo de
mudanças nas relações do trabalho. Falava enfaticamente sobre reformas nessas
relações trabalhistas, sobre as condições do operário, sobre os sindicatos,
sobre o trabalho feminino e das crianças, sobre a redução da jornada de
trabalho, sobre o repouso semanal de meio dia aos sábados, sobre as condições sanitárias.
E
Era uma revolução?
BM
Mais que uma revolução. Na minha família era uma guerra. Tive
que moderar meus conceitos e abrandar atitudes de acordo com o pensamento do
grupo. Não quer dizer que tenha sido voto vencido, porque fui introduzindo
modificações mais discretas e conseguindo bons resultados. Nunca tive problemas
com os operários.
E
Com tantas modernizações, como diria Antônio Cândido, houve
resultados imediatos?
BM
Tivemos resultados surpreendentes, com produção incalculável.
Passamos de uma produção de 640 mil metros de tecidos para dois milhões. A
Cedro, que tinha 40 teares, passou para 56. A Cachoeira, que tinha 60 teares,
passou para 140. No total tínhamos 196 teares. Isso, em 1888, quando eu já
tinha me afastado das fábricas.
E
Sim. Sei disso. Mas o Francisco estava ainda propondo mais
novidades.
BM
Francisco veio me falar sobre a eletricidade. Ouviu isso de
alguns políticos e ficou entusiasmado, com a possibilidade da iluminação e com
a força da eletricidade que era capaz de derreter o aço. Eu já tinha lido muito
sobre isso, pelos livros que meu amigo Robert L. Kerr tinha me enviado de
Manchester. Achei melhor esperar um pouco.
E
Mas Francisco não desistiu.
BM
É verdade. Francisco voltou a me cutucar com essa
possibilidade. Ele tinha comprado essa ideia e foi ele que me vendeu por um
preço muito barato. Acabei me interessando mais profundamente pela
eletricidade. Não podia frear o progresso e omitir as mudanças tecnológicas.
Mas eu estava de saída e deixei o desafio para o próprio Francisco, que
conseguiu implantar a luz elétrica nas fábricas.
O senhor estava de saída?
BM
Eu já tinha comprado um pasto, um terreno de três alqueires,
em Juiz de Fora, e estava decidido a enfrentar outros desafios. Era prudente de
minha parte afastar-me das desavenças dos conservadores, Antônio Cândido e
Caetano. Eu administrava a companhia como um ditador. Era a opinião deles. E
isso contaminou acionistas.
E
Houve nova eleição da diretoria?
BM
Sim. Em reunião de 22 de abril de 1886, mesmo com essas
insinuações de ditador, fui eleito novamente com 143 votos dos acionistas.
Antônio Cândido teve 123. Entretanto, para configurar bem a minha
administração, no período de 83 a 87, a Cia. teve lucro de 853 milhões de réis.
Passei a considerar o operário como fator preponderante para o processo
produtivo e que ele deveria receber educação formal da empresa para lidar com a
tecnologia. Deveria, também, receber incentivos pecuniários para produzir mais
e melhor. Abrimos recrutamento de pessoal.
E
Houve aumento do quadro de pessoal?
BM
Obrigatoriamente teria que haver. Em 1883 eram 264 operários
e, em 87, éramos 446. Havia aproximadamente a seguinte distribuição: 20% de
homens, 24 a 45% de mulheres, 24% de meninos e 14% de meninas. Tivemos que
criar uma caixa econômica dos operários, objetivando a poupança para o futuro.
O sistema de prêmios foi implantado, o que era uma medida avançada para o nosso
tempo, além do treinamento. Nosso pessoal foi valorizado tanto que houve
aliciamento por parte de empresas concorrentes. Tem mais! O aumento da produção
subiu 66,34% de 85 para 86. Foi preciso forçar a comercialização para esvaziar
nossos estoques.
E
Houve então um choque de mentalidades?
BM
Parece que foi isso mesmo. Entretanto, havia uma fenda que se
abria a cada ano. Era impossível estancar esse tal choque de mentalidades.
