domingo, 14 de outubro de 2012

DEPOIMENTO DE TIRADENTES!


TEATRO

Autor: Rogério de Alvarenga
Revisão: Omar Fürst

INTRODUÇÃO:

Apresentação do Hino da Independência (Letra de Evaristo Ferreira da Veiga e música de dom Pedro I)

Já podeis da pátria filhos/ ver contente a mãe gentil/ já raiou a liberdade/ no horizonte do Brasil/ já raiou a liberdade/ já raiou a liberdade/ no horizonte do Brasil.
Brava gente brasileira/ longe vá temor servil/ ou ficar a pátria livre/ ou morrer pelo Brasil/ ou ficar a pátria livre/ ou morrer pelo Brasil.
Os grilhões que nos forjava/ da perfídia astuto ardil/ houver mão mais poderosa/ zombou deles o Brasil/ houver mão mais poderosa/ houver mão mais poderosa/  zombou deles o Brasil.
Brava gente brasileira/ longe vá temor servil/ ou ficar a pátria livre/ ou morrer pelo Brasil/ ou ficar a pátria livre/ ou morrer pelo Brasil
Não temais ímpias falanges/ que apresentem face hostil/ vossos peitos, vossos braços/ são muralhas do Brasil/ vossos peitos, vossos braços/ vossos peitos, vossos braços/ são muralhas do Brasil.
Brava gente brasileira...
Parabéns, oh brasileiros!/ já, com garbo varonil/ do universo entre as nações/ resplandece a do Brasil/ do universo entre as nações/ do universo entre as nações/ resplandece a do Brasil.
Brava gente brasileira...  

PRIMEIRO MOMENTO


(Tiradentes entra com farda de alferes) – Amigos meus destas plagas! Meu profundo respeito e minha reverência. Vim para que possamos nos conhecer melhor. Não me perguntem de onde eu venho! Os fragmentos do meu corpo foram afixados nos caminhos do ouro e desapareceram. Não tive túmulo.

Como vocês sabem, sou Joaquim José da Silva Xavier, alferes da Cavalaria Paga de Vila Rica. Sou um revolucionário! Eu me envolvi, junto a corajosos companheiros da capitania de Minas Gerais, em Vila Rica do Ouro Preto, na preparação de um levante pela conquista da liberdade do nosso país. Uma conspiração, uma conjuração, com objetivo e planos estratégicos confidencialmente traçados. Uma conjuração!

Eu, na verdade, era o mais humilde do grupo, um simples alferes. Era o mais humilde, mas era, também, o mais empolgado com a ideia de liberdade para a nossa pátria. Gritei aos quatro ventos, abracei de corpo e alma essa causa. Ela me envolveu por completo e, por pouco, a nossa história teria sido convertida em glórias. Hoje, tudo são cinzas sopradas pela memória de alguns brasileiros. Alguns riem dessa utopia, desse sonho. Quem não sonha não planeja, não age, não acontece. Riem porque fui enforcado e legalmente julgado. Duvidam?

Fui preso no Rio de Janeiro no dia 10 de maio de 1789, sem saber por quê? Estava licenciado de minhas funções militares para a execução de um projeto de captação e distribuição de água. Eu tinha visão empresarial e habilidade para projetos de construção. Eu não era um inútil despreparado. Sempre me despontei, aprendendo novas técnicas e novos métodos de trabalho. Tudo em favor do povo. Via em primeiro lugar o sofrimento do povo, por isso também me dediquei à medicina com plantas e ervas, junto com o tratamento de dentes. Daí, o meu cognome, Tiradentes. A anestesia foi um grande descobrimento para a humanidade. Hoje, poucas pessoas sabem o que seja a dor de dentes. No meu tempo, era sofrimento para todos. Sem medicamentos e sem pessoas que pudessem prestar assistência. Fiquei conhecido e conhecia centenas de pessoas a quem cumprimentava e a quem tinha o maior respeito. Até me admiravam e me seguiam. Ou vocês estão imaginando que eu não tinha um séquito de companheiros que estava disposto a pegar em armas a meu lado? E deu no que deu!

