terça-feira, 19 de março de 2013

ASPECTOS DA HISTÓRIA DE BELO HORIZONTE - II



2ª Carta virtual ao DOUTOR JOÃO PINHEIRO DA SILVA (1860 – 1908)


ASPECTOS DA HISTÓRIA DE BELO HORIZONTE,
Capital do estado de MINAS GERAIS, inaugurada em 12  de dezembro de 1897 - BRASIL


Belo Horizonte, 16 de novembro de 2011

DOUTOR JOÃO PINHEIRO DA SILVA
Ex-Presidente do Estado de Minas Gerais

RESPEITOSAS SAUDAÇÕES 
Cumprimento-o, mais uma vez, nesta manhã de sol, de ventos suaves como são as brisas das montanhas.
Lembrei-me de comentar com o senhor sobre o primeiro habitante civilizado destas plagas: JOÃO LEITE DA SILVA ORTIZ.
Ele chegou a esta região em 1701, vindo não sei de qual região do estado de São Paulo, para fazer não sei o quê. Claro está que ele procurava ouro. O certo é que esse bandeirante aconchegou-se às serras das Congonhas, hoje, serra do Curral e aqui permaneceu durante quase trinta anos.
Os bandeirantes são andarilhos por excelência, mas  João Leite da Silva Ortiz achou graça neste local e resolveu permanecer e explorar a região. Assim, seus amigos e companheiros de bandeira procuraram produzir alguma coisa de subsistência, dentro dos padrões mais primitivos de sobrevivência: plantar, colher e comer.  Não encontrou ouro na região e resolveu aprofundar sua expedição para o interior do estado de Goiás. Mais tarde, chegou a notícia que ele tinha falecido em 1730, na cidade do Recife.
Imagine-se que há 310 anos, neste local, foi iniciada a construção do povoado de Curral del-Rei, que progrediu rudimentarmente também na criação de gado, vindo da Bahia, na plantação de cereais e, posteriormente, até de algodão. Em Contagem das Abóboras, nas proximidades de Curral del-Rei, havia o posto de fiscalização para cobrança de impostos e registro do gado, de modo que corria muito dinheiro na praça.
Edificaram-se casas muito simples, mas adequadas para as condições sociais e econômicas dos seus moradores da época.    Posteriormente, Aarão Reis, o construtor da Nova Capital, como o senhor sabe, chamou essas construções de “choupanas”. O povoado cresceu e desenvolveu. Foram instaladas fábricas de tecidos em Sabará. Até mesmo iniciativas de fundição de ferro e bronze. A usina ficava nas imediações da lagoa Maria Dias, atualmente entre a Avenida Paraná e Rua dos Carijós.
Mas, em continuidade, construiu a Fazenda do Cercado. Era a sua sede administrativa, sua residência. Ela ficou. Informo ao senhor que essa bela fazenda é o único vestígio arquitetônico da passagem dele por esta região. Encontra-se primorosamente conservada e transformada como museu. Hoje, Museu Histórico Abílio Barreto. É um retrato vivo da história da Cidade de Minas, ou melhor, do povoado de Curral del-Rei. Esse museu é uma relíquia que aos tempos confirmará a nossa origem.
Outra coisa que gostaria de comentar com o senhor seria a atuação dos opositores à mudança da capital de Ouro Preto para outro lugar qualquer que fosse, mesmo ainda não definido. Como o senhor sabe, para toda ideia que surja e que implique em mudança, existem opositores, sempre bem armados de argumentos fortes. Os ouro-pretanos se armaram de argumentos, reunindo forças contrárias à mudança, forças políticas desafiadoras. Arregaçaram-se as mangas da camisa e saíram em defesa da permanência da capital em Ouro Preto, cidade muito amada.
Na verdade, um dos fortes argumentos criados  pela oposição era a constatação de que grande número dos moradores do povoado de Curral del-Rei, local escolhido para a construção da capital, sofria de bócio. Seria o clima, ou a água da região? Não havia estudos comprobatórios. Pois não é que havia mesmo na região alguma coisa que parecia uma epidemia de papudos, isto é, de pessoas que tinham um tipo de deformação física denominada de bócio? Diziam que era causado pelo clima. Talvez que o ar ou a água da região contaminava os moradores, e coisa e tal.
Por outro lado, havia outras regiões, além desta do Vale do rio das Velhas, que pleiteavam a instalação da nova capital. Formaram-se os grupos que defendiam essas regiões. Eram grupos de mudancistas. Pleiteavam mudanças para a sua região. Uma dessas facções de mudancistas, uma delas, a mais forte, era a região próxima a São João del-Rei, que relembrava o imaginário dos inconfidentes.
Assim, nas decisões finais, tendo como grande defensor Augusto de Lima (1859 – 1934), Curral del-Rei venceu por dois votos apenas, considerando-se a sua localização como um ponto equidistante de todas as regiões do estado. Não seria totalmente equidistante, mas o ponto geográfico que facilitaria a comunicação com todas as regiões do estado. Argumento muito forte, não é verdade?
Afonso Pena (1847 – 1909) não perdeu tempo. Criou logo a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) pela Lei n.3, art. 2º., adicional à Constituição do estado, em 7 de dezembro de 1893.     Confiou a coordenação ao engenheiro Aarão Reis (1853 – 1936). Prazo para a construção da nova capital? Quatro anos.
Quando essa Comissão Construtora da Nova Capital arranchou no povoado de Curral del-Rei, encontrou uma região com moradores tradicionais por assim dizer, habitada desde 1701. Propriedades urbanas e rurais. Havia na época, no povoado, 172 casas residenciais, 4.000 habitantes, 8 ruas, 16 pontos comerciais, 31 fazendas, 1 farmácia, 2 pontos de escolas, 2 largos ou praças. Vários engenhos. Era um povoado já com mais de cem anos de existência.