Assim, pedi exoneração de membro da diretoria e da superintendência da Cia.
Imediatamente, foi negado o meu pedido. Entretanto, minha decisão estava tomada
e eu iria seguir outros itinerários.
E
Missão cumprida.
BM
Nem tanto por isso. A missão também é interminável, mas era o
momento certo para evitar agravamento de relações familiares. Deixei a Cia. com
220 teares. Não foi possível implantar a terceira fábrica em Rio Pardo. A morte
do meu pai em 1884 nos deixou um pouco desarticulados para esse empreendimento
que teria 300 teares aproximadamente.
E novos caminhos se abriram?
BM
Sim! Seriam novos caminhos. Pretendia implantar uma fábrica
de tecidos em Juiz de Fora, uma hidroelétrica para iluminação pública e particular,
além de ter a fonte de energia industrial. Desafios ousados. Meu irmão previa o
fracasso, questionando o que iria fazer o pardal do sertão no meio dos canários
da cidade. Ainda previu o meu fracasso financeiro, dizendo que eu voltaria para
o arraial do Cedro mendigando emprego.
E
Decisão tomada?
BM
Do pensamento à ação imediatamente. Despedi-me dos operários
e senti o calor da amizade que construí nas nossas fábricas. Vi o quanto eu
representei para todos eles. Mas o tempo era outro. Procurei amealhar os meus
recursos financeiros, apurando tudo que podia e embarquei no novo projeto de
vida na primeira quinzena de maio de 1887. Juiz de Fora era o meu destino.
Deixei minha família em Ouro Preto, em companhia do meu sogro, até que me
firmasse em Juiz de Fora. Eu mesmo senti insegurança e não queria levar a minha
família sem que estivesse acertada uma posição bem segura.
E
Em Juiz de Fora sentiu diferenças de modo de vida?
BM
Outros costumes, outra cultura. Vida caríssima. Povo educado
e afetivo. Amizades de fácil convívio. Eu sempre fui republicano e
nacionalista. Encontrei muitos amigos que adotavam princípios republicanos.
Entretanto, havia a proximidade da Corte, onde a bexiga estava dizimando a
população. Era perigoso. As condições sanitárias da cidade não eram
satisfatórias. Mesmo assim, minha família foi devidamente alojada e ali nasceu
a minha filha Julieta, no dia 26 de agosto de 1887. Adquiri um terreno para a
implantação da fábrica de tecidos e entreguei a planta a um empreiteiro. Tinha
pressa, porque as despesas pessoais eram grandes. Em continuidade, adquiri a
concessão de iluminação pública e particular e de gás, visando minhas
atividades futuras. A minha fábrica, só minha porque implantei-a sozinho, foi
inaugurada em 14 de maio de 1888, com 60 teares. Só tinha a tecelagem que era
mais simples. Adquiria os fios da Inglaterra e foi um sucesso. Tecido fino,
brins, zefires, com variedade de cores e padrões. Sucesso total.
E começou a ficar conhecido na cidade?
BM
O jornal “O Pharol” publicou que eu estava com projeto de
implantar luz elétrica na cidade. Foi o início da especulação. Na verdade, era
um projeto ambicioso. A eletricidade era desconhecida totalmente pela
população, mas a cidade estava disponível para receber esse melhoramento.
Passaram a acompanhar o meu trabalho e a população estava certa de que eu
estava trabalhando para isso.
E
Eletricidade para o povo?
