É o missionário
holandês que dedicou sua vida a aliviar o sofrimento dos seus semelhantes, em
fervorosas súplicas à Divina Providência. Faleceu em Belo Horizonte, em 1943 e,
pelas suas virtudes e pela sua dedicação, deu natural nome a uma região da
cidade, onde foi glorificado e sepultado.
Santo Padre Eustáquio foi beatificado pelo papa Bento XVI, em 2005. Seu
sepultamento foi trasladado para a Igreja dos Sagrados Corações, que ele
iniciou a construir.
Entrevistador -Venerável Padre Eustáquio! Pelos Sagrados
Corações, peço, antes de tudo, a sua bênção e a sua proteção.
Padre Eustáquio – Em nome de
Deus, e pela minha Congregação dos Sagrados Corações, será abençoado e
protegido.
E – Graças a Deus! Amém!
PE – Graças a Deus!
E – Padre Eustáquio! Sua vida foi uma missão? A entrega de
uma vida?
PE – Verdadeiramente, assim é. Quando um sacerdote decide
entregar-se por uma causa a favor da humanidade, significa que ele tomou uma
decisão para toda a sua vida. É a predominância da fé nos seus objetivos de
vida.
E – E o senhor decidiu entregar a sua vida por uma causa de
Deus e da humanidade!
PE – Isso mesmo! Eu, por minha vez, decidi a minha missão. O
que eu iria prestar em serviços aos meus semelhantes? Foi uma decisão muito
pensada e sofrida. Ter que abandonar a minha pátria, meus pais, meus
familiares, todos e meus amigos fraternos. Sou de uma família de onze filhos.
Eu era o oitavo. Nós nos amávamos muito.
E – E pesou mais a sua vontade de servir a Deus?
PE – Antevi a minha missão, entregando minhas mãos, meu corpo
inteiro e, além disso, a minha própria alma, para ajudar pessoas em conflito,
onde quer que estivessem.
E – E como surgiu essa força, essa convicção?
PE – Quando jovem estudante na minha pátria, Holanda, caiu em
minhas mãos um livro sobre a biografia de um missionário belga da nossa
Congregação, Padre Damião Veuster.
E – Sim! E o que tinha de especial esse padre Damião Veuster?
PE – Quando li os relatos do trabalho dele, da abnegação e
entrega total â sua missão, houve um abalo no meu peito e eu me curvei
fervorosamente.
E – E o que tinha feito o Padre Damião?
PE – Tão pouco aos olhos de muitos, ajudando pobres
miseráveis, sem destino, que talvez não tivessem nenhum valor, sob o ponto de
vista dos poderosos. Tinha para Deus.
Padre Damião seguiu por um caminho que o levaria à santidade. O missionário belga se
entrega em ajudar uma população enferma na ilha do Havaí. Na época, um reinado
carente, com alto índice de enfermidades, desde gripe à sífilis contraída ou
hereditária, até a lepra.
E – E padre Damião entrou como voluntário?
PE – Nesse reinado, por comando das autoridades, os leprosos
foram isolados numa ilha afastada, ilha de Molokai. Mais de 600 pessoas em
estado de desespero. E famintas. Ilha de Molokai. O Havaí é hoje uma unidade
incorporada aos EUA mas, na época, predominavam as enfermidades e o abandono.
E – Foram isolados, numa ilha afastada?
PE – A Royal Board of Health fornecia alimentos, mas não
tinha condições de fornecer também medicamentos. Uma infelicidade generalizada.
Todos condenados.
E – E Padre Damião?
E – E Padre Damião seguiu para Molokai?
