segunda-feira, 15 de junho de 2020



NO BELVEDERE

Acredite que o meu bairro na cidade de Mingáglia, chamava Belvedere? Fim de rua, gente pobre, gente feia. Mas nem tudo está perdido. Para nós, naquela época, era um paraíso. O pobre nasce pobre sem saber e, mesmo assim,  também é feliz sem saber.

Eu tinha dito que no meu bairro ou favela não tinha nada de belvedere e nada para se ver e admirar, mas tinha sim. Eu me lembrei de uma das casas da vizinhança. Era um bordel, casa de prazer, de perdição, como diziam os moradores da região.
Até aí, tudo certo. Acontece que no nosso quintal havia uma mangueira e um abacateiro, localizados bem junto ao muro do bordel. Era uma casa simples, de três ou quatro quartos, e cheia de mulheres prostitutas.
Os meus dois irmãos mais velhos descobriram a mina e subiam nas árvores e ficavam lá tempo sem fim, admirando as mulheres em volta da piscina, tomando banho de sol.  De lá do alto, gritavam para os irmãos menores:
- Aqui é muito alto. Vocês são pequenos e não podem subir. É muito perigoso.
Eu e meu irmão da mesma idade ignoramos essa advertência, mas essa tentativa de proteção parecia meio fora de propósito. Nós éramos valentes e ousados. O que os dois mais velhos faziam, nós dois também tínhamos que fazer. Por isso, derrubamos essa advertência e subimos lá para as alturas. Surpresa geral. Maravilha de belvedere. As mulheres estavam seminuas, na beira da piscina, tomando sol. Maravilha!! Meu irmão tinha 10 anos e eu ia fazer 11. Ficamos horas sem fim, observando e nos deliciando.
- Oh! Garoto! Joga uma manga pra mim! - gritou uma delas. Uma loura de pernas compridas e bem torneadas.
Aí começou o nosso relacionamento de boa vizinhança. Era manga pra lá e beijinho pra cá. As meninas do bordel encheram uma cesta de frutas. Eu não podia perder a oportunidade e gritei pra uma delas:
- Amanhã eu vou levar um cesto de mangas maduras pra você. Posso ir?
- Vem de tarde, benzinho. Fico esperando você.
Meu irmão menor não ouviu bem o que eu combinava e nem percebeu as minhas mais puras intenções.
Foi assim.  No dia seguinte, fui lá. Os meus irmãos mais velhos já eram fregueses constantes. Para mim, foi a primeira visita. Eu acho que já tinha doze anos. Daí pra frente, eu não queria mais namorar as garotas. Meus olhos tinham outros objetivos mais apurados. Eu não precisava mais de subir nas mangueiras, mas meu irmão menor, toda hora, estava querendo apanhar mais mangas, no alto das árvores. Um dia, já mais sabido, achou que, se subisse no abacateiro, poderia colher outro tipo de fruta e teria uma visão mais ampla.  Minha mãe nunca ficou sabendo disso. Ela apenas dizia que os garotos pequenos eram os mais habilidosos apanhadores de frutas no quintal.
Referência: Alvarenga, Rogério. Em nome do filho. Pag. 27/28, Ed. 3I, Belo Horizonte,Br, 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

DEIXE AQUI SEU COMENTÁRIO

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...