Como disse, fui preso e conduzido para uma prisão escura, incomunicável, na fortaleza da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro. Três anos incomunicável, nessa prisão fétida, cheia de piolho e percevejos. Acorrentado! Algumas acareações e depoimentos. Dessa prisão nunca mais saí. Saí para o enforcamento em praça pública, como se fosse um palhaço revolucionário, divertindo uma plateia de cariocas temerosos. Não foi só isso. Respeitei as leis e as decisões dos preclaros juízes e perdoei o meu carrasco de nome Capitania. No momento do enforcamento, frente a frente com esses juízes fiscalizadores do evento, olho a olho com o meu carrasco, eu me ajoelhei e pedi licença para beijar os seus pés. O meu ódio se transformou em humilde compaixão pelos que não sabiam o que estavam fazendo. O carrasco Capitania era apenas um serviçal da rainha louca, dona Maria I. Louca enfurecida, carola, com seus duzentos frades em orações contínuas e em tempo integral. E seus juízes subalternos, juízes aderentes, fingidos, submissos, estavam decididos a condenar.

Pois foi assim. O carrasco Capitania portava uniforme de gala para um acontecimento público em grande comemoração. A morte de um revolucionário. Perdoei a todos. Digo aqui, agora, com a pureza e a lealdade de todos os meus sentimentos. Perdoei. Perdoei porque já estava cansado de toda essa farsa, estressado com tantos algozes refestelados, como abutres - sim, como abutres, aves de rapina.

Pode parecer que eu não tenha perdoado. Eu estava aflito para que essa comédia terminasse. Eu desejava o fim. E o fim foi cruel, como poucas vezes se viu igual nesse mundo. Fui enforcado e esquartejado a machado, em praça pública. Minhas partes – cinco partes do meu corpo se despregaram de mim, como partes preciosas para serem afixadas nas estradas do ouro. Meu coração e minhas vísceras serviram de alimento para os cães de dona Maria primeira.
Por isso eu disse antes que não sabia de onde estava vindo, porque as partes do meu corpo, como sementes da liberdade, foram plantadas em todo o percurso do caminho novo. Cada uma delas fala por mim, para toda a eternidade, como um grito de liberdade rugido por um infeliz revolucionário das Minas Gerais.    
           
Peço desculpas se hoje falo dessa maneira. Não tenho coração para sentir. Onde estaria meu coração? Dez vidas eu daria, se tivesse, pela liberdade do meu país! Ouso repetir isso perante o meu povo de Minas Gerais!
(Extenuado, senta-se. Servem-se bebidas. Troca de roupa. Alguém aparece para ajudá-lo a tirar algumas peças de sua farda, deixando-o como cidadão, homem do povo.)

SEGUNDO MOMENTO


Sou filho de pai português e de  mãe paulista. Fiquei órfão de pai aos 9 anos e de mãe, aos 11. Fiquei só no mundo, como estou aqui, e como sempre estive. Meus irmãos cuidaram de mim enquanto puderam. Nasci na fazenda do Pombal, em Ritápolis, perto de São João del-Rei. Sou da nação de Minas Gerais.

Em Vila Rica, todos tinham uma bateia debaixo do braço. Eu nunca fui minerador. Tenho algumas economias porque já trabalhei como mascate, dentista e, depois me tornei militar, fiel servidor da soberana rainha de Portugal e enfrentei as mais ousadas tarefas para garantir a segurança, a nobreza e a divindade de reis e rainhas.

Ah! Divindade de reis! Como diziam. Todos nascemos nus e a natureza não distingue um príncipe de um mendigo. Somos iguais perante a natureza. Eu não nasci alferes, mas sou militar de carreira.

Ah! O poder divino dos reis! O povo no poder! A França e a Nova Inglaterra estão em crise de poder. Os reis estão na terra como seres comuns.

Nessa época, os reis estão apavorados com as ideias revolucionárias, atingindo as raias da loucura. Vejam Maria Antonieta e Luís XVI tentando sobreviver ao clamor das massas populares famintas e desesperadas. Liberdade, igualdade e fraternidade! Milhares de anos de opressão dos reis sobre o povo ignorante e submisso. O povo no paraíso. Esse dia há de chegar. Impossível? Milhares e milhares de anos de opressão. Escravos sobreviveram ou morreram, por milênios, sob o poder legalizado e impiedoso dos nobres e dos reis. A grande transformação com o povo no poder. O povo finalmente tem direito à sua parte no paraíso. Esse dia há de chegar!

Os tronos são obstáculos odientos e usurpadores da plena felicidade do povo. E têm que ser combatidos. Nunca deixei de falar o que penso e o que guardo dentro do meu peito. Meu sonho é ver este país tornar-se uma república livre e independente.