PE – Damião chegou à ilha em 1873 e foi apresentado pelo
Monsenhor Maigret como um pai para todos os moradores - “viverá e morrerá com
vocês”. Isso foi. Damião assumiu essa paternidade total. Trabalhar sem saber
por onde começar. Abriu tantas frentes de trabalho que nem imaginava
resultados. Passou a construir um pequeno hospital, com a colaboração de um
médico que tinha contraído a doença e se refugiou na ilha. Logo depois, uma
capela, com a ajuda das mãos feridas dos leprosos. Uma população revoltada. Nada podia ser
diferente. Era uma população agressiva que matava por um punhado de arroz. Paz,
apaziguar e manter clima de harmonia em princípio. Assim, incorporou a figura
de pai, amigo, confidente, professor e representante de Deus. Foi realmente um
pai para todos. Tornou-se mesmo mais que um pai e um irmão, procurando amenizar
o sofrimento tanto quanto possível.
E – E aí morreu?
PE – Sim... mas antes disso, recebeu do Rei Kalakaua, do
reino do Havaí, o título honorífico de Cavaleiro Comandante da Real Ordem. E,
no dia que a Princesa Lydia Lili´uckalarti visitou a ilha para entrega da
comenda, ela se comoveu tanto que não conseguiu ler o seu discurso. Padre
Damião nunca usou essa medalha recebida.
E – Houve reconhecimento quanto ao seu trabalho?
PE – Sim... Nos EUA e na Europa – Hoje tem o título de
Patrono Espiritual dos Leprosos do mundo inteiro. Era Jozef de Veuster, da
Congregação dos Sagrados Corações, nascido em Tremelo, Bélgica, em 1840.
E – Um santo?
PE – Sim... Um santo. Dez anos depois de chegar a Molokai,
num dia, colocou os pés numa bacia de água fervente. Nada percebeu. Foi
constatada a contaminação da lepra. Ainda viveu por mais algum tempo sem
abandonar a sua missão... Faleceu em 1889, nessa mesma ilha de Molokai. Era um
missionário da minha Congregação, que tanto me emocionou e inspirou.
E – Padre Damião foi assim admirado pelo senhor?
PE – Tornou-se meu ídolo inspirador. Tomei a decisão na minha
vida, aliviar enfermidades e propor paz e harmonia entre as pessoas. Meu lema
seria SAÚDE E PAZ. Vi que eu também poderia prestar algum serviço à humanidade.
Qualquer pequena ajuda. Vi quão pequeno eu era diante do Padre Damião, diante
da sua força e diante da sua convicção. Eu não era nada.
E – E o senhor era um jovem estudante na Holanda, nessa época.
PE – Eu era Humberto Lieshout, nascido em 1890, em Aarle
Rixtel, Holanda. Iniciei o noviciado canônico em Tremelo, na Bélgica. Nessa
época, adotei o nome de Eustáquio. Fiz votos de pobreza, castidade e
obediência, como religioso da Congregação dos Sagrados Corações. Fiz votos
perpétuos em 1919, após cursar Filosofia e Teologia na congregação e fui
ordenado sacerdote.
E – Aí começa a sua vida sacerdotal?
PE – Sim. Inicialmente, comecei a prestar serviços em
pequenas comunidades na região de Roterdam. Depois, atendendo refugiados
belgas, vítimas do final da Primeira Grande Guerra de 1914/1918, até que fui
designado para trabalhos na América do Sul.
E – E finalmente, o Brasil?
PE – Em 1925, chegamos ao Brasil. Éramos três sacerdotes, eu
e os Padres Gil van den Boorgart e Padre Matias van Rooy. Dirigimo-nos a cidade
de Uberaba, em Minas Gerais, a convite do Bispo Dom Antônio de Almeida Lustosa.
Assumimos a pastoral do santuário episcopal e das paróquias de Nossa Senhora da
Abadia, na cidade de Romaria da paróquia de São Miguel de Nova Ponte e Santana
de Indianópolis, todas da Arquidiocese de Uberaba. Fiquei como vigário
paroquial com prioridade para os serviços de atendimento às comunidades da
região.
E – Uma comunidade rural de modestas aspirações?
