segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A CIDADE DO SOL

CRÍTICA LITERÁRIA


Se você não quiser se ligar ou entrar em transe, não pegue esse livro de HOSSEINE , Kaled, A Cidade do sol, ed. Nova Froneira, RJ, 2007.


O Afeganistão, esse pouco conhecido país do mundo árabe, se revela aos olhos estupefatos dos leitores nas suas clareiras psicológicas, sociais e políticas num romance que, de tão verdadeiro, parece ficção e com tantos acontecimentos chocantes, que parece mesmo realidade. Eis a questão.
 “Você é uma harami! – diz Nana à sua filha Mariam de apenas cinco anos – Você não vai ser nada, não vai ser ninguém. Será sempre uma ilegítima, e terá que aguentar o seu estado de bastarda o resto da vida.”  
Não deixa de ser uma bela lição para a formação da autoestima da filha. E acrescenta: “Nunca terá um lar!”
Mas Mariam adorava o pai, Jalil  que, de vez em quando, aparecia no seu casebre, uma kolba. Era homem de negócios em Herat, tinha três esposas e nove filhos legítimos. Ela, Mariam, uma harami.
Aos 13 anos, desiludida com o pai e tendo perdido a mãe, foi dada em casamento a um viúvo de 40 anos, residente em Cabul, distante 600 quilômetros. Um novo mar de infelicidades. Como esposa tinha os trabalhos domésticos sem poder sair de casa desacompanhada do marido e tinha que usar burqa. O marido, um senhor. Uma mulher desacompanhada na rua seria espancada e entregue ao seu marido, que tinha a obrigação de fiscalizar  a sua esposa.
Se o tempero do jantar não ficasse ao paladar do marido, um chute, uma bofetada na cara, um dente quebrado!
Reclamar de quem? Da polícia? Da legislação do país?
Nana tinha razão: “Assim como o ponteiro da bússola indica o norte, assim também o dedo acusador do homem aponta sempre para uma mulher!” Uma realidade consagrada.
Mas Rachid, o marido, resolveu arranjar uma segunda esposa. Tinha condições financeiras para isso. Arranjou uma menina loura que passou a ser a sua “Mercedes”. – “Você é um carro velho! Quem manda agora na casa é a minha Mercedes”     
Rachid era culpado? Claro que não era totalmente culpado. A cultura
da sua gente modelava os homens dentro de padrões dessa categoria. Esse o resultado. Tinha que dar os corretivos às suas esposas para que não fosse tachado de “maricas”. Mas as esposas se unem contra a opressão!
A técnica de narrar não deixa o leitor respirar. Acontecimentos e surpresas a cada instante, sem meias palavras. Não deixa o pobre do leitor descansar. O livro é modelo de narrativa moderna. Sem enfeites e sem adjetivos, sem piedade. Sadismo? Talvez apenas realidade afegã. O homem não suporta chifre, mesmo tendo várias esposas. E um homem sem chifre é um animal indefeso.
E a vida continua no regulamento constitucional do país, com os talibãs e outros invasores guerreiros, nas escrituras do Alcorão e no fanatismo religioso, com todas as suas iniquidades justificadas e aceitas plenamente. É dose!
Kaled não é um Sidney Sheldon, mas seu lugar está reservado na literatura universal. Sheldon vive com seus magnatas e altos negócios. Kaled vai ao fundo do poço da raia miúda do Afeganistão. Nesse caso, seria um lugar impenetrável para um romancista americano.
Por tudo isso, quem tiver a ventura de ter em mãos esse livro pode ter a certeza de que está com a primeira obra recomendada do século XXI, que ora abre as suas portas.  

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