BM
Com auxílio do engenheiro mecânico Agenor Barbosa,
implantamos a energia elétrica na fábrica de Tecidos Mascarenhas, em 27 de
agosto de 1889. Houve solenidades programadas com banda de música e foguetes. A
cidade ficou entusiasmada. Convidei o juiz Francisco de Paula da Costa para
acionar o motor de 30 cavalos. Havia convidados por todos os lados da Companhia,
aguardando o desenrolar da mágica elétrica inacreditável. O juiz Francisco de
Paula entrou num compartimento especial e acionou o motor. Imediatamente, todas
as máquinas puseram-se a rodar, os 150 operários, nos seus postos, começaram a
produzir, sob a assistência do público que aplaudia sem cessar. As luzes se
acenderam e uma claridade intensa, nunca vista numa noite dessas, ofuscava a
visão de todos. A banda de música ainda tocava o hino nacional. Aplausos
continuados. Em seguida, convidei as autoridades para um grande salão
iluminado, totalmente iluminado, para conhecer um fogão elétrico. E o
confeiteiro servia biscoitos e salgados aquecidos naquele fogão. E o barulho
das máquinas era outro fator de admiração. E o tecido brotava dos teares. E os
operários eram admirados. O Jornal do Comércio, no dia 28 de agosto, não deixou
por menos e estampou uma página inteira. Era a primeira fábrica de tecidos
movida a energia elétrica.
E
E a sua responsabilidade aumentava?
BM
Passei a ser conhecido e respeitado. Além de tudo, o povo da
cidade confiava em mim na expectativa da iluminação pública e particular. Na
Câmara, os vereadores discutiam as vantagens e desvantagens de substituir a
iluminação a querosene pela energia elétrica. Todos falavam dos perigos, dos
incêndios e de tantas outras fantasias, todas imaginárias, porque não tinham
conhecimento seguro sobre a energia elétrica. Além disso, poderia haver choques
entre os fios dos telefones com os da eletricidade nas ruas. O povo ansiava
pela eletricidade, mesmo desprezando o telefone que era usado por poucos.
E
E nasceu a Cia. Mineira de Eletricidade?
BM
No dia 7 de janeiro de 1888, era constituída a Cia. Mineira
de Eletricidade, com capital de 150.000$000 em 1.500 ações de um mil réis. A
iluminação pública era esperada para substituir os lampiões a querosene. A
imprensa estava ávida por novidades e modernização, esclarecendo o povo quanto
ao uso dessa energia elétrica que alterava conceitos de vida no mundo inteiro.
Juiz de Fora estava na vanguarda e colocavam meu nome como um empreendedor de
primeira linha, um benfeitor para a cidade. Foi, finalmente, marcada a data da
inauguração da iluminação pública, com os postes e as lâmpadas fincadas nas
ruas principais. Essa data foi adiada. Adiada? Sim. Amélia, minha esposa,
esteve gravemente enferma e eu tive que dar assistência total à minha
companheira. Os jornais justificaram e aceitaram esse adiamento. Também, sem
mim, nada seria feito. Finalmente, a data chegou. Eu estava mais emocionado do
que o povo ou as autoridades. Em sigilo, marquei uma experiência para a noite
de 22 de agosto, para verificar se tudo estava nos seus devidos lugares. Houve
um forte temporal nessa noite e, mesmo assim, fiz três experiências. Na
primeira, a luz tremia muito. Na segunda, a luz estava muito fraca. Na
terceira, a luz brilhou com todo o seu esplendor, e com uma intensidade
fantástica que eu mesmo fiquei surpreso. Luz firme e contínua.
E
Na noite de 22 de agosto houve mesmo a inauguração?
BM
Nesse dia, ou melhor, nessa noite, às 21 horas, o povo estava
nas ruas. Foi mais uma experiência. E a luz jorrou sem piedade sobre esse povo
estarrecido. Houve girândolas de foguetes, aplausos de admiração. Era a
expectativa do século vinte. E Juiz de Fora estava na vanguarda. Banda de
música nas ruas. Fui saudado com discurso na fábrica, onde permaneci, pelo
senhor João Severino da Fonseca Hermes. O povo da cidade, tanto os políticos,
como a elite e gente de todas as classes sociais, compareceu em massa. Vivas. Viva o povo de Juiz de Fora! Gritei ao
alto e tão alto quanto pude. Convidei a todos para entrarem na fábrica e
ofereci um copo de cerveja. A comemoração, com iluminação, foi até as 23h. E os lampiões? Alguns foram até apedrejados.
Impossível conter o povo.
E
Não era ainda a inauguração oficial?