Houve a decisão do chefe da Comissão Construtora: destruir tudo para começar tudo de novo. Eis a questão. Prejuízos generalizados. A quem recorrer?  Acontece que grande extensão de terras da região já pertencia ao estado. Os moradores passaram, então, a serem admitidos como operários da Comissão Construtora, numa forma de suavizar prejuízos.
Na ocasião, havia 6.000 operários na construção da Nova Capital. E grandes problemas para a gerência das obras. Aarão Reis não resistiu até o final da obra e pediu exoneração. Foi substituído pelo engenheiro Francisco Bicalho que gerenciou a obra até o dia de sua inauguração, dentro do prazo estabelecido.
Imagine, senhor presidente do estado, como era o regime de trabalho da época, após a abolição da escravatura. Alimentação para esses trabalhadores, habitação, saúde, nesse planalto vazio de recursos?
Com muito sofrimento humano, sofrimento incalculável, como sempre, nesse curto espaço de tempo, a cidade floresceu. Veja que Brasília foi construída em três anos e oito meses.
Meu pensamento vagueia pelos idos de 1890, tempos que o senhor teve oportunidade de presenciar, de participar e de comandar.
Fui longe demais nesse passeio no tempo e peço desculpas se não tiver sido totalmente exato nestas informações.
Voltarei ao assunto, mas ainda vou tentar identificar a questão da mudança. Mudar por mudar - sempre para subir mais um degrau no aperfeiçoamento humano. O que move a humanidade é o inconformismo.
O presidente Afonso Pena (1847 – 1909), então presidente Conselho do estado, decidiu que seria construída uma nova capital, pois Ouro Preto não tinha mais condições de suportar as dimensões de capital do estado. Daí por diante, o sol nunca brilhou tão intensamente na ardente mensagem de coragem para o povo mineiro. Não havia mais passagem de volta. Assim, Augusto de Lima já tinha sugerido o local,  em 1891.
A primeira mensagem foi enviada ao Congresso Estadual em 17 de abril de 1891, propondo a mudança. Os ouro-pretanos achavam impossível esse empreendimento.
Mas, onde seria mesmo plantada essa nova capital? Havia várias indicações bem fortes para definição do local, principalmente a várzea do Marçal, vizinha a São João Del-Rei, como já foi comentado.
A região do vale do rio das Velhas, na decisão final, venceu e foi publicada a mensagem do Congresso Legislativo a Lei de mudança da capital.
O senhor conviveu com esse dilema, com esse grande problema. Uma decisão política, mas, antes de tudo, centrada em estudos técnicos para a plena viabilidade. E esta região, no povoado denominado Curral del-Rei, por apenas uma pequena margem de vantagens técnicas foi considerada a região escolhida pelo destino para ser a Belo Horizonte, não é verdade?
O senhor sabe que nessa época não havia tratores e, consequentemente, os trabalhadores tiveram que empregar esforços mais do que dobrados. Houve grande movimentação de terra, abrindo ruas, avenidas e praças. Havia trabalhadores estrangeiros especializados na construção dos palácios administrativos.
Imagine que os engenheiros e arquitetos projetaram esses palácios monumentais, com toda a papelada em plantas com detalhes técnicos, dentro dos padrões de uma arquitetura avançada, num estilo condizente com a filosofia e gosto da época, estilo neoclássico, meio art-nouveau. E tinham ainda que projetar as plantas das conexões hidráulicas e elétricas. Novidade para o mundo moderno. Água encanada. Eletricidade. Criar e equalizar um estilo arquitetônico em contraste total ao colonial e barroco. Nada que traduzisse influência de Ouro Preto. Tudo novo e moderno. Entusiasmo e petulância.
A nova república, instalada em 1889, impunha avanço tecnológico para elevar a qualidade de vida, sempre procurando um grau a mais, um degrau avançado no desenvolvimento humano, da ordem e do progresso. Uma república, uma recente república, numa visão positivista, inspirada e configurada nos ideais dos governantes da época, atraídos pela filosofia de Augusto Comte (1798 – 1857).
Afonso Pena era presidente do estado, entre o período de 1892 a 1894. Lembramos que Afonso Pena foi o primeiro governador/presidente do estado eleito por voto direto.
Imprimia-se agilidade memorável nas decisões e na efetivação dessas decisões. Empolgação total. Assim, para confrontar essas mudanças, vou fazer algumas referências à capacidade de adaptação do povo mineiro. Tantas mudanças ocorreram muito rapidamente, que não havia tempo nem para pensar duas vezes. Logo depois da saída de Afonso Pena do governo do estado, foi substituído por Crispim Jacques Bias Fortes (1847 – 1917). E o presidente Bias Fortes administrou o impossível, na opinião dos céticos. Uma cidade saída do papel e em quatro anos  resplandecia ao alvorecer do século XX. Como isso foi conseguido? Mudanças, já.
Doutor João Pinheiro, não achava que tal iniciativa era grande demais para um estado, sozinho, enfrentar e chegar vitorioso no novo século? Sei e sabemos todos que o senhor não tinha apego a tradições inúteis. O século XX estava batendo às portas. Mudanças!

Agora me despeço, respeitosamente.


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