Formamos um grupo composto de juristas, empresários, religiosos, militares, intelectuais – poetas, para uma ação revolucionária. Poetas? Sim, poetas têm a coragem e a ousadia de expressar seus sentimentos mais íntimos, seu ideário de liberdade a qualquer preço.

Os fidalgos estão em baixa. Para eles, o povo fede!

Os Estados Unidos da América conseguiram o triunfo completo pela independência em 1776. Nosso dia chegará! Pareço louco? Pareço revoltado? Impossível deixar de transparecer a cor do sangue que corre nas minhas veias.
Veja o que acontece em Vila Rica: chega um governador e, em três anos vai embora com as cargas cheias de ouro. Ele e seus serviçais. Entra logo um novo governador com a mesma fome, com o mesmo apetite. Brota ouro para todos.

Vila Rica pariu mais de mil toneladas de ouro. Um milhão de quilos. O que ficou? O que restou? Para onde foi?

Sou um homem de brio, de vergonha e de força, aos 45 anos de idade. Como posso assistir a tudo isso? Como posso me calar diante de tanta violência, todas legais?
Pensam que não sinto a imagem de Felipe dos Santos, em 1720, esquartejado, amarrado em quatro cavalos?

Sabem? O destino dos idealistas é a morte sem túmulo.

A liberdade não tem preço e nem conhece limites. Todos vivem aqui em cárcere aberto. Não temo os truculentos. Falo por mim e por vocês, mentes brilhantes de gerações futuras.

Tantos jovens bacharéis chegaram de Coimbra. Ideias novas, revolucionárias na turbulência dos movimentos sociais. Povo rico e participativo, fábricas abertas. Agora, tudo proibição.

Pensam que sou louco? Louco por imaginar a liberdade do meu povo? Para os medrosos todas as portas estão fechadas.

Sou louco. Sinto a exploração selvagem do ouro em Vila Rica e a opressão de todas as partes. Proibida a educação e todo processo produtivo. Uma voz tem que se levantar dessa multidão de cordeiros diante dos lobos famintos. Cabeça baixa, chapéu na mão, pobres e miseráveis. E a rainha distribuindo ouro aos países vizinhos. Que a leve o diabo! Falo isso nas pensões, nos ranchos, nas reuniões secretas ou na confidência entre amigos. Claro! Não posso falar em praça pública um plano confidencial.  Conheço todos em Vila Rica e todos me aclamam.

Louco? Louco por liberdade! Os bárbaros invasores não poupam nada para nos fazer submissos.

Queremos uma república livre e independente, uma bandeira, uma universidade e a libertação dos escravos.

Temos que dar o primeiro passo. Cumpre aos seguidores dar o segundo. Sem este primeiro passo não haverá o segundo. E não haverá o último.    

TERCEIRO MOMENTO

(Alguém ajuda-o a trocar de roupa, para vestir o camisolão branco – dando um tempo de descanso para beber água, ante de recomeçar)

Como falei, tinha sido preso no Rio de Janeiro. Meus companheiros foram sendo presos um a um, onde estivessem. Seus bens eram confiscados, as famílias ficavam na miséria. Cláudio Manuel da Costa foi morto na prisão, ou suicidou-se. Duas devassas foram abertas, uma no Rio, pelo Vice-Rei, Luís de Vasconcelos e Souza e outra em Vila Rica, pelo Visconde de Barbacena. As duas digladiavam procurando envolver o maior número de culpados. Nunca houve culpados. Apenas os representantes da Coroa portuguesa queriam mostrar fidelidade e produção. O povo assistia a tudo pelas gretas das janelas e se escondia e só aparecia para delatar, como forma de proteção. Nem uma palavra de contestação. Silêncio sobre as brumas.

As devassas se prolongaram por três anos. Os réus estavam aprisionados. Estávamos presos no mesmo local, mas incomunicáveis. Também, Joaquim Silvério dos Reis, que era nosso companheiro e amigo, ali mesmo se encontrava, como tive oportunidade de ficar sabendo, muito depois.

Quatro acareações e muitos interrogatórios. Um dia, tive uma acareação com Joaquim Silvério dos Reis. Com as minhas correntes, queria cumprimentá-lo como amigo, pois não sabia de sua delação. Logo senti a amargura da acusação frontal. Pesou-me mais do que as minhas próprias correntes que eu transportava. Era ele o delator.