PE – Uma comunidade afetiva e acolhedora. Aprendi muito e
tive que me adaptar às circunstâncias. A atividade pastoral em Romaria, no
início foi muito difícil. Pouco a pouco fomos nos acertando. Talvez uma
descrença generalizada. Visitava os enfermos e pessoas que podiam me acolher
com simpatia. Distribuímos fé e amor a Deus. Se as pessoas não vinham a mim eu
iria a elas. Consegui mais do que esperava e reuni esforços em várias
comunidades distantes. Montava a cavalo e viajava por todos os lados. Tive
sucesso. Prestei alivio a pessoas em conflito físico e espiritual. Tudo era
distante e as comunicações eram precárias.
E – Consta que o senhor era ágil, dinâmico e acolhedor.
Atendia até mordida de cobra?
PE – Isto aconteceu. Comunidade rural, sem médicos ou
medicamentos. Estava eu, cavando um local a procura de areia especial para
algum aproveitamento a dores, quando fui chamado para dar os últimos
sacramentos a um rapaz da região que tinha sido mordido por uma cobra e estava em estado
terminal. Peguei o cavalo e fui disparado para o local. Manoel estava sem ar,
perna roxa, suando frio, praticamente sem consciência. Lembro-me bem! Pedi que
todos se afastassem do quarto. Tirei um bisturi da minha bolsa de couro e fiz
um incisão no local da marca dos dentes da cobra. Perna roxa e inchada. Jorrou
um sangue preto. Limpamos tudo. Coloquei minha boca nesse local e aspirei uma
boa quantidade de sangue. Manoel, um belo rapaz, foi salvo, graças à vontade de
Deus.
E – Mas o senhor já tinha dado bênçãos milagrosas a outros
paroquianos em dificuldades e doenças.
E – Mesmo assim, depois de tanto trabalho, a Congregação
aceitou a sua transferência para a cidade de Poá, em São Paulo.
PE – Meu voto de obediência exigia esse caminho diferenciado.
Mas a população de Romaria não permitiu. Tudo fez para impedir a minha saída.
Até o bloqueio de estrada de acesso. Finalmente, uma festa de despedida. E o
caso de um crime abalou a cidade. Saí discretamente mas deixando a população
entristecida, sei disso.
E – E o que encontrou em Poá?
PE – Tudo diferente. Uma paróquia nova, grande e confortável.
Comunicação rápida. Tudo diferente em termos, pois a população era sofrida pelo
trabalho nas indústrias e como hortigranjeiros. Atendia de forma diferenciada.
Comecei a visitar enfermos e pessoas em dificuldades. Houve, em pouco tempo,
uma procura desproporcional às minhas possibilidades de atendimento,
principalmente pela água milagrosa que eu trouxera da cidade de Lourdes - França.
Depois, pela fonte construída em homenagem a Lourdes. Houve curas a meu pedido.
Houve distúrbio e pessoas de outras regiões acorriam às minhas bênçãos e ao meu
atendimento. As autoridades eclesiásticas não queriam isso. Obrigaram-me ao
recolhimento. Impediram que eu aparecesse para os paroquianos. Tudo tão
estranho e desconfortável para mim. Isso fez com que pedissem meu afastamento. Passei
um tempo de desconforto e de humilhação. Estava mesmo em desespero. Por que
Deus me daria esse castigo? Meditei, viajei, sofri em desamparo. Talvez me
afastar do país? Portugal me acolheria? Finalmente, fiz uma carta a meu amigo,
Dom José Gaspar de Affonseca e Silva, Arcebispo Metropolitano de São Paulo,
relatando meu estado de desespero e humilhação e disposto a continuar o
exercício paroquial em qualquer outra comunidade do estado de modo como ele
julgasse apropriado. Dom Gaspar respondeu que seria inviável a minha
permanência no estado, para evitar aglomerações e atividades que poderiam
ocasionar até advertências do Sumo Pontífice e coisas assim. Estaria eu livre
para ir para onde quisesse.
E – Era manifestação das autoridades eclesiásticas e não as
do povo.
PE – Sim, mas o povo era a causa. Pensei que pudesse ser até
uma contradição entre as autoridades que buscam o povo e depois, tenta
afastá-lo.
E – E o senhor?
