Antônio Junior tem
a sua história pra contar. Uma família que se desintegrou no espaço. Morre o
pai. Morre a mãe. Sobram 6 irmãos menores sem itinerário de vida, sem casa, sem
alimento. Que fazer?
O
pai era um garotão da década de quarenta. Ousado, valente, forte como um touro.
Vivia na fazenda das Mamonas com a família, pequeno proprietário de terra, uma
fazenda administrada como uma pequena indústria. Antônio, o pai, cresceu como
vaqueiro, nas aventuras do “compra e vende”, dos negócios, da criação de gado
leiteiro e alguma ocupação na agricultura. Montanhas e pedrarias.

O
destino foi cruel. Pouco tempo depois de casados, numa tarde de domingo, com
muitas visitas na fazenda, Antônio fez uma demonstração, costumeira para ele:
montar num cavalo bravo. Não era um cavalo selvagem, mas era suficientemente
forte para não aceitar com paciência e resignação, que alguém passasse a perna
sobre seu dorso e que ficasse sendo dirigido por qualquer peão improvisado. Não
se sabe mais que cavalo era. Sabe-se apenas que, tão logo Antônio montou nesse
cavalo, a sua vida acabou. O cavalo tornou-se irritado e pronto a jogar esse
peão para longe. Estavam dentro do curral, numa área restrita, cercada por
grades de tábuas horizontais, intercaladas.
Do
alto da varanda da sede da fazenda, os visitantes assistiam ao espetáculo e se
divertiam. Foi aí, num momento qualquer, que o tal cavalo bravo empinou e
sacudiu o cavaleiro ao chão. Por fatalidade, Antônio caiu e bateu com a cabeça numa
pedra. Desmaiou. Apagaram-se as luzes. Não era possível socorro imediato nessa
época, apesar de a fazenda estar à beira da rodovia. As luzes permaneceram
apagadas para Antônio. Dolores estava em desespero. Tão jovem, tão tímida, tão
inexperiente da vida. Sem posses financeiras. Sem autonomia. Que fazer?

A
vida na fazenda nunca mais foi a mesma. Viver é preciso. Continuar assim, do
jeito que puder. Os filhos foram nascendo, um por ano, nessa fazenda e rodeados
de todas as necessidades. E a fazenda teve que ser vendida. E morre Antônio,
precocemente velho, e incapaz para o trabalho de qualquer natureza. E Dolores?
Que
fazer com seis filhos, que foram nascendo um por ano? E a vida não deu trégua.
A fraqueza física chegou e a morte foi o resultado de tudo. Levou Dolores com
muita facilidade, sem se importar com as consequências. Os filhos ficaram sem
carinho dos pais. Sem carinho? Antes de tudo, sem alimento e sem o mínimo
conforto.
Esta
é, agora, uma família despedaçada. Terrível o sofrimento. As crianças podiam
chorar, lamentar, reclamar? Para quem?
A
comunidade apareceu e esses seis filhos foram distribuídos. Um pra lá, outro pra
cá. Não foi leilão. Livre escolha para quem chegasse primeiro. Escolha livre
para pegar os melhores. Os mais novos tiveram saída imediata. Os adolescentes
foram sendo rejeitados.
-
Adeus, meu irmão!
-
Adeus, minha irmã!
Foi
assim que Antônio Júnior, o filho mais velho do casal, 15 anos, foi acolhido por João Travolta, num ato de
misericórdia. Seria um filho, carente e
abençoado, que caiu nos braços de João e Maria das Graças, aos quinze anos de
idade. Um adotado, acrescido a uma família já numerosa. Um adotado? Um filho a
mais? Aconchegou-se ao lar, ao novo lar.
Viveu
e cresceu. Bem tratado, bem acolhido, bem alimentado. João era o pai, Maria era
a mãe. Assim, o mundo se tornou maravilhoso.

Assim
falando, Antônio diz que tem muito a agradecer. Um agradecimento infindável. Deve
a sobrevivência, a sua vida e a felicidade aos pais adotivos. Para eles, a sua vida
será dedicada.
Um
coração agradecido, um coração de adotado. Antônio Júnior não parou para pensar
mais profundamente nessa adoção. Foi adotado como filho ou foi apenas acolhido?
Sua vida transcorreu semelhante aos filhos de João e Maria? Esses irmãos adotivos
frequentaram bons colégios. Tiveram boas roupas. Faziam passeios nas férias.
Eram príncipes e tinham de tudo. Ele, Antônio Júnior, foi colocado no trabalho.
Trabalho rude, dia a dia, sol a sol. Ele sabe ler e escrever porque tinha frequentado
uma escola pública antes de a sua mãe falecer.
Só isso. No mais, o batente diário em várias atividades como operário
sem remuneração, sem carteira assinada, sem registro. Levantar cedo faça frio
ou faça calor. Enfrentar o trabalho rude onde quer que ele estivesse ou que seu
pai adotivo determinasse. Antônio Júnior gostava desse movimento e achava mesmo
muito melhor do que se tivesse de ir a aulas todos os dias. Rodou a escala
profissional. Foi açougueiro muitos anos, nos negócios do pai adotivo. Sempre servil,
valente, laborioso. João e Maria
ensinaram os mistérios da vida, da família, da religião e ele aprendeu tudo com
total resignação e pleno agradecimento.
João
e Maria são proprietários de fazendas, de fábricas. Recursos financeiros surgem
de várias fontes. Têm, além disso, a riqueza dos filhos biológicos formados,
graduados e bem posicionados na vida social e profissional. São profissionais
competentes, de vida autônoma e produtiva. O filho adotivo, Antônio Júnior, não
frequentou mais escolas.
Antônio
é simples, humilde, e semi-alfabetizado. Agradece a Deus por ter sido acolhido
e adotado. Nunca passou pela sua cabeça possuir bens ou de alcançar qualquer
posição social elevada. Conseguiu a aposentadoria e está hoje independente
financeiramente, com esse salário mínimo que mensalmente cai na sua conta.
“Graças a Deus, todos os meus irmãos me consideram como verdadeiro irmão. Isso
me faz sempre orgulhoso.”

-
O voto é secreto, mas meu pai me comanda.
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