Sempre nos interrogatórios as mesmas perguntas. Qual a verdade sobre a sublevação de Vila Rica? Nunca dei um nome sequer, nunca falei a palavra “levante”, não tinha nada a confessar a ninguém. Principalmente a esses juízes. Tantos eram os amigos aprisionados, como fiquei sabendo depois. Alvarenga Peixoto em São João del-Rei, deixando a esposa Bárbara Heliodora na mais cruel desventura. O Ouvidor da Corte, Tomás Antônio Gonzaga, preso oito dias antes de seu casamento com Maria Doroteia Joaquina de Seixas, sua Marília de Dirceu. Tantas eram as infelicidades. Pobres e infelizes companheiros!

Planos, delações, depoimentos, acusações infundadas. Estou rodeado de zombarias, insultos, mofa. Sou um louco, gênio ardente, homem sem nenhum escrúpulo, rústico, atroado.

E essa devassa foi finalmente concluída, documentada pelas mãos dos meus juízes inquiridores que a arremataram como quiseram. Eles construíram essa devassa, forjaram, mentiram, torturaram até conseguir as formas e os conteúdos desejados. Ninguém por mim. Fiquei só, mas, perante o tribunal, respondi: NÃO.

Num dos interrogatórios, o juiz mais acusava do que perguntava e acabou por se exaltar e declarou: (Essa declaração pode ser feita por locutor off, com voz cavernosa)

- Você é o cabeça do motim da capitania de Minas Gerais! Você é o louco da sedição. Você convocou e convenceu até estrangeiros à sua causa. Você é um covarde, alferes traidor de sua Majestade! Todos os seus companheiros são unânimes em confirmar que suas palavras inflamadas levaram todos à desgraça, ao infortúnio, ao sofrimento sem limites. Confesse, traidor!

E assim prosseguiu mais acusando do que perguntando. Na minha vez, respondi:

- Projetei, sim, o levante para criar uma pátria livre e rica! Sempre neguei, mas não foi por covardia. Não queria implicar meus amigos e companheiros, justamente para preservar a integridade de cada um deles. Todos me ouviam, me incentivavam, me acompanhavam. Tudo neguei por eles. Pelos meus amigos! Digo, agora, diante destas circunstâncias, com a clareza das minhas convicções – sim, é verdade que eu premeditava o levante. É minha a ideia. Planejei tudo sozinho. Tenho a fronte erguida para os meus ideais de uma pátria livre e independente do jugo português. E queiram ou não os senhores juízes deste tribunal, mais hoje, mais amanhã, as sementes germinarão e o Brasil será uma das maiores nações livres do mundo. Livre do jugo de quem quer que seja. Esta é a minha convicção inabalável. Nunca uma confissão.   

E o juiz ditou para o escrivão: “confessou livre de ferros e em liberdade” – Não tive como não rir no meu íntimo mais profundo – livre de ferros e em liberdade.

Meus bens foram confiscados? Sim. Duas canastras com meus objetos pessoais e instrumentos de dentista, uma sesmaria, três escravos, alguns livros. No mais, uma cabeça cheia de ideais republicanos.

Os interrogatórios terminaram. Saiu a relação dos condenados e as sentenças, no dia 18 de abril de 1792. Trinta e quatro réus. Três deles faleceram nesse período. Esses réus tinham direito a defesa, por um advogado indicado. Ele pediu clemência e nada mais.

A sentença foi longa e triste. Foram trazidos os réus para a sala de oratório do presídio. Quando se reuniram, nem mais se reconheciam. Grisalhos, envelhecidos, pálidos, emaciados. Os olhos deslumbrados pela luz, vestidos em panos de algodão. Aproximaram-se uns dos outros. E as pesadas correntes tiniam ao se abraçarem. E falavam incontrolavelmente como se estivessem sedentos de conversa, depois da ausência por longa viagem.

Levaram 18 horas lavrando a sentença, terminada às duas horas da madrugada. O próprio Vice-Rei, Conde de Resende, fez questão de acompanhar o desfecho. Onze religiosos do convento Santo Antônio foram imediatamente chamados, pois nenhum condenado à morte poderia deixar de receber assistência religiosa.

Todos condenados ao enforcamento – eis a sentença.

