CRÍTICA LITERÁRIA
Se
você não quiser se ligar ou entrar em transe, não pegue esse livro de HOSSEINE
, Kaled, A Cidade do sol, ed. Nova Froneira, RJ, 2007.
O Afeganistão, esse pouco
conhecido país do mundo árabe, se revela aos olhos estupefatos dos leitores nas
suas clareiras psicológicas, sociais e políticas num romance que, de tão
verdadeiro, parece ficção e com tantos acontecimentos chocantes, que parece
mesmo realidade. Eis a questão.
“Você é uma harami! – diz Nana à sua filha
Mariam de apenas cinco anos – Você não vai ser nada, não vai ser ninguém. Será
sempre uma ilegítima, e terá que aguentar o seu estado de bastarda o resto da
vida.”
Não deixa de ser uma bela
lição para a formação da autoestima da filha. E acrescenta: “Nunca terá um
lar!”
Mas Mariam adorava o pai,
Jalil que, de vez em quando, aparecia no
seu casebre, uma kolba. Era homem de negócios em Herat, tinha três esposas e
nove filhos legítimos. Ela, Mariam, uma harami.
Aos 13 anos, desiludida
com o pai e tendo perdido a mãe, foi dada em casamento a um viúvo de 40 anos,
residente em Cabul, distante 600 quilômetros . Um novo mar de infelicidades.
Como esposa tinha os trabalhos domésticos sem poder sair de casa desacompanhada
do marido e tinha que usar burqa. O marido, um senhor. Uma mulher desacompanhada
na rua seria espancada e entregue ao seu marido, que tinha a obrigação de
fiscalizar a sua esposa.
Se o tempero do jantar não
ficasse ao paladar do marido, um chute, uma bofetada na cara, um dente
quebrado!
Reclamar de quem? Da
polícia? Da legislação do país?
Nana tinha razão: “Assim
como o ponteiro da bússola indica o norte, assim também o dedo acusador do
homem aponta sempre para uma mulher!” Uma realidade consagrada.
Mas Rachid, o marido,
resolveu arranjar uma segunda esposa. Tinha condições financeiras para isso.
Arranjou uma menina loura que passou a ser a sua “Mercedes”. – “Você é um carro
velho! Quem manda agora na casa é a minha Mercedes”
Rachid era culpado? Claro
que não era totalmente culpado. A cultura
da sua gente modelava os homens
dentro de padrões dessa categoria. Esse o resultado. Tinha que dar os
corretivos às suas esposas para que não fosse tachado de “maricas”. Mas as
esposas se unem contra a opressão!

E a vida continua no
regulamento constitucional do país, com os talibãs e outros invasores
guerreiros, nas escrituras do Alcorão e no fanatismo religioso, com todas as
suas iniquidades justificadas e aceitas plenamente. É dose!
Kaled não é um Sidney
Sheldon, mas seu lugar está reservado na literatura universal. Sheldon vive com
seus magnatas e altos negócios. Kaled vai ao fundo do poço da raia miúda do
Afeganistão. Nesse caso, seria um lugar impenetrável para um romancista
americano.
Por tudo isso, quem tiver
a ventura de ter em mãos esse livro pode ter a certeza de que está com a
primeira obra recomendada do século XXI, que ora abre as suas portas.
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