PE – Meu voto de obediência foi preservado. Procurei
caminhos. Todos se fecharam. Eu era então um sacerdote rejeitado. Que fazer da
minha vida? Por que Deus me deu um poder e ao mesmo tempo me tolhe e me angustia?
Chegou finalmente a ordem para que eu me afastasse imediatamente, mesmo
considerando que era tarde da noite quando recebi a comunicação. Obediência
mesmo sem ter tempo de acabar de ler o meu breviário. Assim mesmo.
E – Que decisão?
PE – Que decisão? A quem recorrer? Não podia também
prejudicar a imagem da minha Congregação. E meus amigos? Apareceu o Padre Gil.
Confabulamos e traçamos planos em várias tentativas de acerto. Mais erros e
decepções. Finalmente, uma luz. Padre Gil articulou-se com o Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Antônio dos Santos Cabral e me foi
oferecida uma paróquia de subúrbio da cidade, ao redor de um hospital de
tuberculosos, o Sanatório Alberto Cavalcanti.
Uma capela distante, de difícil acesso num bairro despovoado. Além de
tudo com uma lista de recomendações. Aceitei tudo de pleno coração.
Encontrei-me em casa.
E – Nova vida?
PE – Assim foi. Iniciei minhas atividades em Belo Horizonte,
em 9 de abril de 1942, e agi de acordo
com as circunstâncias. Aos poucos fui crescendo e a comunidade foi chegando a
mim. E foi chegando tão inesperadamente que alguns meses depois, Dom Cabral me
pediu que esquecesse daquelas recomendações que tinha feito.
E – O povo acolhia as suas bênçãos!
PE – Sim... Vinham pessoas de várias regiões, inclusive de
São Paulo mesmo. Assim foi, até que o atual prefeito da cidade, doutor
Juscelino Kubitschek de Oliveira doou um terreno para a construção da Igreja
dos Sagrados Corações. A pedra fundamental foi abençoada pelo próprio Dom
Cabral, em 16 de maio de 1943.
E – Missão interminável?
PE – Percorria as ruas a pé, pelas trilhas e pelas montanhas
da cidade, onde quer que os enfermos se encontrassem, até que em meados do mês
de agosto, o enfermo fui eu mesmo. Não havia medicamentos para a febre tifo que
tinha contraído e esperei com ansiedade o meu fim. Queria tanto despedir-me do
meu amigo e confrade, padre Gil. Ele custou a aparecer. Quando ele surgiu na
minha porta, em 30 de agosto de 1943, disse-lhe apenas – “Padre Gil, como
demorou a chegar!”. E me despedi. Finalmente, me despedi.
E – Uma vida inteira, uma bandeira de Saúde e Paz! Não foram
termos abstratos mas traduzidos em ações imediatas e contínuas. Mais ações e
menos palavras.
PE – Padre Damião, Santo Padre Damião do Molokai, foi meu conselheiro
em todas as horas. Tão pequena e leve foi a minha missão, mas dediquei todo meu
esforço em interceder com a Divina Providência, para aliviar o sofrimento
físico e espiritual dos meus semelhantes. Nada mais.
E – Novamente, peço a sua
bênção, Venerável e Santo Padre Eustáquio! Reafirmo, perante a humanidade, que
o senhor teve o dom de trazer alívio e tranquilidade para tantas pessoas que o
procuraram, mediante a sua santidade, e
que tantos e silenciosos milagres realizou. O senhor não se referiu nem uma
vez, nesta entrevista, a qualquer feito glorioso que tivesse realizado. Tudo
guardado no seu coração, como se nada tivesse acontecido. Pelos Sagrados
Corações, descanse em paz.
Referências Bibliográficas
Andrade, José Vicente. Venerável Padre Eustáquio. Congregação
dos Sagrados Corações. Belo Horizonte, 2004
http://www.vatican.va/news_services/liturgy/saints/ns_lit_doc_20060615_eustaquio_po.html
http://evangelhoquotidiano.org/main.php?language=PT&module=saintfeast&id=12527&fd=0
http://padreeustaquio.org.br/
Legal não conhecia a história dele
ResponderExcluir