Desespero geral. O dia amanhecia com jatos de luz penetrando pelas frestas das pesadas portas e pelas grades do presídio. E o advogado de defesa? Pediu que a pena fosse comutada em cárcere perpétuo. Mas o desânimo havia turvado o espírito de todos. A sentença parecia ter vindo sem perspectiva de mais defesa alguma.

Uma sentença complementar, entretanto, veio em seguida. Imagine a ansiedade dos réus. Era já no dia 19 de abril, quando entrou no presídio um séquito de oficiais da justiça e alguns juízes. Com a entrada do escrivão, todos se calaram. Foi um instante supremo. Desenrolou-se um maço de laudas escritas. Eu estava com o meu colar de correntes de ferro ao pescoço, aguardando o desfecho.

Todos os recursos do advogado de defesa foram rejeitados.

A continuação da sentença final foi lida: “Em observância à carta da dita Senhora, rainha de Portugal, manda-se que se execute inteiramente a pena da sentença ao infame réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, da Cavalaria Paga de Vila Rica, que concebeu o abominável intento de conduzir o povo da capitania a uma rebelião, por ser o único que, na forma da carta, se faz indigno da Real Piedade. Quanto aos demais réus, a quem deve aproveitar a clemência real hão por comutada a pena de morte na de degredo perpétuo.” (Os termos da sentença podem ser proferidos por locutor off. em voz cavernosa)

E concluiu: “Fica condenado o réu Joaquim José da Silva Xavier a ser conduzido com baraço e pregão, pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra de morte natural para sempre e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica onde, em lugar público, seja pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma. Ainda, seu corpo deverá ser dividido em quartos e pregados em postes pelo caminho de Minas. Declaram o réu infame e seus filhos e netos, tendo-os e os seus bens aplicam para o fisco e Câmara Real. A casa que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria, será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e, no mesmo chão, levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu.” (Os termos da sentença podem ser proferidos por locutor off, em voz cavernosa)     
                                                                                                                                                                                                                                                                                       
Neste momento, eu tinha o olhar perdido no espaço.   
          
Uns e outros se abraçavam e uma Salve Rainha foi rezada com muito fervor, entrecortada por explosões súbitas de choro e gritos de euforia. Na realidade, tudo estava previsto e os juízes fizeram apenas uma encenação de tragédia, em suspense, aterrorizando os réus.

Enquanto todos festejavam aos gritos de euforia, eu estava a um canto, realmente só. Nenhum abraço, nenhuma palavra de solidariedade ou conforto. Assim permaneci calado até que pudesse felicitar um a um pela graça que tinham conseguido. Felizmente, não levo ninguém comigo! Dez vidas eu daria se as tivesse para salvar a deles. Eu sou a causa da perdição desses homens, amigos e companheiros.

E a sentença foi executada. Após o enforcamento, o meu corpo foi subdividido em quartos a machado, como estava previsto, e hasteados no caminho de Minas. Minha cabeça foi levada a Vila Rica e, em solenidade pública foi hasteada como uma bandeira aterradora para gerações futuras. Deveria deteriorar nesse mastro infame. Na calada da terceira noite porém, alguém afrontou as autoridades da Capitania e levou a minha cabeça para algum jazigo desconhecido.

Nada mais tenho a dizer. Disse antes que não sabia de onde vinha. Nada mais tenho a dizer. Estou certo de que o povo brasileiro, de uma forma longínqua, usufrui um pouco do ideal deste louco falastrão. Dez vidas eu daria, em mil pedaços poderiam subdividir meu corpo para plantar a semente da liberdade e para vê-la germinar vigorosamente em meu país, com uma república livre e independente, com uma bandeira, com os escravos libertados e com uma universidade criada em Vila Rica. Nunca me arrependi do que falei ou do que fiz. Este louco falastrão nunca teve um crime para confessar e nunca se curvou diante dos opressores estrangeiros. Ele teve apenas a ousadia de responder simplesmente: NÃO!!!

(Entregam-lhe duas canastras. Abre uma delas e surge a bandeira de Minas. Balança-a no ar. Abre a segunda e surge a bandeira do Brasil. Balança-a no ar, ao som do hino da Independência cantado em coro, com a participação da plateia. – Ao final, surgem acordes do Hino Nacional)   
      

2 comentários:

  1. Rogério,

    Trabalho realizado com esmero e rico em detalhes históricos. Valiosa contribuição à cultura brasileira.

    Abraço.

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  2. montamos uma peça rapida na escola pra comemorar.. todo mundo gostou. Vlw

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