BM
É verdade. A inauguração oficial foi marcada para o dia 5 de
setembro de 1889, com a presença das autoridades locais, devidamente
consagrando o momento com grande concentração popular. Nessa noite, em frente à
Tecidos Mascarenhas, com a presença da diretoria completa, com a banda de
música do maestro Carlos Alves, foi realizada a inauguração oficial da
eletricidade.
E
O povo encheu as ruas?
BM
A cidade foi iluminada com um toque de mágica ao acionarem-se
as turbinas. Um comando obedecido de imediato. Toda a cidade ficou iluminada. Fogos. Em seguida, o povo passeava
pela rua Halfeld, totalmente iluminada. Fomos para a Loja Maçônica Fidelidade
Mineira. Aplausos intermináveis. Admiração total. O seu interior estava feericamente
iluminado. Nos salões da Loja Maçônica houve grande recepção para a melhor
sociedade de Juiz de Fora. Grande número de convidados. Discursos. O jornalista
Joaquim Campos Porto, ressaltando o acontecimento, prestou homenagens à família
Mascarenhas, representada pela nossa mãe, Policena Moreira da Silva
Mascarenhas. Assim começa o baile com quadrilhas, valsas e polcas até tarde da
noite.
E
E seus familiares e amigos do Cedro?
BM
Minha mãe, Policena, como disse, estava presente e foi saudada em discursos. Estavam comigo
Amélia e nossos filhos e genros, além de Francisco Mascarenhas, Antonino Pinto
Mascarenhas, Inácio Furtado Magalhães,
Urbano Mascarenhas, Aristides José Mascarenhas. Na oportunidade, meu
irmão doutor Sebastião Mascarenhas agradeceu a homenagem e as referências à
nossa família e, especialmente a mim. Momento de glória desse pardal do sertão
que se revestia de nova plumagem.
E
E as solenidades promovidas estiveram em nível da importância
da implantação da eletricidade em Juiz de Fora?
A inauguração foi modesta, como alguns jornalistas
comentaram. A mídia, entretanto, foi unânime em ressaltar o acontecimento como
um dos principais do final de século XIX. Eu, de minha parte, penso que tudo
que fiz, foi em função dos meus ideais e nunca procurando aplausos. Talvez eu
tenha recebido até mais aplausos que merecia. Felizmente, pude responder com
resultados aquelas pessoas que vaticinaram sempre o meu fracasso.
E
Senhor Bernardo Mascarenhas!
Minha admiração e
minha reverência. Foi momento de glória a sua vida, posso afirmar e assegurar.
Glória para a família Mascarenhas. Juiz de Fora pôde reconhecer o seu trabalho,
o seu valor em homenagens que decorrem ao longo do tempo. O povo de Juiz de
Fora não se esquece do senhor e sua memória é cultivada como um dos benfeitores
da humanidade. Grato pelas suas palavras. Grato pela sua presença.
BM
De minha parte, agradeço. Vale, finalmente, reverenciar e
reconhecer a ousadia empreendedora da família Mascarenhas nos tempos difíceis
dos grandes desafios. Tempos difíceis todos são. Entretanto, meus companheiros
de luta e aqueles que acreditam nesse Pardal do Sertão hão de continuar
empunhando a bandeira de outras grandes conquistas. Adeus.
Muito bacana esta " entrevista virtual ".
ResponderExcluirParabéns
Gostaria de lhe perguntar se ha algum livro que conte a vida de Bernardo Mascarenhas e que fale também de seus filhos, noras e genros. Tenham fotos e etc.
Com certeza é uma vida que se deve aplaudir pelas atitudes que só fizeram beneficiar e levar o progresso a Juiz de Fora.
Se puder me informar ficarei muito grata.
Há algum outro site que fale de Bernardo e familia ?
Conheci um dos filhos deste homem à frente do seu tempo. Dr. Ulisses Guimarães Mascarenhas, casado com D. Maria de Lourdes Villela ( de Andrade ) Mascarenhas. D. Lourdes era madrinha de minha mãe .
Cordialmente agradeço sua atenção e ajuda no que puderem ajudar.
Deixo meu email Glorinha Magalhães a yahoo.com.br.
Desde ja muito grata
Glorinha